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Por: Danielle Alheiros Diniz,
Procuradora do Município de Olinda/PE, pós-graduada em Direito Privado (Civil e Empresarial) e pós-graduanda em Advocacia Pública. Publicado pelo Conjur no dia 2 de março de 2022.

Os índices a serem utilizados nos cálculos de juros de mora e correção monetária nas condenações da Fazenda Pública sempre foi tema controvertido na doutrina e na jurisprudência. Com o julgamento do Tema 810 do STF (RE 870.947/SE) e do Tema 905 do STJ (REsp 1.495.146/MG, REsp 1.492.221/PR e REsp. 1.495.144/RS) foi firmando o seguinte entendimento:

1) As condenações judiciais de natureza administrativa em geral sujeitam-se aos seguintes encargos:

(a) até dezembro/2002: juros de mora de 0,5% ao mês; correção monetária de acordo com os índices previstos no Manual de Cálculos da Justiça Federal, com destaque para a incidência do IPCA-E a partir de janeiro/2001;

(b) no período posterior à vigência do CC/2002 e anterior à vigência da Lei 11.960/2009: juros de mora correspondentes à taxa Selic, vedada a cumulação com qualquer outro índice;

(c) período posterior à vigência da Lei 11.960/2009: juros de mora segundo o índice de remuneração da caderneta de poupança; correção monetária com base no IPCA-E.

2) As condenações judiciais referentes a servidores e empregados públicos, sujeitam-se aos seguintes encargos:

(a) até julho/2001: juros de mora: 1% ao mês (capitalização simples); correção monetária: índices previstos no Manual de Cálculos da Justiça Federal, com destaque para a incidência do IPCA-E a partir de janeiro/2001;

(b) agosto/2001 a junho/2009: juros de mora: 0,5% ao mês; correção monetária: IPCA-E;

(c) a partir de julho/2009: juros de mora: remuneração oficial da caderneta de poupança; correção monetária: IPCA-E.

3) As condenações judiciais referentes a desapropriações diretas e indiretas seguem regras específicas, no que concerne aos juros moratórios e compensatórios, razão pela qual não se justifica a incidência do art. 1º-F da Lei 9.494/97 (com redação dada pela Lei 11.960/2009), nem para compensação da mora nem para remuneração do capital.

4) As condenações impostas à Fazenda Pública de natureza previdenciária sujeitam-se aos seguintes encargos:

(a) para fins de correção monetária, à incidência do IGP-DIP até março/2006;

(b) no que se refere ao período posterior à vigência da Lei 11.430/2006, que incluiu o art. 41-A na Lei 8.213/91, aplica-se o INPC.

(c) quanto aos juros de mora, incide a remuneração oficial da caderneta de poupança (art. 1º-F da Lei 9.494/97, com redação dada pela Lei n. 11.960/2009).

5) As condenações judiciais de natureza tributária: a correção monetária e a taxa de juros de mora incidentes na repetição de indébitos tributários devem corresponder às utilizadas na cobrança de tributo pago em atraso. Não havendo disposição legal específica, os juros de mora são calculados à taxa de 1% ao mês (art. 161, § 1º, do CTN). Observada a regra isonômica e havendo previsão na legislação da entidade tributante, é legítima a utilização da taxa Selic, sendo vedada sua cumulação com quaisquer outros índices.

Ocorre que a EC nº 113/2021, publicada em 09/12/2021, alterou “a Constituição Federal e o Ato das Disposições Constitucionais Transitórias para estabelecer o novo regime de pagamentos de precatórios, modifica normas relativas ao Novo Regime Fiscal e autoriza o parcelamento de débitos previdenciários dos Municípios”.

Dispõe o art. 3º da EC nº 113/2021:

“Art. 3º Nas discussões e nas condenações que envolvam a Fazenda Pública, independentemente de sua natureza e para fins de atualização monetária, de remuneração do capital e de compensação da mora, inclusive do precatório, haverá a incidência, uma única vez, até o efetivo pagamento, do índice da taxa referencial do Sistema Especial de Liquidação e de Custódia (Selic), acumulado mensalmente.” (Grifo nosso).

Assim, a EC nº 113/2021 determinou que a taxa referencial do Sistema Especial de Liquidação e de Custódia (SELIC) é o índice a ser utilizado para cálculo dos juros de mora e correção monetária nas discussões e nas condenações, inclusive nos precatórios, que envolvam a Fazenda Pública.

Note-se que, ao falar “nas discussões”, isso quer dizer que a SELIC se aplica a todos os processos em curso. Nesse sentido, vejamos a sentença proferida em 10/02/2022, nos autos do processo nº 0501904-77.2021.4.05.8312, pelo Juízo da 34ª Federal da Seção Federal de Pernambuco em ação previdenciária:

“Pelo exposto, JULGO PROCEDENTE O PEDIDO, para determinar que o INSS conceda a aposentadoria por idade urbana, com DIB na DER e DIP no primeiro dia do mês de validação da sentença, adotando-se a forma de calcular anterior à vigência da EC nº 103/2019 condenando, ainda, o réu a pagar as parcelas vencidas a partir da DER.

