Por: Martonio Mont'Alverne Barreto, Procurador de Fortaleza e Professor Titular da UNIFOR, e
Lenio Luiz Streck, Professor titular da UNISINOS-RS e UNESA-RJ. Publicado pelo jornal O Globo no dia 9 de abril de 2024.
Em julho de 2020, Elon Musk escreveu em sua conta, ainda no Twitter, que "nós daremos golpe em quem quisermos. Lide com isso". O comentário era sobre as eleições na Bolívia e suas reservas de lítio. Apagou o que escreveu, mas hoje voltou à carga contra a democracia na rede social X, antigo Twitter, de que agora é o dono. No mesmo dia, Musk acusou o ministro do STF Alexandre de Moraes de censura à liberdade de manifestação de pensamento, ameaçou fechar sua rede X no Brasil e pediu a destituição ou impeachment do ministro: "princípios importam mais que lucro", disse o empresário.
Como a ironia da história tudo revolve, não se conhece nenhuma palavra de Musk sobre o Projeto de Lei aprovado pela Câmara dos Deputados americana impondo condições à rede chinesa TikTok: sua venda em seis meses ou banimento dos EUA. Biden já sinalizou que, se aprovada no senado, a lei terá sua sanção. Aqui, a defesa da democracia e segurança americanas permanecem inatacáveis.
Regular as redes sociais e plataformas significa observar as advertências da história. Se para Norberto Bobbio, um filósofo liberal, a democracia é um sistema de limites econômicos políticos e sociais, é óbvio que tais limites alcançam a liberdade de manifestação de pensamento. Foi exatamente a ausência destes limites que convenceu populações inteiras de que mulheres eram inferiores; que negros podiam ser escravizados e que judeus poderiam ser exterminados. A disseminação de falas de ódio e de informações falsas é sempre desingênua: constitui-se numa perniciosa arma da política, com o fim de destruição do pluralismo da democracia. Por isso, deve ser enfrentada antes que se destrua o ambiente pluralista.
Até aqui, o Supremo Tribunal Federal apenas aplicou o que prevê a Constituição, que não poderia ser mais precisa: dos art. 170 a 174 resta claro que não haverá atividade econômica sem regulação. Já no art. 170 se encontra a submissão da ordem econômica e social à soberania nacional, o que outra coisa não é senão a soberania econômica, como escreve Gilberto Bercovici. Em fevereiro de 2023, a 1ª Conferência Global sobre integridade da informação, organizada pela Unesco, deixou evidente o que já temos: há a necessidade de regulação das redes sociais. O Brasil não é uma terra sem lei.
As decisões do ministro Alexandre de Moraes e do Supremo Tribunal Federal em nada colidem com estes pressupostos. De um lado, a observação de que a democracia deve desenvolver mecanismos de sua defesa, antes que seja destruida. Na Alemanha isso é bem candente. A decisão recente do Tribunal Constitucional de lá de vedar o financiamento público a partido que atenta contra a democracia foi recebida como deveria ser: a simples observação da ordem constitucional. Simples assim. Os limites impostos pelo STF aos golpistas de 8 de janeiro, com o devido processo legal, e aos que se preparam para as eleições deste ano com disseminação de noticias falsas também.
Por outro lado, a imposição de limites à rede X corresponde ao conteúdo de nossa soberania. Tão perigoso à democracia seria, em qualquer canto democrático do mundo, um poder econômico privado que se visse em condições de escapar da regulação do Estado.
Nesta hipótese, seria ressuscitada e atualizada a constatação que Hegel fez ainda em 1804:
"a Alemanha não é mais um Estado" (Deutschland ist kein Staat mehr), ante a incapacidade do Estado de agir para manter o que lhe é inerente, a estatalidade democrática.
Por aqui, o Brasil ainda é um Estado.
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