Voz do Associado qui, 10 de dezembro de 2020
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Por: Edcarlos Alves Lima, Advogado-Chefe do Departamento de Consultoria Jurídica em Licitações, Contratos e Ajustes Congêneres, da Advocacia Geral do Município de Cotia (AGM). Especialista em Direito Tributário pela Universidade Presbiteriana Mackenzie e em Gestão Pública pela Universidade Tecnológica Federal do Paraná. Autor de artigos jurídicos na área de licitações e contratos e palestrante.

: este artigo tem por finalidade discutir, sobretudo a partir de conceitos jurídicos pré-existentes e de pontos importantes a serem refletidos, a impossibilidade de serem as obras de engenharia contratadas diretamente com fundamento na dispensa de licitação introduzida pelo art. 4º, da Lei nº 13.979/2020, alterada pela MP 926/2020, a qual tem por objetivo expressamente declarado o enfrentamento da emergência em saúde pública de importância internacional decorrente da pandemia de coronavírus (Covid-19). Serão analisados, ainda, os objetos passíveis de contratação direta, com base na hipótese de dispensa de licitação antes referidas, de acordo com a posição expressada pelo legislador na norma em apreço. Outrossim, com a finalidade de auxiliar o gestor público na tomada de decisões, sempre com vistas ao atendimento do interesse público, serão abordados, de forma sucinta, os possíveis instrumentos passíveis de serem utilizados para a contratação de obras de engenharia no atual contexto da pandemia de Covid-19.

Palavras-chave: licitação e contrato; dispensa de licitação; contratação de obras de engenharia

ABSTRACT: this article aims to discuss, mainly from pre-existing legal concepts and important points to be considered, the impossibility of engineering works being contracted directly based on the waiver of bidding process, introduced by the article 4 of Law No. 13,979/2020, as amended by MP 926/2020, which has the expressly stated objective of facing the public health emergency of international importance due to the COVID-19 pandemic. The objects subject to no-bid acquisition, based on the hypothesis of bidding waiver mentioned above, also will be analyzed according to the position expressed by the legislator in the rule in question. Furthermore, in order to assist the public manager in the making decisions process, always aiming to serve the public interest, the possible instruments that could be used for contracting engineering works in the current context of the COVID-19 pandemic will be briefly addressed.

Keywords: bidding and contract; waiver of bidding process; engineering works contracting

 

SUMÁRIO: INTRODUÇÃO. 1. DA DIFERENÇAS CONCEITUAS ENTRE OBRA E SERVIÇO DE ENGENHARIA. 2. A LEI Nº 13.979/2020 E OS OBJETOS PASSÍVEIS DE DISPENSA DE LICITAÇÃO. 3. IMPOSSIBILIDADE DE CONTRATAÇÃO DE OBRAS POR DISPENSA DE LICITAÇÃO COM FUNDAMENTO NA LEI Nº 13.979/2020: PONTOS A SEREM CONSIDERADOS. 4. CONTRATAÇÃO DE OBRAS DE ENGENHARIA: POSSIBILIDADES E INSTRUMENTOS. 5. CONCLUSÃO. REFERÊNCIAS.

INTRODUÇÃO

A Lei nº 13.979/2020 que, dentre diversas ações, introduziu, no cenário das contratações públicas, a hipótese de dispensa de licitação para as aquisições de bens e insumos e contratação de serviços, inclusive os de engenharia, destinados especificamente ao enfrentamento da emergência em saúde pública decorrente da pandemia de Covid-19, possui pouco mais de 3 meses de vigência e, afora já ter recebido alterações por meio de Medidas Provisórias, vem gerando bons debates em torno de suas disposições.

Um dos debates que nos chamou atenção se refere à defesa da possibilidade, por meio de interpretação ampliativa e sistemática, de aplicação da dispensa de licitação trazida pela novel legislação para objetivar a contratação de obras de engenharia.

Esse parece ter sido o entendimento adotado por algumas consultorias jurídicas de entes da Federação, a exemplo da Procuradoria Geral do Estado, que, por meio da Nota Técnica SURG nº 6/2020[1], concluiu em torno da possibilidade de obras serem contratadas por meio da dispensa de licitação instituída pelo art. 4º da Lei nº 13.979/2020.

No presente artigo, mostraremos o nosso posicionamento em relação à temática em voga, fundamentando-o à luz do que se tem denominado de “direito provisório” ou “direito administrativo de crise”, sem desconsiderar os conceitos dos institutos jurídicos em discussão.

