Voz do Associado ter, 19 de julho de 2022
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Por: Edcarlos Alves Lima 
Procurador do município de Cotia/SP. Mestrando em Direito na Universidade Presbiteriana Mackenzie. Especialista em Direito Tributário (UPM) e em Gestão Pública (UFTPr). Advogado-Chefe da Consultoria Jurídica em Licitações (AGM Cotia). Publicado pelo Conjur no dia 19 de julho de 2022.

A literatura que foca seus estudos em torno das contratações públicas tem se debruçado em torno da análise da matriz de riscos, instituto que, embora não seja novo [1], constou no rol de novidades trazidas pelo legislador na Lei nº 14.133/2021, nova lei de licitações e contratos administrativos.

A matriz de riscos, segundo definição constante do artigo 6º, XXVII, é a cláusula prevista em contrato que definirá os riscos e as respectivas responsabilidades das partes.

Uma vez definida, a matriz de riscos caracterizará a base de equilíbrio econômico-financeiro inicial do contrato, não podendo a ocorrência dos eventos nela previstos ensejar o reequilíbrio econômico-financeiro stricto sensu previsto no artigo 124, II, "d".

Nas alíneas do inciso XXVII, do artigo 6º, o legislador previu o conteúdo mínimo da matriz de riscos, cujo detalhamento necessariamente constará, quando for o caso, do edital do certame (artigo 22) e de cláusula contratual específica (artigo 92, inciso IX).

Destaca-se que, nos casos de obras e serviços de grande vulto ou diante da adoção do regime de contratação integrada ou semi-integrada, a matriz de riscos deve obrigatoriamente estar prevista em edital e, consequentemente, disciplinada no termo de contrato (artigo 22, §3º).

Dentro da matriz de riscos, portanto, devem ser antevistos os eventos futuros e incertos capazes de impactar, de forma negativa, a execução do contrato administrativo, assim como serem mensurados os riscos de cada evento e os respectivos graus de incidência, distribuindo as responsabilidades e o ônus financeiro deles decorrentes entre as partes, de acordo com as respectivas capacidades.

Houve, também, a preocupação do legislador em disciplinar, no artigo 103, os requisitos para alocação dos riscos entre a Administração Pública e o particular contratado, de modo que, uma vez atendidas as condições contratuais e aquelas insertas na matriz de riscos, considera-se mantido o equilíbrio econômico-financeiro do contrato administrativo.

A distribuição dos riscos eventuais entre as partes faz é de suma relevância para que a Administração Pública não se torne a "garantidora universal" das consequências advindas de eventos supervenientes e imprevisíveis.

Isto porque, as imprevisões e superveniências capazes de alterar as bases econômicas da relação jurídico-contratual inicial atingem tanto o particular quanto a própria Administração Pública, não sendo possível atribuir, exclusivamente a esta última, o ônus pelas consequências negativas delas advindas.

O problema não reside em entender o que é a matriz de risco ou como ela poderá ser eficientemente detalhada no edital ou contrato, a fim de preservar o equilíbrio econômico-financeiro entre os encargos definidos pela Administração Pública e a remuneração fixada pelo participar para executá-los.

Aponta-se, pela vivência prática dentro da Administração Pública, que a grande dificuldade — para não se dizer a mais complexa — é o gestor público possuir conhecimentos técnicos e aptidão suficiente para conhecer dos riscos envolvidos no negócio, de modo que a sua alocação seja desenhada de forma coerente com o objeto que se pretende contratar.

A despeito de ser uma obrigação constitucional e arraigada na vida da Administração Pública, o planejamento das ações e serviços públicos, notadamente no âmbito dos entes subnacionais, ainda é precário.

É tão precário que houve a necessidade de o legislador, mesmo após mais de 30 anos de vigência da Constituição Federal, em que se previu expressamente no artigo 174, estampasse o planejamento como princípio (artigo 5º) norteador do sistema de contratações da nova LLCA.

O planejamento de qualquer ação estatal, e da contratação pública de modo participar, é de suma importância para garantir a alocação eficiente dos escassos recursos públicos. Arrisca-se dizer que tal princípio é um dos pilares do sistema de contratações disciplinado pela nova LLCA.

No âmbito da nova lei, o princípio do planejamento foi concretizado através de diversos artefatos capazes de traduzir o caminho percorrido pela Administração Pública desde o surgimento da necessidade e/ou problema a ser resolvido, passando pela escolha da solução “ótima” capaz de satisfazê-la e espraiando-se por toda a execução contratual, até a finalização do pacto eventualmente celebrado.

