Voz do Associado sex, 02 de julho de 2021
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Por: Cleide Regina Furlani Pompermaier,
Procuradora do Município de Blumenau. Especialista em Direito Tributário pela Universidade Federal de Santa Catarina. Especialista em Mediação Conciliação e Arbitragem pela Faculdade Verbo Educacional, do Rio Grande do Sul, membro fundador do Instituto Brasileiro de Estudos de Direito Administrativo, Financeiro e Tributário - IBDAFT, uma das autoras do projeto e membro da Câmara de transação tributária do município de Blumenau, uma das vencedoras do PRÊMIO INNOVARE do ano de 2020, palestrante em temas jurídicos tributários, autora da obra “O ISS NOS SERVIÇOS NOTARIAS E DE REGISTROS PÚBLICOS” e demais artigos científicos publicados em vários sites e revistas jurídicas especializadas. Foi membro da Comissão de Juristas da Desburocratização do Senado Federal. Foi professora Universitária da Universidade Regional de Blumenau – FURB e da Faculdade Franciscana – FAE na disciplina de Direito Tributário e membro da Comissão de Tributação da OAB, seccional de Santa Catarina

Os Procuradores Municipais são os profissionais que representam os interesses dos 5.570 Municípios brasileiros em juízo ou fora dele. Ao Advogado Público, cabe, portanto, defender a Administração Pública. Na verdade, funciona assim: o Procurador Federal defende a União, o Procurador Estadual defende o Estado e o Procurador Municipal defende o Município.

Essas três categorias, dentro de suas esferas de competência têm as mesmas funções, mas para o Procurador Municipal, as dificuldades diferenças são maiores e vão desde os baixos vencimentos, até a falta de estrutura material para dar guarida aos interesses dos Municípios. Claro que essa realidade, ao menos no que se refere aos vencimentos, é diferenciada nas grandes metrópoles, mas o Brasil não se resume às grandes cidades. Pelo contrário, a maioria dos Municípios brasileiros[1] é de pequeno ou médio porte.

Os artigos 131 e 132 da Constituição Federal, tratam das carreiras jurídicas da advocacia pública da União, dos Estados e do Distrito Federal, dando a essas carreiras status de carreira típica de Estado, mas a Carta Magna simplesmente silencia em relação às Procuradorias Municipais.

O fato é que a carreira do Procurador Municipal acaba ficando no limbo. A um porque, infelizmente e, por motivos meramente políticos, eles não estão inseridos na Constituição Federal, como carreira típica de Estado. E a dois porque a baixa geração de renda dos pequenos Municípios, que são maioria, é sempre levantada como pretexto para não regularizarem a situação dessa categoria.

Como pode a Constituição Federal silenciar diante de 5.570[2] Municípios? Qual é o verdadeiro motivo que não leva o Parlamento brasileiro a NÃO inserir os Procuradores Municipais como carreira típica de Estado?

Em primeiro lugar, é necessário explicar o que vem a ser carreira típica de Estado. Nesse sentido, uma verdade primeira há que ser dita: essas carreiras são diferenciadas das demais. Deve-se entendê-las como privativas do próprio Estado, não podendo ser delegadas em hipótese alguma. Não há uma definição específica, apenas que são as atividades estatais que não podem ser praticadas por alguém que “não pertence” ao Estado.

A Carreira Típica de Estado pressupõe a continuidade no serviço público, e, indiscutivelmente, exige que os seus integrantes tenham se submetido a concurso público e, também, diante do alto grau de responsabilidade que esses servidores têm para com o Estado, o mínimo exigido é que estejam intelectualmente e tecnicamente preparados para assumir tal encargo.

Por outro lado, vale lembrar os Municípios compõe a organização político-administrativa da República Federativa do Brasil. É salutar lembrar, igualmente, que os Entes Federados possuem, segundo a Magna Carta, autonomia política, normativa, administrativa e financeira, sendo regidos por suas respectivas Leis Orgânicas. Tais atributos, e isto é muito importante destacar, foram ampliados na Constituição da República de 1988.

Mas infelizmente a causa municipalista é incompreendida nesse imenso País e muitos gestores ainda vivem na era da cultura da submissão. Na vida, o que você mais houve é a tal da história; “sempre foi feito assim...”. No serviço público municipal essa frase é um mantra e a negativa de pedido de estrutura material vem sempre acompanhada da mesma desculpa: baixa geração de renda, diversidades produtivas, sociais e espaciais, mas nada é feito de novo para tentar modificar essa situação. Não é assim. Por menor que seja o Ente Federado, se bem administrado e preparado para a busca da receita própria, esse Município fará a diferença.