Por óbvio, não se pretende esgotar a temática, tampouco desprestigiar entendimentos em sentido divergentes, aos quais manifestamos nosso total respeito. Pretender-se-á, tão somente, enfrentar a problemática com objetivo de trazer a orientação mais segura ao gestor público, a quem incumbe a difícil tarefa de idealizar as políticas públicas em tal cenário de crise.

  1. DA DIFERENÇAS CONCEITUAS ENTRE OBRA E SERVIÇO DE ENGENHARIA

 

Antes de qualquer coisa, é mister trazer à balha uma diferença conceitual, feita pela Lei nº 8.666/1993, entre obra e serviço.

O art. 6º da supramencionada norma geral conceitua obra como “toda construção, reforma, fabricação, recuperação ou ampliação, realizada por execução direta ou indireta” (inciso I).

serviço é definido, pelo inciso II do dispositivo precitado, como:

(...) toda atividade destinada a obter determinada utilidade de interesse para a Administração, tais como: demolição, conserto, instalação, montagem, operação, conservação, reparação, adaptação, manutenção, transporte, locação de bens, publicidade, seguro ou trabalhos técnico-profissionais.

Não se pode olvidar que os conceitos legais, não raramente, são marcados pela atecnicidade, cabendo, portanto, aos cientistas do direito a tarefa – árdua muitas das vezes – de esclarecer as definições prescritas pelo legislador, com o intuito de suprir a falta de rigor técnico de tais definições pela via legislativa.

Na seara técnica, e em sentido muito similar à conceituação trazida pela lei, a Orientação Técnica IBR 002/2009, emanada do Instituto Brasileiro de Auditoria de Obras Públicas – IBRAOP[2], trouxe a seguinte definição para obra:

Obra de engenharia é a ação de construir, reformar, fabricar, recuperar ou ampliar um bem, na qual seja necessária a utilização de conhecimentos técnicos específicos envolvendo a participação de profissionais habilitados conforme o disposto na Lei Federal nº 5.194/66. (g.n.)

Já serviço, seguindo a já citada Orientação Técnica, foi conceituado como:

(...) toda a atividade que necessite da participação e acompanhamento de profissional habilitado conforme o disposto na Lei Federal nº 5.194/66, tais como: consertar, instalar, montar, operar, conservar, reparar, adaptar, manter, transportar, ou ainda, demolir. Incluem-se nesta definição as atividades profissionais referentes aos serviços técnicos profissionais especializados de projetos e planejamentos, estudos técnicos, pareceres, perícias, avaliações, assessorias, consultorias, auditorias, fiscalização, supervisão ou gerenciamento.

No campo doutrinário, identifica o ilustre mestre Marçal Justen Filho (2016, p. 188) a problemática em se determinar, diante de certas atividades, se se está diante de uma obra ou serviço. Vejamos os ensinamentos do festejado mestre:

(...) Como diferenciar hipóteses configuradas como serviço (tais como conserto, instalação, montagem, operação, conservação, reparação, adaptação, manutenção) de outras qualificadas como obra (tais como fabricação, recuperação ou ampliação)? A resposta consiste na dimensão da atividade. Haverá serviço quando a atividade não se traduzir em modificações significativas, autônomas e permanentes. Se a modificação for significativa, autônoma e permanente, haverá obra.

 

Em sua conclusão, reconhece o precitado autor que, conquanto possa até merecer crítica teórica a definição trazida pela norma, esta desempenha, na prática, uma solução satisfatória, já que torna inequívoca uma questão que poderia ser duvidosa.

O autor ainda cita, como exemplo, o caso de uma demolição, que, embora possa produzir alteração autônoma e permanente no ambiente físico, podendo, inclusive, gerar dificuldade análoga a uma construção, foi definida pelo legislador dentro do conceito de serviço, o que exclui a possibilidade de ser enquadrada como uma obra.

Em todo caso, e nos termos da já referida Orientação Técnica, “A análise de enquadramento de Obras e Serviços de Engenharia depende de conhecimento técnico específico em conformidade com a Lei Federal nº 5.194/66” (vide subitem 7.2 do item 7).

Os conceitos trazidos pela lei geral de licitações, bem consolidados em normas técnicas que regem a questão, não sofrem alterações diante do cenário de anormalidade instalado. Isto é, o que é serviço, assim definido no inciso II do art. 6º, por exemplo, permanecerá tendo o conceito que sempre possuiu, mesmo diante das contratações a serem feitas para o enfrentamento da emergência em saúde pública decorrente da pandemia de Covid-19.

 

  1. A LEI Nº 13.979/2020 E OS OBJETOS PASSÍVEIS DE DISPENSA DE LICITAÇÃO

 

Antes de enfrentar o busílis, é mister realizar uma breve digressão em torno da Lei nº 13.979/2020, que trouxe uma nova hipótese de dispensa de licitação.

