Voz do Associado seg, 25 de maio de 2020
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Por: Jonas Freire de Lima Neto, procurador do Município de Tianguá/CE

Em tempos de pandemia, não há qualquer outra garantia fundamental que se sobreponha ao direito à saúde. Mesmo as maiores controvérsias jurídicas ficam em segundo plano, diante da ameaça coletiva gerada por um vírus letal.

No Brasil, não se fala de assuntos que outrora geravam debates acalourados no país, como a reforma tributária e administrativa, mesmo porque, diante dos prejuízos incalculáveis gerados pelo surto do coronavírus, não se sabe como estaremos ao final de tudo isso, tamanho o ineditismo dessa situação.

É nesse contexto que se mostra imprescindível o debate sobre a judicialização da saúde, fenômeno que se consolidou a partir do século XXI e que leva ao Poder Judiciário inúmeras demandas em face dos entes federados, para o fornecimento ou
custeio de tratamentos médicos.

A Constituição Federal de 1988 assegura, em seu artigo 196, que “A saúde é direito de todos e dever do Estado”. Embora a redação do dispositivo constitucional seja clara e não deixe margem para interpretações diversas, é sabido que o sistema público de saúde no Brasil não dispõe de estrutura adequada, por razões que levariam a um outro complexo debate. Mas não é o que deve ser discutido neste momento.

Mesmo antes desse “estado de exceção” gerado pela pandemia, a judicialização da saúde já se mostrava um dos caminhos mais “efetivos” para se ter acesso aos serviços públicos de saúde, dadas as diversas decisões prolatadas pelo Poder Judiciário, muitas vezes sem considerar as consequências práticas do provimento, tampouco o custo ou a eficácia do tratamento médico determinado.

Na prática, o que acaba ocorrendo é a existência de “duas filas do SUS”, uma decorrente da lista de espera organizada administrativamente e outra, que se sobrepõe, proveniente de decisões judiciais, gerando, além de inegável ofensa ao princípio da isonomia, uma utilização irracional dos escassos recursos à disposição da saúde.
Contextualizando essa problemática com o período em que vivemos, se mostra clara a incompatibilidade entre os inúmeros provimentos judiciais de demandas da saúde e as medidas de combate à pandemia do novo coronavírus, justamente no momento em que o Poder Executivo necessita de um maior planejamento no emprego dos recursos, de modo a garantir um melhor enfrentamento à crise.

É de se temer, portanto, diante de um Poder Judiciário que tutela genericamente as pretensões na área da saúde, que haja um verdadeiro colapso dentro do SUS, já sobrecarregado em virtude da pandemia. Ou seja, além das elevadas demandas judicias relativas à saúde, que já existiam à época do início da pandemia, o que se vislumbra é o acréscimo de inúmeras ações referentes especificamente ao tratamento do novo coronavírus, notadamente caso o surto e a sobrecarga do serviço público de saúde se dê à semelhança do que ocorre em países como China, Itália e Estados Unidos.

Nesse momento, cabe ao Poder Judiciário, como parte integrante da sociedade e em cooperação com o Poder Executivo, atuar para reduzir os efeitos devastadores dessa pandemia, sobretudo no tocante à judicialização da saúde, evitando que as pretensões sejam acolhidas de maneira genérica e minimizando o prejuízo ao planejamento dos entes públicos.

Faz-se necessário, por conseguinte, que todos os atores sociais caminhem juntos no combate à pandemia do novo coronavírus, uma vez que, sem essa conjugação de esforços, a superação dessa crise se mostrará muito mais difícil e tortuosa.

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