O problema, como já mencionado acima, é que no Brasil ainda está impregnada a cultura do ser sustentado, que na Itália é chamada de “la cultura del mantenimento” e o que os gestores municipais brasileiros mais sabem fazer, lamentavelmente é bater ponto em Brasília para solicitarem recursos e, tanto isso é verdade, que o fazem em conjunto, chamando o pedido coletivo de recursos de “Marcha dos Prefeitos”, o que demonstra a evidente subordinação dos Entes Municipais à União.

Os argumentos respeitantes ao grande número de Municípios, a falta de estrutura material e a baixa geração de renda não podem, obviamente, servirem de causa para que esses Entes Federados não sejam obrigados realizar concurso para a contratação de Advogados Públicos.

Não é possível que um Município, por menor que seja, não tenha condições de pagar o vencimento para um profissional detentor de cargo efetivo, que auxiliará, inclusive, no controle de eventual corrupção, mas tem condições financeiras para contratar e pagar os seus servidores específicos e escolhidos a dedo, privilegiando o provimento do cargo em comissão, que, como se sabe, não são poucos. Não se está aqui a criticar o profissional escolhido porque, na maioria das vezes, trata-se de pessoas muito capazes. A censura aqui é sobre a forma de contratação. Por que escolher livremente se o correto é escolher via concurso público?

A escolha do Advogado Público pela via do cargo em comissão, em detrimento ao concurso público, em nosso entendimento, é ofensa direita ao princípio da moralidade, insculpido no art.37, caput, da Constituição Federal, na medida em que, esse profissional muito provavelmente estará focado na defesa do Governo e não do Município. Até porque esse Advogado não terá a independência necessária para exercer o cargo. Além disso, ainda que indiretamente, a contratação pela via da confiança, afeta o princípio da continuidade do serviço público, posto que é muito mais produtivo ter um profissional que, em regra, permanecerá no serviço público por um tempo considerável, enquanto o contratado em comissão, já entra, em regra, tendo uma data de saída.

Por conta dessa liberdade constitucional, a maioria dos Municípios atualmente faz contratações ao seu bel prazer e admite os advogados da forma que lhe é mais conveniente e com a anuência do Parlamento brasileiro, que ainda não votou a Proposta de Emenda à Constituição nº 17/2012[3], a qual altera a redação do art. 132 da Constituição Federal para estender aos Municípios a obrigatoriedade de organizar carreira de procurador (para fins de representação judicial e assessoria jurídica), com ingresso por concurso público.

Essa omissão do Parlamento é maléfica porque, como já se disse acima, faz com que os contratados, ao menos em regra,  sintam-se na obrigação de defender o Governo que os contratou e não os Municípios e a sua população. A não aprovação da PEC 17 faz um mal enorme às cidades, ainda que de pequeno porte. Os problemas municipais são muitos e a necessidade de um Procurador efetivo é simplesmente imprescindível porque garante um maior controle das administrações municipais.

Outro problema que afeta os Procuradores Municipais é o vencimento desses profissionais. São baixos. Hoje, a média dos proventos deles[4] é bem inferior a remuneração paga aos Procuradores Federais[5] e a dos Procuradores Estaduais[6], fazendo com que procurem novas alternativas em concursos que melhor remuneram ou deixando a vida pública para se dedicarem a iniciativa privada, o que é uma pena, porque os Municípios perdem talentos, que deveriam ser preservados para o bem da proteção das cidades e da própria população.

Lembra-se, no mais, que a missão dos três cargos é exatamente a mesma; ou seja: a defesa do interesse da Administração Pública. O que diferencia as três carreiras é apenas a entidade que a que se subordinam. Aliás, aqui cabe um parêntese. Nos Municípios, o Procurador acaba tendo que trabalhar ainda mais, acumulando funções, por conta da sempre lembrada insuficiente estrutura, não sendo incomum ver um profissional abraçando todas as áreas para dar conta de seu trabalho e, ao mesmo, tempo, tendo que resolver questões administrativas e burocráticas, sem contar com a responsabilidade que o cargo exige, a qual é imensa.

Claro que nos grandes centros isso não ocorre, havendo uma estruturação bem mais consistente da carreira, como já se disse acima, mas são exceções. A realidade da maioria dos Procuradores Municipais é bem outra que, como se disse, tem muitas dificuldades para exercer as suas funções e realizar suas atividades diárias.

Os Procuradores Municipais são dignos de reconhecimento pelo que representam junto aos Municípios. Merecem ter mais espaço e suas prerrogativas garantidas. A autonomia também lhes deve ser preservada. E seus vencimentos devem ser condizentes com o seu trabalho.

REFERÊNCIAS:

Artigos 131 e 132 da Constituição Federal.

Proposta de Emenda à Constituição nº 17/2012.

Procuradora do Município de Blumenau. Especialista em Direito Tributário pela Universidade Federal de Santa Catarina. Especialista em Mediação Conciliação e Arbitragem pela Faculdade Verbo Educacional, do Rio Grande do Sul, membro fundador do Instituto Brasileiro de Estudos de Direito Administrativo, Financeiro e Tributário - IBDAFT, uma das autoras do projeto e membro da Câmara de transação tributária do município de Blumenau, uma das vencedoras do PRÊMIO INNOVARE do ano de 2020,  palestrante em temas jurídicos tributários, autora da obra “O ISS NOS SERVIÇOS NOTARIAS E DE REGISTROS PÚBLICOS” e demais artigos científicos publicados em vários sites e revistas jurídicas especializadas. Foi membro da Comissão de Juristas da Desburocratização do Senado Federal. Foi professora Universitária da Universidade Regional de Blumenau – FURB e da Faculdade Franciscana – FAE na disciplina de Direito Tributário e membro da Comissão de Tributação da OAB, seccional de Santa Catarina.

Disponível no seguinte endereço eletrônico https://www.terra.com.br/noticias/dino/mais-de-90-dos-municipios-com-menos-de-5-mil-habitantes-estao-sob-ameaca-de-serem-extintos,f4e6b789a2f6db4ed7fec776ed5f43bcb2xc4b27.html. Acesso no dia 06 de março de 2021.

Disponível no seguinte endereço eletrônico: < https://www.vagas.com.br/cargo/procurador-municipal>Acesso em 06 de janeiro de 2021.

Disponível no seguinte endereço eletrônico <https://www.glassdoor.com.br/Pagamento-mensal/Advocacia-Geral-da-Uni%C3%A3o-Procurador-Federal-Pagamento-mensal-E2483033_D_KO25,43.htm> Acesso em 06 de janeiro de 2021.

Disponível no seguinte endereço eletrônico <https://editalconcursosbrasil.com.br/blog/o-que-faz-um-procurador-do-estado/>. Acesso em 06 de janeiro de 2021.

[1] Disponível no seguinte endereço eletrônico https://www.terra.com.br/noticias/dino/mais-de-90-dos-municipios-com-menos-de-5-mil-habitantes-estao-sob-ameaca-de-serem-extintos,f4e6b789a2f6db4ed7fec776ed5f43bcb2xc4b27.html. Acesso no dia 06 de março de 2021.

[2] IBGE divulga estimativa da população dos municípios para 2020. Disponível no seguinte endereço eletrônico https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-sala-de-imprensa/2013-agencia-de-noticias/releases/28668-ibge-divulga-estimativa-da-populacao-dos-municipios-para-2020#:~:text=IBGE%20divulga%20estimativa%20da%20popula%C3%A7%C3%A3o%20dos%20munic%C3%ADpios%20para%202020,-Editoria%3A%20Estat%C3%ADsticas%20Sociais&text=O%20IBGE%20divulga%20hoje%20as,1%C2%BA%20de%20julho%20de%202020. Acesso no dia 05 de janeiro de 2021.

[3] Disponível no seguinte endereço eletrônico https://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/105021 Acesso em 06 de março de 2021.

[4] Disponível no seguinte endereço eletrônico: < https://www.vagas.com.br/cargo/procurador-municipal>Acesso em 06 de janeiro de 2021.

[5] Disponível no seguinte endereço eletrônico <https://www.glassdoor.com.br/Pagamento-mensal/Advocacia-Geral-da-Uni%C3%A3o-Procurador-Federal-Pagamento-mensal-E2483033_D_KO25,43.htm> Acesso em 06 de janeiro de 2021.

[6] Disponível no seguinte endereço eletrônico <https://editalconcursosbrasil.com.br/blog/o-que-faz-um-procurador-do-estado/>. Acesso em 06 de janeiro de 2021.

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