De iniciativa do Poder Executivo Federal, o Projeto de Lei nº 23/2020, foi recepcionado pela Câmara dos Deputados em 04/02/2020, tendo sido votado em regime de urgência e devidamente aprovado na mesma data.

O mesmo procedimento de urgência foi adotado no âmbito do Senado Federal, de forma que, já no dia 05/02/2020, o precitado projeto foi aprovado e, em 06/02/2020, encaminhado à sanção presidencial, ocorrida na mesma data, dando origem à Lei nº 13.979/2020.

Em sua versão original, previu a novel legislação a seguinte disposição:

Art. 4º Fica dispensada a licitação para aquisição de bens, serviços e insumos de saúde destinados ao enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus de que trata esta Lei. (g.n.)

Veja-se, portanto, que a lei previu, inicialmente, a possibilidade de ser a licitação dispensada tão somente para objetos específicos e exclusivos da área da saúde (bens, serviços e insumos) destinados ao enfrentamento da emergência que se inaugurava.

Em 20 de março de 2020, no entanto, por meio da Medida Provisória nº 926, baixada com fulcro no art. 62 da Constituição Federal, os objetos passíveis da dispensa tratada pela Lei nº 13.979/2020 foram ampliados para todo e qualquer segmento, desde que vinculado ao enfrentamento da emergência em saúde pública decorrente da pandemia de Covid-19.

Além disso, foi incluída, no texto da norma, a possibilidade de serem dispensadas as licitações inclusive para a contratação de serviços de engenharia.

Vejamos a nova redação dada pela MP 926/2020 ao art. 4º da Lei nº 13.979:

Art. 4º É dispensável a licitação para aquisição de bens, serviços, inclusive de engenharia, e insumos destinados ao enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus de que trata esta Lei. (g.n.)

 

Em suma, a dispensa de licitação acima tratada possui uma finalidade específica, qual seja, permitir contratações e aquisições que visem ao enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus.

Foram elencados, ainda, pela norma, os objetos passíveis de enquadramento na hipótese em voga, quais sejam, aquisição de bens e insumos e contratação de serviços, inclusive os de engenharia.

Não foi contemplada pela norma a contratação de obras de engenharia, necessidade esta que, caso exista, deverá ser suprida por outros meios, conforme se analisará mais adiante.

 

  1. IMPOSSIBILIDADE DE CONTRATAÇÃO DE OBRAS POR DISPENSA DE LICITAÇÃO COM FUNDAMENTO NA LEI Nº 13.979/2020: PONTOS A SEREM CONSIDERADOS

 

Conforme se verificou no tópico anterior, a contratação de obras de engenharia não foi contemplada dentro da permissão contida no art. 4º da Lei nº 13.979/2020, o que, em nosso sentir, impossibilita, por si só, a invocação do referido dispositivo para tal intento.

 

O primeiro ponto considerado em nossa conclusão, que, embora simples, assume um papel relevante no contexto ora estudado, é no sentido de que, na forma como tratamos em tópico específico deste breve arrazoado, o conceito de serviço, sobretudo no campo da engenharia, não abrange a execução de obra, que possui conceituação própria.

Não se pode ignorar, conforme já reconhecido neste breve estudo, que é difícil, na prática, a tarefa em ser realizada a devida distinção entre os objetos passíveis de enquadramento no conceito de obra ou serviço de engenharia.

Essa difícil tarefa, todavia, não se constitui atividade típica do operador do direito. Tal mister é restrito a profissionais tecnicamente habilitados, nos termos da Lei nº 5.194/1966, das Resoluções do sistema CONFEA/CREA e das normas técnicas aplicáveis.

 

O segundo ponto que nos leva à conclusão em torno da não possibilidade de ser dispensada a licitação, com fulcro no art. 4º da Lei nº 13.979/2020, para a contratação de obra reside numa distinção doutrinária que sempre é feita em relação às hipóteses de dispensa e de inexigibilidade de licitação.

Nos casos de dispensa de licitação, conquanto plenamente viável a deflagração do certame, o legislador possibilitou que a Administração Pública adotasse outro procedimento, em que as formalidades são supridas ou substituídas por outras, por entender que da licitação não resultariam os benefícios pretendidos ou, até mesmo, poderia trazer prejuízos indesejáveis.

Já nos casos de inviabilidade de competição, determinou o legislador a inexigibilidade do procedimento licitatório, ante a ausência de pressupostos para que a proposta mais vantajosa – um dos objetivos maiores da licitação (art. 3º da Lei nº 8.666/1993) – possa ser escolhida por meio de critérios objetivos.