Mais do que isso, o planejamento das contratações públicas deve ser iniciado com a elaboração eficiente do Plano de Contratações Anuais do órgão ou entidade, que deve estar compatibilizado com as leis maiores de planejamento orçamentário (PPA, LDO e LOA) e ser amplamente divulgado e mantido à disposição da sociedade em seu portal eletrônico oficial.

É dentro do planejamento inicial, portanto, que deve estar inserida a avaliação, levantamento, mensuração e quantificação de todos os riscos possíveis de existir no âmbito da licitação e da execução do contrato administrativo.

A avaliação e mensuração de riscos depende de uma série de fatores, dentre os quais aqueles existentes e próprios do mercado em que se situa o objeto almejado pela Administração Pública. Deve o gestor, desse modo, conhecer a realidade mercadológica e, a partir de uma análise de cenários, planejar o melhor formato para que a alocação dos riscos ocorra de forma equilibrada, consistente e eficaz, de modo a não gerar desiquilíbrio entre as partes.

Não há como banalizar a atividade de planejamento e de definição da matriz de riscos do futuro contrato a ser celebrado, uma vez que ela, em conjunto com as obrigações contratuais e a remuneração definida pelo particular, constituirá a base do equilíbrio econômico-financeiro inicial da avença.

Para que o planejamento seja eficaz a ponto de prevenir lesões ao interesse público, assim como às expectativas do particular contratado, é necessário que o gestor público possua know-how para desenhar as bases de equilíbrio inicial do contrato o mais próximo possível da realidade.

O desenho da matriz de riscos não deve se basear em processo simples do famoso "Ctrl + C e Ctrl + V". Deve-se levar em consideração a experiência própria do órgão ou ente com a execução daquele objeto, assim como as realidades próprias do mercado em que ele esteja inserido.

Noutras palavras, a matriz de riscos eventualmente elaborada para uma obra de construção de uma creche em determinado município poderá não fazer frente aos riscos reais existentes na execução de obra similar a ser executada no âmbito de outro município.

Assim sendo, o maior risco a ser mitigado dentro do planejamento das contratações públicas não está atrelado, em si, à deflagração do certame ou execução do contrato, mas sim à incompetência técnica do gestor para compreender a importância da definição e alocação de riscos inerentes ao futuro pacto a ser firmado pela Administração Pública.

Nesse sentido, a autoridade máxima do órgão ou entidade da federação deverá observar efetivamente o disposto no artigo 7º da LLCA, que determina a gestão por competências no que concerne à designação de agentes públicos para o desempenho das funções essenciais à execução da referida lei.

A expressão "competências" referida na norma geral de licitações não se refere à competência estudada no campo dos atos administrativos [2], mas sim ao conjunto de atividades atribuído a um determinado cargo.

Assim, a função de planejamento e elaboração da matriz de riscos deverá ser acometida ao agente público que possua, dentro do rol de atribuições do cargo que ocupa, competência para o desenvolvimento dessa atividade.

Esse requisito, aliás, é reforçado pelo inciso II do artigo 7º, de modo que a autoridade máxima deverá indicar agente público que possua atribuições interligadas à matéria de licitações e contratos, assim como formação ou qualificação compatível com tais atribuições a serem exercidas.

É esse, portanto, o maior risco que a alta administração da entidade ou ente da federação, no âmbito de aplicação da LLCA, deverá estar apta a mitigar.

[1] A ideia de matriz de riscos foi prevista dentro das diretrizes traçadas pelo artigo 4º da Lei nº 11.074/2004 (Lei das Parcerias Público-Privadas — PPP), justificada pela necessidade de repartição objetiva dos riscos que permeiam os contratos de longo prazo, cuja execução apresenta grandes complexidades (cf.  artigo 5º, III).

[2] Neste campo de estudo, tem-se que a competência é o conjunto de atribuições prevista para um órgão, entidade e agente público fixada em lei. É uma das condições de validade do ato administrativo, que deverá estar incluído no rol das atribuições legais do agente que o praticou. NOHARA, Irene Patrícia. Direito administrativo. 11. ed. Barueri: Atlas, 2022 p. 158; MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 44. ed. rev., atual. e aum. São Paulo: Malheiros, 2020 p. 155.

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