Voz do Associado qui, 23 de abril de 2020
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Por: Bernardo Leopardi Gonçalves Barretto Bastos, secretário-geral da ANPM, procurador do município de Rio Largo/AL

O físico estadunidense Albert Allen Bartlett disse uma vez que a maior falha da humanidade é a nossa incapacidade de entender a função exponencial.

A primeira vez que li a frase acima achei intrigante. E em um segundo momento pareceu exagerada. Hoje, décadas depois, vejo como é pertinente. Especialmente quando recebemos explicações de tudo e a todo tempo no nosso celular.

Umberto Eco se preocupou com a difusão de informação na internet. Aquelas informações menos precisas muitas vezes têm um alcance maior do que as informações mais apuradas. Dizia que a internet deu voz ao que ele chamou de “idiota da aldeia”. Aquelas ideias que surgem numa mesa de bar e parecem solucionar os mais complexos problemas hoje estão em todos os lugares e até são a principal forma de atuar de autoridades públicas.

O simplismo ingênuo até tem seu charme. Muitas vezes até há alguma sabedoria oculta, como bem ilustrou James Surowiecki em seu famoso trabalho sobre a sabedoria oculta da multidão. Claro que cada indivíduo aleatório, se considerado isoladamente, continua sendo uma péssima fonte de informação. Suas ideias não devem ser seguidas sem uma boa dose de senso crítico. Por outro lado, considerando o conjunto total de pessoas, o resultado pode ser surpreendentemente positivo, como demonstrou Surowiecki.

Mas há situações em que nem mesmo os especialistas podem tratar de bate-pronto. Isso se dá porque há fenômenos que não são intuitivos. Nesses casos se igualariam o idiota da aldeia e o seu antagonista, o sábio da metrópole.

Em grupos de whatsapp circulou uma mensagem de áudio, ao que parece de um infectologista. A mensagem minimizava a atual pandemia com diversos argumentos. Falou sobre a taxa de transmissão, ou seja, quantas pessoas cada contaminado poderia contaminar. Os modelos matemáticos de propagação de doenças trabalham com essa grandeza que teria o nome técnico de “número básico de reprodução”.

Um dos argumentos do áudio chamou a atenção. Dizia algo como “a contagiosidade é uns 30% maior que de uma virose anterior”, salvo engano ele se referia à gripe suína.

Ora, uma grandeza 30% maior pode ser considerável, notadamente quando é um aumento salarial, mas, à primeira vista está longe de ser algo revolucionário.

Portanto, ao ouvinte do áudio poderia transparecer a ideia de que estaríamos dentro de uma situação muito similar a epidemias anteriores, talvez só um pouco maior. Nada mais falso.

Com diversas idealizações como considerar uma população grande o suficiente para que os já contaminados não influam na curva, podemos verificar o quão relevante é a distinção.

Imaginemos que determinada doença tenha como padrão que um infectado a transmita para 3 pessoas. Por total falta de criatividade, vamos chamá-la de “doença 1”. Agora vamos supor que uma outra doença contagiosa onde a média seja de 4 transmissões para cada infectado. Essa seria a “doença 2”.

Essa diferença é de uns 33% para mais, ou 25% para menos.

Vamos imaginar ainda que essas infecções se deem num ciclo de tempo qualquer. Digamos que seja de 1 semana.

Comecemos a simulação matemática. Na primeira semana, um infectado da “doença 1” teria contaminado 3 pessoas, enquanto da “doença 2” seriam 4. Tudo bem. Uma diferença importante mais nada para mudar o rumo da História.

Como essa simulação se comporta a partir daí? Como seria o cenário na segunda semana? E na décima semana?

Ninguém, nem os matemáticos, conseguem responder a essa questão intuitivamente. Não existe treinamento no mundo que transforme o ser humano em um bom intuitivo para cálculos como esse. Daniel Kahneman demonstrou que nem professores de estatística, que fazem diariamente cálculos de dimensionamento de espaços amostrais relevantes, e ensinam seus alunos como calculá-los, conseguem dar um pitado razoável. Eles só chegam perto do valor correto quando calculam.

Essa constatação de Kahneman é muito interessante. Por um lado, é surpreendente e, por outro, é uma maneira charmosa e científica de afastar o indesejado argumento de autoridade, talvez a mais difundida das falácias.

Aí entra a proposição de Bartlett. Não entendemos a função exponencial de forma intuitiva. Precisamos fazer a conta. Uma infecção uns 30% menor, dentro desse exemplo controlado, resultaria em quase 60 mil infectados para da primeira doença, em 10 semanas.

Um valor enorme. Equivalente a um grande estádio de futebol lotado.

Mas para a “doença 2”, passaríamos de 1 milhão de infectados. O que significa a totalidade de uma grande cidade.

Claro, diversos outros fatores influem no processo de propagação. Não estamos em uma reação de fissão nuclear. Na prática, aqueles que já foram contaminados diminuem a população disponível para novas contaminações. Mas continuando a conta, para efeitos de entender a matemática trabalhando, vemos que a “doença 1” chegaria a incríveis 124 milhões no fim da 17ª semana, enquanto que a “doença 2” já teria contaminando todas as pessoas do mundo no início desta mesma semana.

Quando alguém disser que uma taxa é 30% maior, lembre-se que isso pode fazer toda a diferença. Desde um financiamento imobiliário, até na simulação da propagação de uma doença. Não tem como fazer a conta de cabeça. É nessas horas que a conversa de bar não funciona, tem que pegar o lápis (ou a calculadora).

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