O rol dos casos de dispensa de licitação é taxativo, já que o legislador tratou de enumerar, no art. 24 da Lei nº 8.666/1993, todas as hipóteses em torno das quais o gestor terá discricionariedade para optar por realizar a contratação direta. Já a inexigibilidade de licitação caberá sempre que a competição for inviável, em especial nas hipóteses exemplificativas tratadas pelo art. 25, da referida norma geral.

Acerca da taxatividade do art. 24 da lei nacional, valiosas são as lições de Jorge Ulisses Jacoby Fernandes (2016, p. 240), verbis:

Para que a situação possa implicar dispensa de licitação, deve o fato concreto

enquadrar-se no dispositivo legal, preenchendo todos os requisitos. Não é permitido qualquer exercício de criatividade ao administrador, encontrando-se as hipóteses de licitação dispensável previstas expressamente na Lei, numerus clausus, no jargão jurídico, querendo significar que são apenas aquelas hipóteses que o legislador expressamente indicou que comportam dispensa de licitação. (g.n.)

Desse modo, o objeto a ser contratado pela Administração Pública deve preencher todos os requisitos trazidos pela norma autorizadora da dispensa de licitação (subsunção do fato à norma), sob pena de nulidade da contratação e de o gestor incidir no crime capitulado no art. 89 da Lei nº 8.666/1993[3].

O terceiro ponto por nós considerados paira no sentido de que legislador, ao instituir, por meio da Lei nº 13.979/2020, a nova hipótese de dispensa de licitação com a finalidade própria de enfrentamento da emergência em saúde pública decorrente da Covid-19, o fez para objetos específicos e detalhados no próprio texto da norma, quais sejam: bens, insumos e serviços.

Ademais, por meio da alteração promovida pela MP 926/2020, sobreveio a inclusão de serviços de engenharia dentre os objetos passíveis da comentada dispensa de licitação.

A declaração expressa de objetos passíveis de dispensa de licitação, a nosso ver, já impediria, por si só, uma interpretação ampliativa a ser eventualmente adotada pelo aplicador da norma.

Isto porque, caso a intenção fosse a de autorizar a contratação de obras por meio da dispensa tratada pelo art. 4º, da Lei nº 13.979/2020, isso teria ocorrido pela alteração promovida pela MP 926/2020, que, dentre outras inovações, incluiu os serviços de engenharia como passíveis de dispensa.

A corroborar a nossa conclusão, Jorge Ulisses Jacoby Fernandes (et al, 2020, p. 61), ao tratar da caracterização como serviço de engenharia, expressa que “(...) o texto da Lei nº 13.979/2020 não incluiu obras como objetos passíveis de adoção da dispensa prevista pelo seu artigo 4º”.

O ilustre autor, inclusive, cita trecho do Parecer nº 00002/2020/CNML/CGU/AGU, emanado da Advocacia-Geral da União, que concluiu pela inaplicabilidade da Lei nº 13.979/2020 para a contratação de obras de engenharia. Vejamos excertos do precitado parecer:

  1. A norma não abarcou expressamente a possibilidade de utilização da nova hipótese de dispensa no caso de necessidade de contratação e execução de obras de engenharia, sendo possível afirmar que a aplicação da dispensa restringe-se a:
  2. a) bens;
  3. b) serviços, incluindo os de engenharia e
  4. c) insumos de saúde.
  5. O silêncio do disciplinamento em relação à utilização do novo procedimento no caso das obras de engenharia não pode ser interpretado como um mero descuido, uma vez que existe verdadeira interpretação autêntica no caso: a própria EMI 19/2020 refere-se somente às hipóteses detalhadas acima, sendo perfeitamente claro que sua exclusão não configura um esquecimento.
  6. O escopo da Lei n. 13.979/2020 cinge-se, por conseguinte, a bens, insumos, serviços e serviços de engenharia. As obras de engenharia não foram contempladas e poderão, se for o caso, serem disciplinadas em futuras alterações normativas. (g.n.)

Em oportunidade mais recente, a Advocacia-Geral da União reiterou as premissas consignadas no precitado parecer, o que foi feito por meio do Parecer nº 00006/2020/CNMLC/CGU/AGU, cujas conclusões foram as seguintes:

  1. Desse modo, cabe ao setor técnico de engenharia definir, segundo a sua expertise, se o objeto no respectivo caso concreto se trata de “obra de engenharia” ou “serviço de engenharia”, conforme o teor da Orientação Normativa n. 54/2014 da Advocacia Geral da União.
  2. Na hipótese de restar configurado que se trata o presente objeto de “obra de engenharia”, caberá o manejo das modalidades tradicionais dispostas na legislação de regência.
  3. De qualquer sorte, considerando que a lei vem a trazer um tratamento excepcional, entende-se indevida a interpretação extensiva para inclusão de obras nesse regime jurídico, em especial porque a contratação de obras não é questão trivial e a possibilidade de sua dispensa (o que, nos termos do art. 37, XXI da Constituição Federal, depende de lei) não deve ocorrer sem as devidas cautelas. (g.n.)

