Voz do Associado ter, 17 de maio de 2022
Compartilhe:

Por: Ravi Peixoto,
Procurador do Município do Recife. Doutor em Direito Processual pela Uerj. Mestre em Direito pela UFPE.

Em recente julgado, o Tribunal de Justiça de Minas Gerais deu parcial provimento a um recurso para diminuir a verba honorária fixada em um caso concreto. O valor da causa era de R$ 140.000 e, por conta disso, em face do artigo 85, §2º, do CPC, o valor mínimo seria de R$ 14.000. Ocorre que, para o tribunal, esse valor seria excessivo, dada a suposta simplicidade da causa, sendo justo o valor de R$ 2.000 [1].

Não é o momento de avaliar se R$ 14.000 é um valor excessivo ou mesmo se é possível uma interpretação que ignora o texto normativo para permitir que o parâmetro mínimo de 10% do proveito econômico/valor da causa seja totalmente ignorado. E tudo isso sem declarar a inconstitucionalidade de qualquer texto normativo [2].

O problema nesse caso é o de que se afirma que, embora haja precedente supostamente vinculante do STJ, vinculante ele não é.

O argumento é o de que a posição do STJ não estaria consolidada. Essa posição seria aquela fixada pelo STJ no recurso especial nº 1.877.883, no qual fixada a seguinte tese por sete votos a cinco:

1) A fixação dos honorários por apreciação equitativa não é permitida quando os valores da condenação ou da causa, ou o proveito econômico da demanda, forem elevados. É obrigatória, nesses casos, a observância dos percentuais previstos nos parágrafos 2º ou 3º do artigo 85 do CPC — a depender da presença da Fazenda Pública na lide —, os quais serão subsequentemente calculados sobre o valor: a) da condenação; ou b) do proveito econômico obtido; ou c) do valor atualizado da causa.

2) Apenas se admite o arbitramento de honorários por equidade quando, havendo ou não condenação: a) o proveito econômico obtido pelo vencedor for inestimável ou irrisório; ou b) o valor da causa for muito baixo.

Tendo em vista essa tese, a decisão do TJ-MG estaria violando precedente obrigatório. Mas, como dito, para o Tribunal de Justiça, obrigatório não é.

A posição não estaria consolidada primeiramente porque existiriam decisões divergentes no âmbito da 1ª Seção do STJ. Ocorre que, curiosamente, enquanto a decisão no STJ no REsp 1.877.883 foi proclamada em 16/3/2022, todos os julgados divergentes mencionados datam de 2019. Ou seja, o argumento de ausência de uniformidade soa problemático, afinal, é difícil sustentar que há divergência quanto os julgados contraditórios possuem três anos de distância.

Basta fazer um exercício comparativo e imaginar que embargos de divergência fundada nessa espécie de divergência seriam inadmitidos com base na súmula nº 168 do STJ, segundo a qual "não cabem embargos de divergência, quando a jurisprudência do Tribunal se firmou no mesmo sentido do acórdão embargado". Afinal, a divergência não é mais atual.

Mais ainda, é possível pressupor que, tal como no IRDR, uma das pretensões do recurso especial repetitivo seja a de sanar o "risco de ofensa à isonomia e à segurança jurídica" (artigo 976, II, CPC). Esse risco é trazido pela divergência de posicionamentos e, por meio da afetação do tema, a questão jurídica seria pacificada. Em resumo, não parece fazer sentido alegar ausência de pacificação quando os julgados em sentido contrário não são contemporâneos àquele decorrente de julgamento de recurso repetitivo. Afinal, um dos seus objetivos é pacificar a jurisprudência e fazer com que o tribunal tenha uniformidade (artigo 926, CPC).

Um outro questionamento para a ausência de pacificação é o de que a votação foi por 07 votos a 05. Esse quórum não seria apto a pacificar o entendimento do STJ sobre o tema, sendo exigido, ao menos, a maioria absoluta.

