Quando até o Filhos de Gandhi parou: o significado da unidade da advocacia pública e privada no XX CBPM

Por: Tercio Souza,

Procurador do Município de Salvador e Coordenador Acadêmico do XX Congresso Brasileiro de Procuradoras e Procuradores Municipais (CBPM). Publicado no dia 03 de novembro de 2025 pelo site Mundoba

Na quinta-feira, 30 de outubro, segundo dia do XX Congresso Brasileiro de Procuradoras e Procuradores Municipais, realizado em Salvador, vivenciamos um momento que merece ser compreendido para além da cena pitoresca. Pela primeira vez, o presidente do Conselho Federal da OAB, Beto Simonetti, participou oficialmente do nosso encontro — e sua presença não foi apenas protocolar. Foi um gesto institucional robusto, com efeitos simbólicos e práticos para a advocacia brasileira.

Durante o discurso, amplamente repercutido pela OAB Nacional, Simonetti reafirmou uma mensagem que, a meu ver, deveria orientar o debate jurídico contemporâneo: a advocacia pública e a advocacia privada são indissociáveis. Não há duas advocacias, divididas por muros corporativos ou por narrativas concorrentes. Há apenas uma: aquela comprometida com a Constituição, com a cidadania, com as prerrogativas profissionais e com a defesa permanente do Estado Democrático de Direito.

Esse ponto ganha especial relevância no contexto atual, em que o Supremo Tribunal Federal analisa o RE 609.517 (Tema 936), que discute a constitucionalidade da exigência de inscrição de advogados públicos nos quadros da OAB. A manifestação do presidente da Ordem, no palco do nosso Congresso, reforça a importância de compreender que a atuação jurídica em defesa do Estado — seja no âmbito municipal, estadual ou federal — integra a mesma profissão que atua na defesa dos cidadãos e das empresas.

A fala de Simonetti foi reforçada por um episódio tão espontâneo quanto memorável. No exato momento em que o presidente iniciava sua fala, o tradicional Afoxé Filhos de Gandhi, uma das expressões culturais mais emblemáticas de Salvador, interrompeu sua apresentação para que todos pudessem ouvir a mensagem dirigida à advocacia pública municipal. A cena rendeu uma frase que tenho repetido desde então, não apenas pelo humor, mas pela força simbólica que carrega: “Até o Filhos de Gandhi parou para ouvir a advocacia pública e privada dizer que é uma só.”

E por que esse gesto importa? Porque ele evidencia que a advocacia pública municipal ocupa hoje um espaço estratégico na formulação de políticas públicas, na prevenção de litígios, na defesa das prerrogativas profissionais e na construção de segurança jurídica — elementos essenciais para o funcionamento eficiente dos municípios brasileiros.

A presença do presidente da OAB Nacional no nosso Congresso representa três avanços concretos:

1. Reconhecimento institucional da advocacia pública municipal, agora entendida como pilar indispensável da governança local.
2. Fortalecimento da unidade da advocacia, superando a falsa dicotomia entre quem atua pelo Estado e quem atua ao lado ou contra ele.
3. Aproximação definitiva entre OAB e ANPM, com impactos diretos em temas como prerrogativas, honorários, estruturação das Procuradorias Municipais e defesa institucional.

Como Coordenador Acadêmico do XX CBPM, testemunhei de perto o impacto dessa convergência. A advocacia pública municipal ganhou espaço, ganhou voz e ganhou reconhecimento. E a OAB, ao reafirmar que somos parte inseparável de uma mesma atividade profissional, deu um passo decisivo para uma agenda de reformas que contemple, de maneira equilibrada, todos os braços da advocacia.

Se desejamos cidades mais justas, eficientes e democráticas, precisamos compreender que advogados públicos e privados não pertencem a lados opostos. Somos — e precisamos ser — uma única advocacia, guiada pela técnica, pela ética, pela legalidade e pelo compromisso com o interesse público.

O episódio em que “até o Filhos de Gandhi parou” para ouvir essa mensagem não foi apenas curioso. Foi histórico. E talvez, daqui a alguns anos, lembremos este XX CBPM como o momento em que a advocacia brasileira reafirmou, de forma clara e madura, o seu propósito de caminhar unida.