Destarte, a ausência de presciência da contratação de obras de engenharia, dentro dos objetos declarados pelo art. 4º da Lei nº 13.979/2020, não há como ser interpretada como silêncio eloquente do legislador.

A falta de tal previsão, conforme já se posicionou a AGU, deu-se porque a contratação de obras “não é questão trivial e a possibilidade de sua dispensa (o que, nos termos do art. 37, XXI da Constituição Federal, depende de lei) não deve ocorrer sem as devidas cautelas”.

 

O quarto ponto a ser considerado, e que possui estrita relação com a precitada conclusão da AGU, é que, um dos objetivos traçados pela norma provisória e excepcional é, sem sombra de dúvidas, a simplificação de procedimentos para que, diante de uma emergência que a própria norma considera “presumível”, possa o gestor público agir imediatamente, sem a necessidade de observar algumas das burocracias previstas na Lei nº 8.666/1993.

Nesse sentido, cabe trazer à balha excerto do já citado Parecer nº 00002/2020/CNML/CGU/AGU:

  1. A Lei n. 13.979/2020, com as alterações promovidas pela MP 926, de 2020, estabeleceu ferramentas de otimização da fase do planejamento da contratação no afã de otimizar e acelerar o procedimento para enfrentamento da situação decorrente do coronavírus.
  2. A Exposição de Motivos constantes da MPV 926/20 é clara ao querer desburocratizar e agilizar os processos de contratação, seja por dispensa, seja por pregão. As concessões feitas no decorrer da Lei são explícitas no sentido de privilegiar o conteúdo da contratação em detrimento de sua economicidade formal. (g.n.)

Depreende-se da Lei nº 13.979/2020, alterada pela MP 926/2020, que vários foram os procedimentos simplificados para que a finalidade buscada pela norma, qual seja, de atendimento premente às necessidades da Administração Pública diante do enfrentamento da situação de emergência em saúde pública decorrente da Covid-19, fosse plenamente atingida.

Um dos pontos que interessa ao presente estudo é a admissibilidade de um “projeto básico simplificado”, introduzido pelo caput do art. 4º-E, o qual deverá conter, na forma de seu § 1º:

Art. 4º-E Omissis

  • 1º O termo de referência simplificado ou o projeto básico simplificado a que se refere o caputconterá:

I - declaração do objeto;        

II - fundamentação simplificada da contratação;

III - descrição resumida da solução apresentada;

IV - requisitos da contratação;

V - critérios de medição e pagamento; 

VI - estimativas dos preços obtidos por meio de, no mínimo, um dos seguintes parâmetros:            

  1. a) Portal de Compras do Governo Federal;
  2. b) pesquisa publicada em mídia especializada;
  3. c) sítios eletrônicos especializados ou de domínio amplo;
  4. d) contratações similares de outros entes públicos; ou         
  5. e) pesquisa realizada com os potenciais fornecedores; e      

VII - adequação orçamentária.

A execução de uma obra de engenharia, em nossa análise e respeitando os posicionamentos divergentes, não comportaria a utilização de “projeto básico simplificado”, o qual está longe de atender ao escopo detalhado por normas técnicas, bem como pelo inciso IX do art. 6º da Lei nº 8.666/1993, senão vejamos:

IX – Projeto Básico - conjunto de elementos necessários e suficientes, com nível de precisão adequado, para caracterizar a obra ou serviço, ou complexo de obras ou serviços objeto da licitação, elaborado com base nas indicações dos estudos técnicos preliminares, que assegurem a viabilidade técnica e o adequado tratamento do impacto ambiental do empreendimento, e que possibilite a avaliação do custo da obra e a definição dos métodos e do prazo de execução, devendo conter os seguintes elementos:

  1. a) desenvolvimento da solução escolhida de forma a fornecer visão global da obra e identificar todos os seus elementos constitutivos com clareza;
  2. b) soluções técnicas globais e localizadas, suficientemente detalhadas, de forma a minimizar a necessidade de reformulação ou de variantes durante as fases de elaboração do projeto executivo e de realização das obras e montagem;
  3. c) identificação dos tipos de serviços a executar e de materiais e equipamentos a incorporar à obra, bem como suas especificações que assegurem os melhores resultados para o empreendimento, sem frustrar o caráter competitivo para a sua execução;
  4. d) informações que possibilitem o estudo e a dedução de métodos construtivos, instalações provisórias e condições organizacionais para a obra, sem frustrar o caráter competitivo para a sua execução;
  5. e) subsídios para montagem do plano de licitação e gestão da obra, compreendendo a sua programação, a estratégia de suprimentos, as normas de fiscalização e outros dados necessários em cada caso;
  6. f) orçamento detalhado do custo global da obra, fundamentado em quantitativos de serviços e fornecimentos propriamente avaliados; (g.n.)

