Voz do Associado qui, 01 de agosto de 2024
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Por: Cleide Regina Furlani Pompermaier,

Procuradora do Município de Blumenau, especialista em Direito Tributário pela UFSC, especialista em Mediação Conciliação e Arbitragem pela Faculdade Verbo Educacional-RS, membro titular do grupo de análise jurídica à Implementação da Reforma da Tributação sobre o Consumo, criado pela Portaria do Ministério da Fazenda nº 34/2024, membro-fundador e conselheira superior de orientação do Instituto Brasileiro de Estudos de Direito Administrativo, Financeiro e Tributário (Ibdaft).

Miqueas Libório de Jesus,

Auditor-fiscal da Receita Municipal e professor da Associação Catarinense de Ensino – ACE. Publicado pelo Conjur no dia 28/07/2024.

 

A reforma tributária, promovida pela Emenda Constitucional nº 132/2023, traçou as linhas gerais para uma nova sistemática de tributação para o país. Importante dizer que não se trata de mera aglutinação de tributos, mas de uma verdadeira reformulação do pacto federativo fiscal, iniciada com a introdução do Imposto sobre Valor Agregado — IVA dual — e ligando umbilicalmente a União, os estados o Distrito Federal e os municípios, na medida que a Contribuição sobre Bens e Serviços — CBS — e o Imposto sobre Bens e Serviços — IBS — são estruturalmente idênticos, em seus elementos essenciais.

O constituinte reformador, buscando afastar a impraticabilidade do sistema tributário vigente, primou pela simplificação, pela clareza das regras, pela harmonização de conceitos e, acima de tudo, impôs às administrações tributárias, dos três níveis federativos, o dever de atuação integrada, inclusive, com o compartilhamento de informações e tudo que estabeleça, a boa prática fiscal no País.

A mudança da tributação na origem para o destino e a criação da competência compartilhada no âmbito do IBS, tornaram os estados e os municípios sócios vitalícios deste novo imposto, cuja operacionalização imporá às administrações tributárias municipais, a necessidade de estruturação à nova era da tributação brasileira.

Caberá aos municípios estar preparados para receber a reforma tributária, a partir do momento em que sua regulamentação for aprovada e sancionada. Embora, exista a falsa sensação de que o Imposto Sobre Serviços — ISS — será extinto em 2033, gerando a ilusão de que haverá muito tempo para a adequação, oportuno esclarecer, aos prefeitos e aos secretários de Fazenda dos municípios, que a reforma se inicia no ano de 2025, com a imposição de adequação dos sistemas de documentos fiscais, para a integração nacional.

Seguindo a cronologia constitucional, 2026 será de teste do novo modelo tributário. Contudo, 2027 será o ano em que a reforma tributária será efetivamente colocada em prática, iniciando com a CBS e com o IBS, de forma experimental até 2028, sendo que, entre 2029 e 2032, ocorrerá a fase de implantação do IBS, com a extinção gradual do Imposto Sobre Serviços — ISS — e do Imposto Sobre Circulação de Mercadorias e de Serviços — ICMS.

É neste contexto que as demandas surgirão, e os municípios que não estiverem preparados, material e tecnicamente sofrerão prejuízos, sem dúvida alguma.

Ademais, cumpre ressaltar que o grau de eficiência de um sistema fiscal não deve ser avaliado pela idoneidade da norma, mas pelo seu grau de eficiência, das dinâmicas econômicas e, principalmente, pela capacidade operacional de organizar o funcionamento dessas normas.

Neste sentido, o PL 68/2024, que visa a instituir o IBS, a CBS e o Imposto Seletivo — IS —, dispõe sobre normas comuns, aplicáveis aos três níveis de governos. Logo, as autoridades fiscais dos municípios enfrentarão as mesmas complexidades das autoridades federais e estaduais, inclusive, partilharão com elas, o mesmo grau de responsabilidades. Diante disso, torna-se dever moral e legal dos prefeitos estar atentos à nova era, posto que ela emergiu do clamor social e na crença de um modelo tributário racional e lógico.

Por outro lado, o PL 108/2024, que visa a instituir o Comitê Gestor do Imposto sobre Bens e Serviços — CG-IBS —, dispõe sobre o processo administrativo tributário, relativo ao lançamento de ofício do IBS, bem como sobre a distribuição para os entes federativos do produto da arrecadação do imposto.

Novo sistema tributário

Portanto, as novas regras de fiscalização, arrecadação e cobrança imporão ao cidadão brasileiro uma nova visão acerca do sistema tributário, que deverá ser visto, sob o novo prisma fiscal do País. Assim, descabe fazer comparações entre os novos tributos, com os que serão extintos, como o ICMS e o ISS. O cenário destes impostos não existirá mais a partir de 2033. Todavia, essa nova cultura tributária deverá ser assimilada pelos gestores estaduais e municipais, imediatamente.

Fala-se em nova cultura, pois a reforma tributária fixou robustos pilares, importantes e diferenciadores do novo sistema tributário.  Ela deu ênfase, por exemplo, à tributação “por fora”, em observância ao princípio da transparência e da publicidade.

Outro ponto que deve ser salientado tange à base de incidência ampla, com a uniformização nacional de conceitos e regras, em homenagem ao princípio da segurança jurídica. Soma-se a isso a não cumulatividade plena, com a concessão de crédito financeiro, razão pela qual o IVA dual é orientado pelo princípio da neutralidade, que diz respeito ao fato de o tributo não poder provocar desiquilíbrios da concorrência no ambiente negocial.

