Voz do Associado qui, 18 de junho de 2020
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Por: Alessandro Farias Leite, suplente da Diretoria de Relações Institucionais da ANPM e procurador do município de Campina Grande/PB, publicado no dia 17 de junho pelo Conjur.

A instituição de Procuradorias nos municípios brasileiros sempre foi uma das grandes bandeiras da Associação Nacional de Procuradores Municipais – ANPM, que vem, há mais de duas décadas, buscando realizar o pórtico do art. 132 da Carta Magna, que prevê a Advocacia Pública como função essencial à Justiça.

Há dezessete anos, tramita no Congresso Nacional a PEC que constitucionaliza expressamente a carreira dos Procuradores Municipais. Aprovada em dois turnos na Câmara dos Deputados, atualmente, a PEC encontra-se no Senado Federal, esperando pauta para votação. Nesse longo período de tempo, várias foram as tratativas e articulações no meio político. A aprovação ainda não veio, é bem verdade, mas ainda assim os avanços continuam e são inegáveis.

Em 2019, tivemos uma grande vitória no Supremo Tribunal Federal, quando do julgamento do RE 663696 impetrado pelos destemidos colegas da Procuradoria de Belo Horizonte. Nos autos, discutia-se o teto remuneratório dos Procuradores Municipais. No mérito, obtivemos a confirmaçãopor meio da Egrégia Corte, em sede de Repercussão Geral, que estávamos insertos no seleto rol das funções essenciais à justiça previstas no Capítulo IV, Título IV da Constituição Federal.

Com efeito, tem a ANPM buscado a criação de Procuradorias nos 5.570 municípios brasileiros. São abnegados colegas, figurando ora como delegado, ora na diretoria, ou mesmo integrando o conselho deliberativo através da presidência das várias associações locais, além de contar com voluntários, que se espalham pelo país em busca do fortalecimento das Procuradorias e das Carreiras de Procurador Municipal. 

Na Paraíba, por exemplo, avançou-se muito nos últimos dois anos, com a celebração de cerca de 185 Termos De Ajustamento De Conduta pelo Ministério Público Estadual, fato que propiciará a realização de mais de cem concursos para Procurador Municipal no Estado. O caso foi tão exitoso e teve tamanha repercussão que foi apresentado no último Congresso Nacional de Procuradores Municipais, realizado em Brasília, em outubro de 2019, culminando com a promessa de que a experiência seria replicada pelos colegas em outras regiões do país.

Com a decretação da Pandemia do COVID 19 pela Organização Mundial da Saúde no mês de março do ano corrente, a situação jurídico- institucional dos Entes Federados e de seus respectivos servidores foi profundamente modificada. O advento do teletrabalho como regra, a edição quase que diária de atos normativos para disciplinar o período extraordinário, a intensa litigiosidade entre os entes. Além disso, outros grandes debates emergiram. Costuma-se dizer que o direito está sendo literalmente reescrito nos dias atuais.

Neste passo, dentre as discussões acima mencionadas, destaca-se no contexto associativo da ANPM, a que trata da viabilidade ou não da realização das eleições municipais neste ano. Há várias correntes de pensamento sobre o tema, bem como PEC´s tramitando no Congresso Nacional para tratar do assunto, dada a relevância e urgência da matéria.

Desta feita, em apertada síntese, três possibilidades surgiram:

I ) Realização do pleito em outubro, como normalmente ocorre;

  1. II) Adiamento do pleito para dezembro;

III) Cancelamento do pleito e consequentemente a unificação dos mandatos e das eleições para todos os cargos eletivos em 2022.

 Tem ganhado corpo no mundo político/jurídico e tem sido defendida, inclusive, pelo presidente do TSE, o Ministro Luís Roberto Barroso, a tese estabelecendo que as eleições municipais devem ser realizadas neste ano, sendo adiadas para o mês de dezembro. Segundo esta possibilidade, teríamos o chamado primeiro turno no primeiro domingo de dezembro e o segundo, no terceiro domingo, às vésperas do Natal.  No tocante aos novos mandatos, não teríamos mudanças, eles iniciariam em 1º janeiro de 2021.

Ressalte-se, por oportuno, que nos municípios brasileiros, temos eleições bastante acirradas, com envolvimento direto dos munícipes nos pleitos. É preciso lembrar ao leitor, também, o caráter extremamente heterogêneo dos municípios brasileiros, enquanto temos, de uma lado, cidades como São Paulo, Rio de Janeiro e Salvador com alguns milhões de habitante, temos também Araguainha, Borá e Serra da Saudade, que não completam sequer o primeiro milhar de habitantes, de acordo com os dados oficiais.

É prática comum nos municípios brasileiros, a não efetivação da chamada transição democrática entre antecessores e sucessores. Não obstante o aperfeiçoamento e o fortalecimento dos órgãos de controle, bem como das recomendações dos Tribunais de Contas e do monitoramento dos Ministérios Públicos Estaduais, o que se vê é a sonegação desenfreada de informações, a exclusão de dados em sistemas, o sumiço de materiais e equipamentos, dentre outras atitudes capazes de inviabilizar a futura gestão.

 Isso, num cenário onde os “novos gestores” tinham 60 ou 80 dias para se inteirar da realidade que encontrariam no primeiro dia de mandato.

Imagine-se um cenário que se propõe 10 dias de transição, com as festividades de fim de ano entre eles.

Nessa difícil, mas provável conjuntura que se avizinha, emerge a importância cada vez maior da figura do Procurador Municipal de Carreira, nomeado após concurso público de provas e títulos. Detentor de parte da memória jurídica do Município, ele certamente facilitará os primeiros dias da gestão, propiciando que esta possa ter conhecimento da realidade “intra muros”, permitindo o compartilhamento de informações e auxiliando o novo gestor nos primeiros passos do mandato.

É através dos Procuradores Municipais, que o novo gestor saberá, quais os programas que estão sendo executados e que não poderão sofrer interrupções, mormente em razão da sucessão do gestor. Além disso, é a PGM quem vai instruir, juridicamente, os primeiros atos do governante, como elaboração de leis decretos, portarias, etc. Importante lembrar que o Município poderá estar sujeito a alguma obrigação de fazer ou não fazer imposta pelo Judiciário e, neste caso, somente o Procurador poderá informar como o novo prefeito deverá proceder diante de uma sentença judicial.

O escolhido nas eleições não pode ter ciência de todos estes fatores apenas depois do início do seu mandado. Este conhecimento deve acontecer antes da sua posse, mesmo porque alguma informação poderá e deverá influir nos primeiros atos da nova gestão. Neste ponto, se ressalta a importância de uma transição de mandatários clara, amistosa e em sintonia com os melhores interesses dos administrados, o que resta prejudicado com a sensível diminuição do período desta passagem, mas o que se tornaria impraticável sem a iluminação jurídica emanada dos essenciais Procuradores Municipais, os quais preexistem a qualquer governante e permanecem na Administração após o término do mandato.

 Não se sugere no presente, que o Procurador seja a panaceia para os tempos de tormenta a serem enfrentados pelo gestor, mas certamente dividir o fardo com uma Procuradoria instituída e qualificada facilitará a travessia.

É tempo de fortalecer as instituições, elas são o fundamento do estado democrático de direito e este é o porto seguro para efetivação de valores fundamentais previstos na Constituição Cidadã.

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