Ademais, é mister frisar que a Lei nº 13.979/2020, em seu art. 4º-C, apenas dispensou a elaboração de estudos preliminares quando se estiver diante da aquisição de bens e contratação de serviços comuns.

E assim concluímos porque, em cenário de normalidade, o projeto básico deficiente é uma das maiores causas indutoras da irregularidade em uma licitação para execução de obra pública, segundo reconhece o Tribunal de Contas da União (2013, p. 53).

Então, se realizando uma licitação, em tese, com um projeto básico com a completude exigida pelo art. 6º, inciso IX, da Lei nº 8.666/1993, já há risco de ele ser deficiente, quem dirá se fosse permitida a contratação de uma obra com a utilização de tal projeto em sua forma “simplificada”.

Devemos considerar, também, que é quase impossível que a execução de uma obra, a exemplo da construção de um hospital ou algo do gênero, possa ser concluída dentro de um prazo inicial de 6 (seis) meses ou, mais do que isso, a tempo de ser utilizada no combate à pandemia de Covid-19.

Tal façanha – conclusão de obra no prazo supracitado – não ocorre em período de normalidade, em que há facilidade de acesso à mão de obra, insumos e materiais a serem empregados na construção, imagine-se no atual cenário, cuja limitação atinge não apenas a mão de obra, mas também a aquisição de insumos e materiais.

Destarte, sob qualquer ângulo que se analise a questão, a conclusão não pode ser outra que não pela impossibilidade de ser a contratação de obras de engenharia ser dispensada com fulcro no art. 4º da Lei nº 13.979/2020.

 

  1. CONTRATAÇÃO DE OBRAS DE ENGENHARIA: POSSIBILIDADES E INSTRUMENTOS

Considerando as conclusões que expendemos, no sentido de ser impossível a invocação do art. 4º da Lei nº 13.979/2020 para ser fundamentada a contratação direta da execução de obra de engenharia, quais instrumentos disporá o administrador público na hipótese de ser necessária a realização de uma obra para o enfrentamento da situação de emergência em saúde pública decorrente da pandemia de Covid-19?

Primeiramente, deverá ser estudada e sopesada a urgência que o caso requer.

Há que ser analisada, sobretudo no atual cenário de calamidade, em que pode haver escassez de recursos humanos, materiais, equipamentos e de insumos no mercado, a necessidade em si de ser executada uma obra de engenharia, até porque a sua conclusão pode ocorrer após cessado o estado de emergência em saúde pública que ensejou a sua contratação, o que resultará em sua total inutilidade.

Uma obra de engenharia, consoante já se estudou anteriormente, demanda planejamentos prévios, estudos técnicos e, comprovada a viabilidade técnica e econômica, a elaboração de projetos básico e executivos[4] prévios no âmbito da fase interna do procedimento, seja licitatório ou não.

Desse modo, na atualidade, três podem ser os instrumentos utilizados pelo administrador público para a contratação de uma obra de engenharia, além, é claro, da possibilidade de ser realizada uma licitação por meio do uso das modalidades tradicionais (concorrência, tomada de preços e, eventualmente, convite).

O primeiro e o segundo instrumentos sobrevieram com a edição da Medida Provisória nº 961, de 06 de maio de 2020, que: (i) ampliou para até R$ 100.000,00 o limite de dispensa para a contratação de obras e serviços de engenharia, conforme hipótese prevista no art. 24, I, da Lei nº 8.666/93, além do limite para demais compras e serviços (inciso II do art. 24), até R$ 50.000,00; e (ii) autorizou a aplicação do Regime Diferenciado de Contratações Públicas – RDC de que trata a Lei nº 12.462/2011.

Anotamos que tais instrumentos podem ser invocados para toda e qualquer contratação e aquisição a ser feita pela Administração Pública, não estando, pois, restritos aos objetos necessários ao enfrentamento da situação de emergência em saúde pública decorrente da pandemia de Covid-19.

Quanto às contratações de obras e serviços de engenharia a serem feitas com fundamento na dispensa de licitação de que trata o inciso I do art. 24 da Lei nº 8.666/1993, maiores digressões não se fazem necessárias, uma vez que apenas houve a ampliação da base econômica que possibilita a sua adoção.