Juros e correção monetária pela SELIC, nos termos do art. 3º da EC 113/2021.

Havendo recurso inominado regularmente interposto, após certificação, vista à parte contrária para contrarazões, no prazo legal. Em seguida, à Turma Recursal (Enunciado 34/Fonajef).

Como o recurso inominado não possui efeito suspensivo [art. 43 da Lei 9.099/95], intime-se o INSS para cumprir a obrigação de fazer e informar a RMI do benefício, no prazo de 10 dias, sob pena de aplicação de multa diária. Informada a RMI, remetam-se os autos à contadora judicial para cálculo dos atrasados e, após o trânsito em julgado, expeça-se RPV ou precatório.

Defiro os benefícios da Justiça Gratuita, caso requerido.

Sem custas e honorários advocatícios, em face do disposto no art. 55, da Lei nº 9.099/95.

Intimem-se, conforme as disposições da Lei nº 10.259/2001.

Cabo de Santo Agostinho, data da movimentação.”

Ademais, dispõe o referido artigo que a SELIC também se aplica às condenações, ou seja, incide, inclusive, nas condenações transitadas em julgado.

Outrossim, aplica-se aos precatórios já expedidos “até o efetivo pagamento”. Nesse passo, dispõe o artigo 5º da EC nº 113/2021: “Art. 5º As alterações relativas ao regime de pagamento dos precatórios aplicam-se a todos os requisitórios já expedidos, inclusive no orçamento fiscal e da seguridade social do exercício de 2022”.

Desse modo, até nos precatórios já expedidos, deverá ser realizado novo cálculo a fim de que a SELIC seja o índice utilizado para os juros de mora e para a correção monetária.

Impende destacar que, consoante o artigo 3º da EC nº 113/2021, não importa a natureza da ação, ou seja, aplica-se a SELIC às demandas que envolvam a Fazenda Pública, sejam elas cíveis, tributárias, previdenciárias, etc.

Nesse ponto, vale ressaltar que a referida EC nº 113/2021 simplifica a questão, uma vez que antes, a depender da natureza da ação e do tipo de condenação, seriam aplicados índices diferentes para cálculo dos juros de mora e da correção monetária.

A referida EC nº 113/2021, conforme o seu artigo 7º, entrou em vigor desde a data da sua publicação, qual seja, 09/12/2021. Assim, desde 09/12/2021, a SELIC é o índice a ser utilizado para o cálculo de juros e correção monetária em qualquer ação que envolva a Fazenda Pública, esteja o processo em curso, com sentença, com trânsito em julgado ou com precatório expedido.

A EC nº 113/2021 só não se aplica aos valores já recebidos/pagos até 08/12/2021, ou seja, não pode quem recebeu da Fazenda Pública pedir a revisão dos cálculos e nem a Fazenda Pública questionar o valor pago.

Por outro lado, os processos em curso, com condenação transitada em julgado e  com precatórios expedidos, mas pendentes de pagamento, devem ser calculados com base na SELIC para juros e correção monetária para todo o período que envolva o caso concreto. Ex: se um servidor ajuizou uma ação contra a Fazenda Pública em 2012 e foi julgado em 2020, constando na sentença a aplicação dos índices previstos nos Temas 810 do STF e 905 do STJ, eles serão desconsiderados e será aplicada a SELIC. Como se trata de processo envolvendo servidor, a SELIC incidirá uma única vez a partir da data em que as parcelas inadimplidas deveriam ter sido pagas.

Frise-se que o artigo 3º da EC nº 113/2021 trata da Fazenda Pública de forma genérica, ou seja, abrange todos os entes federativos: a União, os Estados, o Distrito Federal e os  Municípios.

Vale registrar que já existem duas Ações Direitas de Inconstitucionalidade (ADI 7047 e 7064) ajuizadas no Supremo Tribunal Federal – STF em face da EC nº 113/2021, questionando a constitucionalidade das alterações ao texto constitucional. Em relação à SELIC, defendem vários pontos, dentre os quais, que é instrumento inidôneo para perdas inflacionárias.

Na ADI 7047, há pedido liminar de urgência para suspender a eficácia da Emenda Constitucional nº 113/2021 até o julgamento final do mérito da ADI. Todavia, o pedido, até a presente data (02/2022), ainda não foi analisado.

Por todo o exposto, o fato é que, enquanto não for apreciado o pedido liminar realizado na ADI 7047, a EC nº 113/2021 continuará em vigor e deverá ser aplicada, ou seja, a SELIC é o índice a ser utilizado para cálculo dos juros e correção monetária para todas as ações em curso, condenações e precatórios (independente da natureza) que envolvam a Fazenda Pública (União, Estados, Distrito Federal e Municípios).

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