Voz do Associado qui, 04 de junho de 2020
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Por: Rubem Alcântara Jr., procurador do município de Osasco/SP

Turning and turning in the widening gyre
The falcon cannot hear the falconer;
Things fall apart; the centre cannot hold;
Mere anarchy is loosed upon the world,
The blood-dimmed tide is loosed, and everywhere
The ceremony of innocence is drowned;
The best lack all conviction, while the worst
Are full of passionate intensity.

William Butler Yeats,

The Second Coming 

Eu desconfio de qualquer pessoa que vocifera haver, nessa pandemia, duas alas em discussão, descritas adiante. Parênteses se apropositam aqui:

 Porque um dos pilares do conservadorismo é o ceticismo sadio e moderado, eu busco adotar e implementar na minha vida a máxima, ora parafraseada, de Riobaldo – o Filósofo do Sertão: “eu quase que nada não sei. Mas desconfio de muita coisa...” (personagem esse criado por Guimarães Rosa no seu monumental Grande Sertão: Veredas).

Realmente, para alguns, haveria os assim chamados alarmistas e os que levariam o epíteto de negacionistas; sendo certo que ambos estariam “politizando o debate”. O que seria peremptoriamente vedado, porquanto tal politização seria algo, por assim dizer, não-científico

Quando certo sujeito diz isso, ele almeja dar ao seu discurso uma impressão de cientificidade, de realismo superior e de maturidade intelectual.  É o famoso jogo do sujeito que quer se fazer de “adultinho”, como diria o professor e filósofo brasileiro, Olavo de Carvalho.

Eu tenho um monte de amigos assim, aos borbotões (e de todos os inimagináveis espectros políticos, sociais und so weiter). Admiro-os imensamente e sempre o farei (até prova em contrário...). Afinal, “uma coisa é uma coisa; outra coisa é outra coisa”. 

 Alguns deles, no fulgor de algum “debate” chegam até mesmo a se valer de argumentos de autoridade: sou Mestre nisso, sou Doutor naquilo, sou isso e aquilo etc. Contudo, quando eu pergunto o que eles entendem por ciência mesma ou sobre as condições essenciais do conhecimento científico ou acerca das condições existenciais para a ideias de ciência pura, provém – invariavelmente – um silêncio eloquente e ensurdecedor.

Diante desse cenário, reitero a pergunta lançada por um certo sábio – e escusado seria repeti-lo –: poderia existir uma epidemia (ou pandemia) que fosse um fenômeno puramente médico (químico-biológico) sem nenhuma interferência de fatores sócio-políticos?  É óbvio que não, senhoras e senhores. 

Ora, o fator político está presente nessa pandemia que estamos a vivenciar desde o seu começo, assim como o esteve noutras epidemias. 

Advirto, firme em intelectuais de verdade: os aspectos supramencionados são distintos, mas não separáveis. Isso porque, levar a efeito determinada distinção não significa concluir que os lados da distinção sejam – por isso mesmo – separáveis/cindíveis. 

Voltando à pandemia, quer isso tudo demonstrar que os aspectos abstrativistas ou cientificistas estão intrinsicamente ligados a aspectos socioeconômicos e sócio-políticos (mormente porque há um jogo de poder envolvido). E uma coisa, nesse caso particular, interfere na outra. 

Essa interconexão ou acoplamento estrutural (“strukturelle Kopplung”, tomo aqui por empréstimo a famosa expressão de Niklas Luhmann) é um dado da realidade que remonta a tempos imemoriais. 

Novamente chamo à atenção para o seguinte: muitos defendem e propalam o puramente científico sem ter a menor ideia do que de fato é Ciência.  Não custa referir que a relação existente entre os vários aspectos da realidade é um dos problemas mais difíceis e mais interessantes da ontologia. Veja-se, a propósito, essa questão em Edmund Husserl, segundo quem, muito embora haja a ontologia geral, há dentro dela as ontologias regionais que se relacionam de maneira muito diversificada.  

No Brasil, a única pessoa que eu conheço que se debruçou seriamente sobre o tema foi o Professor Olavo. Por isso mesmo, recomendo fortemente – sobretudo a quem queira se aprofundar no tema – seu recente livro Edmund Husserl contra o psicologismo (Vide Editorial, 2020). Obra essa que é fruto de um Curso ministrado entre 1992 e 1993, na cidade do Rio de Janeiro, intitulado “Edmund Husserl e suas Investigações lógicas”.  

Desde logo, rogo escusas àqueles autores que também perscrutaram a matéria e eu – por incompetência minha – ignoro.

Lado outro, a apontada e instigante problemática  não pretende sufragar/endossar a tresloucada ideia dum eventual “holismo universal”. Com efeito, há maneiras, intensidades e medidas de (inter)relacionamento entre as coisas. 

Logo, nem tudo está vinculado, de modo inextricável e do mesmo jeito. 

Assim é que, examinada a vexata quaestio sob essa perspectiva, verifica-se que uma profusão de pessoas está defendendo um purismo utópico que é, renovadas as vênias, intelectualmente infantil. E o puctum saliens disso é que tal purismo afigura-se como a semente que faz germinar (e vicejar) o raciocínio falacioso segundo o qual “isso aqui é puramente científico; ao passo que ali já é puramente ideológico”.  

Grande estultice... Com todo respeito àqueles que pensam de modo diverso. 

É preciso portanto termos cuidado com certos símbolos que estão na linguagem vulgar (os quais denotam a aparência de idoneidade, de seriedade, equilíbrio, racionalidade e ares de superioridade intelectual).  

De minha parte, sigo com um olhar cético em relação a todos aqueles que apenas lançam pedras e irrogam catilinárias ao Governo Federal, sem sugestionar alguma medida, sem dar algum alvitre pragmático e exequível.  Quedam-se inerte no absenteísmo fático, físico e jurídico, esperando o desfecho do drama para então bradarem: “eu não falei?!”; “isso já era previsto, os estudos já apontam a curva etc. etc.”.  

O que eu vejo por aí, no meu paroxismo do uso de redes sociais, são os “comentaristas de memes” e “construtores de obra pronta”. Coincidentemente, essas mesmas pessoas falam em cientificismo, ciência, ideologias e na completa cisão entre esses aspectos.

Não bastasse, chega a ser truísmo um registro meu acerca do total desapreço que nutro pelo lado obscurantista da denominada Grande-Imprensa (não dela como um todo; não gosto nem do rótulo de iconoclasta e muito menos de generalista).

Sou contra a parcela dos veiculadores da desesperança, do medo e da desgraça. Para mim, é uma parte podre composta por apenas e tão somente mensageiros das ínferas regiões, que usam dos mais vis estratagemas erísticos, das linguagens marcadas, degenerando as funções da linguagem (coitado do Roman Jakobson...) para amedrontar e viciar os destinatários da “mensagem”. É a guerra pela audiência, é o arrivismo nu e cru. 

Medo e vício (ou vice-versa). Sim, isso me faz recordar determinado método... 

E para finalizar essas considerações, tenho para mim que a única intenção das minhas postagens na redes sociais, de maneira muito humilde e modesta, é mostrar que há notícias de luz e de esperança em outros meios de comunicação, ditos alternativos. É tempo de deixarmos  certas “escamas caírem dos nossos olhos”. 

Forte (saudável e protocolar) abraço a todos. Cuidem-se e cuidem dos seus. Que Deus continue a nos abençoar. 

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