Portanto, deve o administrador público se ater às cautelas ordinárias, observando-se os procedimentos internos de cada ente e, ainda, a jurisprudência do TCU e da Corte de Contas do Estado a que estiver vinculado.

Deve-se, ainda, observar que a contratação enquadrada na hipótese do art. 24, inciso I, não pode decorrer de fracionamento indevido de seu objeto. Isto é, não podem se referir a parcelas de uma mesma obra ou serviço, ou ainda obras e serviços da mesma natureza e no mesmo local, que possam ser realizadas conjunta e concomitantemente.

Já o Regime Diferenciado de Contratações Públicas – RDC se encontra exaustivamente disciplinado na Lei nº 12.462/2011, sendo que a sua adoção, além de obrigatoriamente constar do instrumento convocatório, afasta a incidência das normas contidas na Lei nº 8.666/93, exceto nos casos em que a própria norma previr expressamente o contrário.

Sem adentrar nas especificidades do RDC, o que não é objeto deste estudo, vale pontuar, apenas para conhecimento geral, algumas de suas principais características.

O RDC possui quatro objetivos bem definidos, que foram elencados no art. 1º, § 1º, da Lei nº 12.462/2011, quais sejam: (i) ampliar a eficiência nas contratações públicas e a competitividade entre os licitantes; (ii) promover a troca de experiências e tecnologias em busca da melhor relação entre custos e benefícios para o setor público; (iii) incentivar a inovação tecnológica; e (iv) assegurar tratamento isonômico entre os licitantes e a seleção da proposta mais vantajosa para a administração pública.

Em termos procedimentais, tal Regime possibilita o que se denomina de “multiadjudicação”, isto é, a Administração Pública poderá contratar mais de uma empresa para executar o mesmo objeto, desde que (art. 11): (i) haja expressa justificativa; (ii)  não implique perda da economia de escala; (iii) quando for possível a execução do objeto de forma concorrente e simultânea; e (iv) a múltipla execução for mais conveniente aos anseios do ente licitante.

Em tal caso, caberá à Administração Pública manter um controle individualizado da execução do objeto em relação a cada uma das contratadas (art. 11, § 1º). Tal figura, é bom frisar, não equivale ou se assemelha ao instituto do consórcio e também não se aplica a serviços de engenharia.

Ademais, há possibilidade de serem invertidas as fases naturais da licitação, de forma a se proceder ao julgamento das propostas e, após, o de habilitação, o que resulta em ganhos significativos, sobretudo em termos de prazos procedimentais.

O RDC deve ser realizado, preferencialmente, em ambiente eletrônico, podendo a Administração Pública determinar, como condição de eficácia e de validade, que os licitantes pratiquem seus atos em formato eletrônico. O legislador permitiu, todavia, a sua realização em formato presencial.

No regime diferenciado foi previsto, para fins de oferecimento de propostas, o modo de disputa aberto, por meio do qual os licitantes fazem suas ofertas por meio de lances públicos e sucessivos, crescentes ou decrescentes, conforme o critério de julgamento adotado, e o no modo de disputa fechado, em que as propostas apresentadas pelos licitantes serão sigilosas até a data e a hora designadas para que sejam divulgadas.

Há alguns aspectos do Regime Diferenciado de Contratações que até hoje são polêmicos. Dentre eles se destaca o sigilo dos orçamentos, a ser mantido até o fim do procedimento licitatório.

Um outro aspecto polêmico é o denominado “contrato de eficiência”, que se reveste de um ajuste acessório que terá por objeto a prestação de serviços, incluindo a realização de obras e o fornecimento de bens, com o objetivo de proporcionar economia à Administração Pública, na forma de redução de despesas correntes, sendo o contratado remunerado com base no percentual da economia gerada (art. 23, § 1º).

Outra novidade do RDC é a possibilidade de adoção, na execução indireta de obras e serviços de engenharia, do regime de contratação integrada, desde que técnica e economicamente justificada e cujo objeto envolva, ao menos, uma das condições descritas nos incisos do art. 9º, a saber: (i) inovação tecnológica ou técnica; (ii) possibilidade de execução de diferentes metodologias; ou (iii) possibilidade de execução com tecnologias de domínio restrito no mercado.

Há que se considerar, também como fator preponderante à adoção do RDC, a questão do prazo a ser fixado entre a data de veiculação do instrumento convocatório e a de abertura da sessão pública da licitação. No caso de contratação de serviços e obras, foram previstos os seguintes prazos (art. 15, inciso II): (i) 15 (quinze) dias úteis, quando adotados os critérios de julgamento pelo menor preço ou pelo maior desconto; ou (ii) 30 (trinta) dias úteis, nas hipóteses não abrangidas pela alínea a do inciso II.