São utilizados como exemplos o quórum de 2/3 para a edição de súmulas vinculantes (artigo 2º, §3º, da Lei 11.414/2006), igualmente exigido para a modulação de efeitos no controle concentrado de constitucionalidade (artigo 27 da Lei 9.868/1999). Tem-se ainda o de maioria absoluta as declarações de inconstitucionalidade (artigo 97, CF), para a procedência de ações do controle concentrado (artigo 23 Lei 9.898/99; artigo 12-H, §2º, Lei 9.882/99 c/c artigo 23, Lei 9.898/99) e o para deferimento de cautelares nas ações de controle (artigo 10, Lei 9.898/99; artigo 5º, Lei 9.882/99).

Além disso, são realizadas interessantes considerações sobre o sistema de precedentes brasileiro. Afinal, há quem sustente sua inconstitucionalidade, e que seria, ainda no momento atual, algo excepcional para o direito brasileiro. E, diante de tais considerações, seria "necessário que haja o consenso da maioria absoluta dos membros do órgão colegiado competente".

Concorda-se que o transplante de um instituto jurídico — precedentes — para o Brasil não vai ocorrer de forma mágica. Dificuldades existiram e existirão. Mas há fundamento para, de lege lata, criar-se uma exigência de maioria absoluta para uma decisão que não a tem?

Na Constituição, ao fazer-se referência ao quórum para o julgamento colegiado nos tribunais, somente há menção aos casos de remoção, disponibilidade e aposentadoria de magistrados (artigo 93, VIII, CF), decisões disciplinares (artigo 93, VIII, CF), declarações de inconstitucionalidade (artigo 97, CF) e aprovação de súmulas vinculantes pelo STF (artigo 103-A, CF). À Lei Orgânica da Magistratura caberia inserir outras definições sobre o tema, que, na atualidade, nada dispõe especificamente acerca do quorum das decisões. Na legislação infraconstitucional, tem-se o artigo 27 da Lei nº 9.868/1999 e o artigo 11 da Lei nº 9.883/1999, estabelecendo quorum específico para a modulação de efeitos no controle abstrato e concentrado de constitucionalidade, dentre outras mencionadas na própria decisão.

Quanto às demais decisões, não há qualquer dispositivo legal ou constitucional impondo algum quórum específico. Claramente não se exige qualquer quórum para as decisões em recursos repetitivos. Note-se que, mesmo na decisão, todas as decisões em que há quórum qualificado, há expressa previsão legal. Nas hipóteses em que não há previsão de quórum específico, não há omissão no texto normativo, mas apenas significa que o quórum a ser seguido é o tradicional, ou seja, o de maioria relativa.

Haveria uma possibilidade de analogia? Há alguma decisão bastante semelhante, que poderia atrair a exigência de outro quórum? Note-se que o quórum específico aparece apenas em decisões sobre matéria constitucional. Assim, sequer é possível a utilização da analogia para aumentar o quórum das decisões em recursos repetitivos.

Seria bom que se exigisse o quórum de maioria absoluta para a fixação de precedentes obrigatórios? Talvez sim. Talvez não. Mas trata-se de questão a ser resolvida pelo legislador. Não pelos tribunais.

Em resumo, sem entrar no mérito de como deveriam ser fixados os honorários advocatícios, a decisão do TJ-MG viola frontalmente precedente obrigatório do STJ. Não há motivos para que ele seja rebaixado a precedente persuasivo. Não há divergência no STJ, esta foi sanada justamente pelo repetitivo. Não há exigência de maioria absoluta, dada a total ausência de previsão legal e, sem esta, prevalece a maioria relativa.

A questão do valor dos honorários advocatícios no direito brasileiro mais parece uma história sem fim. Apesar da previsão legal expressa e apesar da decisão do tema em recurso repetitivo, pelo visto, ainda não sabe o resultado final.

 

[1] TJ-MG, Processo nº 1.0000.22.035971-5/001, 20ª Câm. Cível, Rel. Des. Lílian Maciel, j. 04/05/2022, DJ 05/05/2022.

[2] Já tive oportunidade de me manifestar sobre o tema, em análise de julgado do STJ: PEIXOTO, Ravi. Honorários nos processos que envolvem a Fazenda e a não aplicação da lei pelo STJ. ConJur. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2019-abr-22/ravi-peixoto-honorariosnos-processos-envolvem-fazenda, acesso no dia 10/05/2022.

Compartilhe: