Voz do Associado seg, 26 de julho de 2021
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Por: Cleide Regina Furlani Pompermaier,
Procuradora do Município de Blumenau. Especialista em Direito Tributário pela Universidade Federal de Santa Catarina. Especialista em Mediação Conciliação e Arbitragem pela Faculdade Verbo Educacional, do Rio Grande do Sul, membro fundador do Instituto Brasileiro de Estudos de Direito Administrativo, Financeiro e Tributário - IBDAFT, uma das autoras do projeto e membro da Câmara de transação tributária do município de Blumenau, uma das vencedoras do PRÊMIO INNOVARE do ano de 2020, palestrante em temas jurídicos tributários, autora da obra “O ISS NOS SERVIÇOS NOTARIAS E DE REGISTROS PÚBLICOS” e demais artigos científicos publicados em vários sites e revistas jurídicas especializadas. Foi membro da Comissão de Juristas da Desburocratização do Senado Federal. Foi professora Universitária da Universidade Regional de Blumenau – FURB e da Faculdade Franciscana – FAE na disciplina de Direito Tributário e membro da Comissão de Tributação da OAB, seccional de Santa Catarina

 

Antes de adentrarmos na questão propriamente dita a respeito da obrigatoriedade que tem o Prefeito de contratar via concurso público o advogado que atuará na área tributária, faz-se mister discorrer acerca da importância sistema tributário e financeiro dos Municípios, dos tributos e da arrecadação.

Na atualidade, pode-se dizer com certeza que o Município compõe a organização político-administrativa da República Federativa do Brasil, sendo salutar lembrar, igualmente, que possui, segundo a Magna Carta, autonomia política, normativa, administrativa e financeira, sendo regidos por suas respectivas Leis Orgânicas.

Tais atributos, e isto é muito importante destacar, foram ampliados, tão-somente, na Constituição da República de 1988. Muitos Municípios, não obstante a autonomia dada pela Constituição Federal, ainda dependem única e exclusivamente de transferências repassadas pelas esferas superiores. A busca pela arrecadação com tributos próprios é concentrada, tão-somente, nas capitais dos Estados e nas regiões mais desenvolvidas.

Importante aqui, lembrar, por outro lado, que o direito financeiro é o ramo do direito público interno que cuida das finanças públicas, podendo a Fazenda Pública ser definida como o departamento, onde são realizadas as atividades para a busca dos recursos e obrigações financeiras do Estado. As finanças de um Município são organizadas de acordo com o orçamento (planejamento), em que são registradas num documento único as receitas tributárias e não tributárias e as despesas necessárias ao funcionamento da administração pública. A obtenção de receita e a realização dos gastos para o atendimento das necessidades públicas depende, portanto, de ações do Poder Executivo e essas ações demandam um ambiente e pessoal especializado.

Com os recursos obtidos com as ações das atividade financeiras e tributárias, o Município deve suportar muitas despesas como, por exemplo, com a folha de vencimentos dos seus servidores, contratação de serviços de terceiros, saúde e educação, aquisição de produtos que serão empregados na prestação de serviços públicos, com subvenções (auxílio pecuniário geralmente concedido pelos poderes públicos), com recursos na conservação de estradas, portos, segurança dentro de suas competências, infraestrutura, etc.

A arrecadação de tributos representa, sem dúvida, a maior parcela da receita obtida pelos Entes Públicos. A atividade de arrecadação tributária é vinculada e obrigatória. As atividades praticadas no âmbito tributário devem ser realizadas num ambiente tecnicamente preparado, não sendo esta, ressalte-se, uma liberalidade das administrações públicas, mas sim uma obrigação. A competência privativa para executar as ações realizadas pela administração tributária, no que se refere à constituição do crédito tributário, é dos Auditores Tributários e dos Procuradores, os quais têm a missão de incrementar os cofres públicos por meio de ações legais de exigência e cobrança do tributo, visando a melhoria da arrecadação para financiar, como se disse acima, as necessidades do Estado.

O crédito tributário tem início, meio e fim. A sua constituição é privativa da autoridade fiscal, segundo se infere do art. 142 do Código Tributário Nacional. Depois de constituído, o crédito é notificado ao contribuinte, que pode pagar ou apresentar recurso administrativo. Se nada for feito, ou seja, se não houver pagamento e nem impugnação do lançamento, ou se houver recurso administrativo e for desprovido, a dívida será assentada, quando então terá início o processo de cobrança judicial, por meio da execução fiscal, devendo essa cobrança ser feita obrigatoriamente por Advogado Público de carreira, que acompanhará a execucional até o seu final com a satisfação do crédito.

Muito embora resumido, esse é o percurso do crédito tributário. A toda essa tramitação chamamos de atividade de administração tributária, a qual pode ser retratada por um conjunto de ações praticadas pelas autoridades lançadoras (Auditores Tributários)  e pelos Advogados Públicos, que atuam no âmbito tributário e que têm por objetivo precípuo fazer com que o contribuinte cumpra os preceitos da legislação tributária e as consequentes obrigações principal e acessória, com a primordial finalidade de incrementar o erário público e não permitir que esse mesmo erário seja dilapidado. Por fim, caso a dívida não seja adimplida voluntariamente, cabe aos últimos profissionais aqui citados, cobrar os valores devidos, pela via da execução fiscal, encerrando, assim, o trajeto da ação fiscal iniciada pelos primeiros.

A Constituição Federal não deixou passar em branco essa importante atividade, dando a ela um regramento especial. O art. 37, inciso XVIII, determina que a Administração Fazendária terá preferência sobre os demais setores administrativos. Com o advento da Emenda Constitucional nº 42/2003, conforme se pode verificar do art. 37, XXII, do Código Magno inseriu as autoridades lançadoras de tributos das três esferas de governo (Federal, Estadual e Municipal) e os Procuradores que atuam na área tributária, como Carreira típica de Estado e essencial ao seu funcionamento, ordenando, frisando, ademais, que esses servidores prioritários para a realização de suas atividades, o que significa dizer que estes profissionais, como integrantes de Carreira de Estado, deverão ter condições de cumprir o seu papel de constituidores e, cobradores, respectivamente, do crédito tributário, em sua forma plena e com condições materiais para o exercício da tarefa.

É necessário explicar o que vem a ser carreira típica de Estado. Nesse sentido, uma verdade primeira há que ser dita: essas carreiras são diferenciadas das demais. Deve-se entendê-las como privativas do próprio Estado, não podendo ser delegadas em hipótese alguma. Não há uma definição específica, apenas que são as atividades estatais que não podem ser praticadas por alguém que “não pertence” ao Estado.

A Carreira Típica de Estado pressupõe a continuidade no serviço público, e, indiscutivelmente, exige que os seus integrantes tenham se submetido a concurso público e, também, diante do alto grau de responsabilidade que esses servidores têm para com o Estado, o mínimo exigido é que estejam intelectualmente e tecnicamente preparados para assumir tal encargo.

        Por outro lado, é certo dizer também que essa mesma determinação constitucional dispôs que os Entes Federados brasileiros têm autonomia em relação a investimentos na modernização das estruturas fazendárias; em assim sendo, a melhora na qualidade do sistema tributário local não é uma questão de vontade do gestor público, mas sim, de uma obrigação que lhe compete e, tanto isso é verdade, que o art.167, IV, da Constituição Federal, muito embora proíba expressamente a vinculação da receita de impostos a órgão público, fundo ou despesa, excetua, dentre outras hipóteses, especial destinação da receita de impostos às Administrações Tributárias, de forma a torná-las mais eficientes.

A previsão constitucional de vinculação de receita de impostos para as atividades de administração tributária é obrigatória porque não haveria sentido excetuar uma possibilidade de vinculação de receita advinda da arrecadação dessa espécie tributária, somente para abrilhantar o texto constitucional, ou ainda, se não fosse para cumpri-lo no modo como ocorre exatamente com o par saúde e educação. Em resumo, se fosse facultativa, não haveria necessidade de tal regra estar inserida na Constituição Federal. Se lá está é porque a Carta Magna está determinando que tal regra seja devidamente cumprida.

Como se pode ver, o regramento é rígido, tudo para que haja seriedade e continuidade nas ações de arrecadação e, vencida essa etapa, passa-se a discorrer sobre a carreira do Advogado Público Municipal. Esses profissionais representam os interesses dos 5.570 Municípios brasileiros em juízo ou fora dele. A ele cabe, portanto, defender a Administração Pública.

A grande maioria dos Municípios é de pequeno porte e é comum que nesses Entes Federados não haja um advogado público de carreira. A resposta para tal possibilidade está na alegação de que a Constituição Federal não tem uma previsão expressa no que se refere a regulamentação da Advocacia Pública Municipal.  Realmente, os art. 131 e 132 da Constituição Federal, tratam das carreiras jurídicas da advocacia pública da União, dos Estados e do Distrito Federal, dando a essas carreiras status de carreira típica de Estado, mas a Carta Magna simplesmente silencia em relação às Procuradorias Municipais.

Além disso, invocam, igualmente, o art. 75, inciso III, do Código de Processo Civil, o qual dispõe que o Município é representado em juízo ativa e passivamente por seu Prefeito ou Procurador, o que deixaria o Prefeito livre em nomear o profissional nos Municípios onde não há Procuradoria constituída.

Ocorre que especificamente na área tributária, como já vimos no tópico anterior, tais entendimentos não se aplicam. Ou seja: para atuar na área tributária, o provimento do cargo do Advogado Público dos Municípios, independentemente de seu porte e dimensão, deve se dar mediante concurso público (art. 37, II, da Constituição Federal) para garantir a continuidade da atividade de administração tributária, assim como deve ocorrer com o provimento do cargo de Auditor Fiscal Municipal.

É muito comum nas administrações tributárias municipais de pequeno porte não haver uma estruturação tributária e, por isso, em muitos casos, ficam sem exigir e cobrar o tributo devido. É bem normal também não ajuizarem todas as execuções fiscais decorrentes dos créditos inscritos em dívida ativa, ou ajuizarem as execucionais a destempo, ou, ainda, deixarem ser alcançadas pela prescrição intercorrente. Isso se dá, principalmente, por conta da descontinuidade do serviço público. Ou seja, a cada vez que muda o Governo, mudam os profissionais que atuam nas atividades de administração tributária e essas mudanças são maléficas para a sociedade como um todo.

Assim, considerando que esse profissional está inserido como Carreira de Estado, os Municípios têm obrigação de prover o cargo de Advogado Público, por meio de concurso público, a fim de que sejam cumpridos os preceitos constitucionais já mencionados e, principalmente, a continuidade das atividades de administração tributária, o que vem a garantir a necessária e eficaz arrecadação tributária, além de se fazer cumprir o princípio da eficiência e do interesse público na realização de atos que incrementem os cofres públicos.

O crédito não se esgota com a sua constituição, mas sim com a cobrança e o pagamento da dívida.  A presença da figura jurídica nas atividades de Administração Tributária é importante, a fim de que o Advogado Público controle as formalidades legais do lançamento tributário, em observância ao princípio da legalidade e da tipicidade cerrada. A ele cabe, igualmente, contestar e apresentar recursos de ações promovidas pelo contribuinte e, finalmente, executar a dívida ativa, empregando todo o seu conhecimento e vontade para poder garantir a arrecadação e cumprimento do princípio do interesse público.

Ademais disso, em tempos de adoção dos tão comentados métodos de solução adequada de conflitos pelos Municípios, como a transação tributária, por exemplo, é necessário que haja um Advogado Público de carreira com competência para poder realizar o acordo, considerando que a transação deve ser feita com base em critérios rígidos ditados pela lei, necessitando o seu operador de formação técnica para poder analisar as questões jurídicas que permeiam o instituto, as quais são essenciais para a definição do percentual de desconto a ser concedido ao contribuinte contemplado pela medida.

Para que tudo isso ocorra, é necessário que o Gestor Público Municipal haja. E haja rápido. Nos setores de arrecadação, como se viu, não há chances para liberalidades e discricionariedades.  Não há espaço constitucional para a descontinuidade do serviço público.

Como se vê, é imprescindível que sejam adotadas medidas urgentes no sentido de criar ou modernizar um aparato tributário mínimo nos Municípios, com a contratação de Advogado Público pela via do concurso público, a fim de se fazer cumprir os preceitos da Magna Carta (art. 37, inciso XVIII, inciso XXII e art. 167, inciso IV), cumprindo-se, assim, o objetivo maior do sistema tributário, que necessita da contribuição do cidadão para fazer frente às despesas públicas do Estado.

Importante dizer, para finalizar, que o não atendimento aos dizeres constitucionais em relação à estrutura material mínima das Administrações Tributárias Municipais, pode caracterizar renúncia de receita, podendo o gestor público responder por ato de improbidade administrativa, nos termos do art. 10, inciso X, da Lei nº 8429/92, sendo irrelevantes os argumentos de baixa geração de renda como defesa para que esses Entes Federados não sejam obrigados realizar concurso para a contratação de Advogados Públicos.

REFERÊNCIAS

POMPERMAIER, Cleide Regina Furlani. Procuradora do Município de Blumenau. Especialista em Direito Tributário pela Universidade Federal de Santa Catarina. Especialista em Mediação Conciliação e Arbitragem pela Faculdade Verbo Educacional, do Rio Grande do Sul, membro fundador do Instituto Brasileiro de Estudos de Direito Administrativo, Financeiro e Tributário - IBDAFT, uma das autoras do projeto e membro da Câmara de transação tributária do município de Blumenau, uma das vencedoras do PRÊMIO INNOVARE do ano de 2020,  palestrante em temas jurídicos tributários, autora da obra “O ISS NOS SERVIÇOS NOTARIAS E DE REGISTROS PÚBLICOS” e demais artigos científicos publicados em vários sites e revistas jurídicas especializadas. Foi membro da Comissão de Juristas da Desburocratização do Senado Federal. Foi professora Universitária da Universidade Regional de Blumenau – FURB e da Faculdade Franciscana – FAE na disciplina de Direito Tributário e membro da Comissão de Tributação da OAB, seccional de Santa Catarina.

Art. 142 do Código Tributário Nacional

Emenda Constitucional nº 42/2003

Art. 37, XXII, da Constituição Federal

Art.167, IV, da Constituição Federal

Art. 37, inciso XVIII, da Constituição Federal

Arts. 131 e 132 da Constituição Federal

Art. 37, II, da Constituição Federal

Art. 10, inciso X, da Lei nº 8429/92

Art. 75, inciso III, do Código de Processo Civil

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