Ademais, a reforma também reforça o princípio do destino. Segundo essa diretriz, pouco importa onde está o estabelecimento ou para quem que a empresa vende ou fornece serviços. O que importa é onde (local) que será entregue o produto vendido ou realizado o serviço.

Com esta premissa, os municípios passarão a receber mais receita, eis que na sistemática do ISS, por exemplo, o que prevalece em relação à prestação do serviço, em sua maioria, é o local do estabelecimento prestador ou, na falta, o local do domicílio do prestador, regra esta que concentra a arrecadação do imposto, em detrimento do local do consumo.

Muito embora se fale no presente estudo e muito apressadamente da CBS, que é um tributo de competência da União e que possui as mesmas bases de incidência do IBS, o foco do assunto, aqui descrito, é o IBS, que é um imposto compartilhado entre estados e municípios, sendo um imposto coletivo e não individual e, desta feita, necessita da colaboração de todos os personagens envolvidos, nessa nova formulação do sistema tributário nacional.

Este mundo do IBS é novo. É um mundo, em que se trabalhará com o federalismo de cooperação, como ensina Heleno Torres, no sentido de que as atividades fiscais sejam desenvolvidas por uma única esfera de poder, por meio da criação de instrumentos colaborativos intergovernamentais.

Os municípios, além de receberem o que é seu, precisarão atuar no sentido de impedir a evasão fiscal. Por isso, os municípios serão obrigados a se adaptar. Receberão mais, porém, deverão estar adaptados à nova realidade. Será uma corrente e os elos deverão se interligar.

Diante disso, a receita municipal não estará mais e apenas nos serviços. Ela estará presente em todas as operações onerosas (base ampla de incidência). Eles serão, juntamente e em pé de igualdade com os Estados, os protagonistas dessa reforma, independentemente de sua população, desde que estejam preparados para receber essas modificações.

 

Comitê Gestor

A arrecadação será efetivada por meio do Comitê Gestor, que é uma instituição centralizadora do IBS e que coordenará as administrações tributárias. Ele terá sede em Brasília e estará presente em todo o território nacional por meio das bases municipais e estaduais. Esta entidade é que fará a arrecadação e a distribuição do IBS devido a estados e municípios.

Ademais, os municípios, em relação ao IBS e com o advento da reforma tributária, serão um braço do Comitê Gestor, assim como as delegacias da Receita Federal o será para a arrecadação da CBS.

Neste cenário, os municípios deverão criar, estruturar e organizar um setor dentro de suas prefeituras, que poderão ser nominadas de “Unidades Do IBS”. Elas deverão ter em seu quadro ao menos um auditor tributário e um procurador, admitidos pela via do concurso público, e que tenham os requisitos para a investidura do cargo.

Eis que do contrário, não terão condições de acompanhar as entregas do produto da arrecadação do erário, tendo em vista que o compartilhamento das informações e acesso ao sistema somente poderá ser realizado por quem faz parte das carreiras típicas de Estado, tudo para preservar o sigilo fiscal e o princípio da continuidade do serviço público.

Nas referidas unidades, serão realizadas as atividades relacionadas à fiscalização e a cobrança do IBS, lembrando que todas as ações devem estar em convergência com o Comitê Gestor do IBS e com a Receita Federal, com vista ao compartilhamento de informações, buscas ativas de elementos para a constituição do crédito tributário e detecção de fraudes, utilização de cadastro único, constituição do crédito do IBS propriamente dito, cobrança administrativa e judicial do IBS, bem como a utilização dos métodos de soluções adequadas de conflitos, no âmbito do novo tributo.

Provavelmente, gestores dirão que não é possível e que não têm condições de trabalhar nessa estrutura, em virtude da dependência de investimentos. Entretanto, tal argumento não pode prevalecer, posto que a Constituição, em seu artigo 167, Inciso IV, prevê a vinculação de receita de imposto, para as atividades de administração tributária. Acrescenta-se a isto, as disposições dos incisos XVIII e XXII do artigo 37, os quais exaltam a precedência da administração fazendária (tributária), sobre os demais setores administrativos e assim a classifica como essencial ao funcionamento do Estado, visto que, sem recursos, não há como realizar as políticas públicas ou garantir direito algum.

Ademais, se o município pode manter uma estrutura para, no mínimo, nove vereadores, pode também contratar pela via do concurso público, um auditor tributário e um procurador para garantir a necessária receita advinda com o novo imposto.

Além disso, o próprio Comitê Gestor será financiado por percentual do produto da arrecadação do IBS, destinado a cada ente federativo. Logo, não é impossível os municípios disporem de parte de suas receitas de impostos para a estruturação de suas unidades do IBS, afinal, os recursos obtidos com o imposto pertencem aos estados e aos municípios.

É isso que deve ser feito, pois o tempo é de mudança e o jogo já começou. É preciso realçar que a EC nº 132/2023 elevou os municípios a patamares superiores da federação brasileira, ceifando de uma vez por todas as dúvidas sobre sua competência e aptidão, no contexto do federalismo brasileiro.

Ressalta-se, por fim, que a efetividade da reforma tributária somente será concretizada se os municípios assumirem o seu protagonismo e o seu lugar de direito, pois a vida acontece no município e é onde o contribuinte está e realiza todos os atos e negócios. O futuro só depende de cada um de nós, especialmente daqueles que exercem o mando de prefeitos.

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