É válido, ainda, anotar que estão em julgamento, pelo plenário virtual do Supremo Tribunal Federal, as Ações Diretas de Inconstitucionalidades nº 4.655 e 4.645, que foram propostas em face dos pontos polêmicos antes registrados, que se traduzem em inovações do RDC.

O eminente relator, Ministro Luiz Fux, em seu brilhantíssimo voto, prolatado em 22/05/2020, julgou improcedentes os pleitos formulados em ambas as ações, tendo, neste contexto, concluído pela constitucionalidade dos principais pontos do RDC, quais sejam, a contratação integrada, o orçamento sigiloso e contratos com remuneração por performance. Todavia, após o voto do relator, pediu vista o Ministro Edson Fachin, de forma que não foram concluídos os julgamentos das ADI’s.

O terceiro instrumento à disposição do administrador público é a contratação direta, por dispensa de licitação, fundamentada no art. 24, inciso IV, da Lei nº 8.666/1993, verbis:

Art. 24. É dispensável a licitação:

(...)

IV - nos casos de emergência ou de calamidade pública, quando caracterizada urgência de atendimento de situação que possa ocasionar prejuízo ou comprometer a segurança de pessoas, obras, serviços, equipamentos e outros bens, públicos ou particulares, e somente para os bens necessários ao atendimento da situação emergencial ou calamitosa e para as parcelas de obras e serviços que possam ser concluídas no prazo máximo de 180 (cento e oitenta) dias consecutivos e ininterruptos, contados da ocorrência da emergência ou calamidade, vedada a prorrogação dos respectivos contratos; (g.n)

Tal possibilidade é bem lembrada por Jorge Ulisses Jacoby Fernandes (et al, 2020, p. 63):

Convém lembrar, contudo, que também é possível a adoção das
demais hipóteses de contratação direta previstas na legislação ordinária.
Assim, embora não seja aplicável a dispensa do artigo 4º para
obras, diante de uma necessidade emergencial de atendimento desta
pretensão administrativa, a contratação da obra poderá ter como
fundamento o art. 24, IV, da Lei nº 8.666/1993
. (g.n.)

O bem jurídico tutelado pela contratação direta por emergência ou calamidade pública é traduzido nas necessidades coletivas e metaindividuais, ou seja, pressupõe-se que a ausência da imediata contratação acarretaria lesão a bens públicos e, por conseguinte, às próprias finalidades perseguidas pela Administração Pública.

Assim, no caso de uma emergência ou calamidade, o tempo necessário para a deflagração e conclusão dos trâmites de um procedimento licitatório se revela um fator impeditivo à sua própria realização, posto que a sua demora é inconciliável com o interesse público caracterizado pelo objeto perseguido pela contratação.

Diante dessa situação, poderá o gestor, adotando todas as cautelas necessárias, sobretudo o dever de planejamento prévio ao procedimento, dispensar a licitação para a contração direta, inclusive de objetos enquadrados no conceito de obra de engenharia.

Todavia, há limites implícitos a serem observados, sobretudo em decorrência da restrição ao princípio de igualdade.

O primeiro deles diz respeito ao objeto da contratação, que, de acordo com o permissivo de que trata a hipótese ora estudada, deve se restringir ao estritamente necessário para afastar o risco de dano ao interesse público originado pela situação de urgência.

Para o nobre jurista Renato Geraldo Mendes[5], a contratação direta fulcrada no art. 24, IV, da Lei nº 8.666/1993:

(...) pode ter por objeto qualquer solução capaz de resolver o problema, ou seja, obras, serviços e compras. A solução dependerá sempre do tipo de demanda que envolve a necessidade e caracteriza a emergência ou calamidade pública. Portanto, a ação administrativa pode visar à contratação de um terceiro para executar uma obra ou um serviço típico de engenharia; a pretensão pode envolver o fornecimento de bens, tais como vacinas, alimentos, medicamentos, água, equipamentos, máquinas, geradores de energia, etc. O fundamental aqui é demonstrar que o objeto do contrato é meio eficaz de solução para evitar ou atenuar prejuízo aos bens, pessoas ou atividades, em razão da situação anormal que exigiu a ação estatal. (Destaquei)

Outro limite objetivado pela norma é o prazo máximo de duração para a vigência do contrato decorrente da contratação direta em voga.

Isto porque, considerando as peculiaridades que caracterizam a hipótese ora tratada, foi previsto o prazo máximo de 180 dias para a execução do objeto contratado, vedando-se, em regra, a sua prorrogação, ainda que o prazo inicial do contrato tenha sido fixado a menor. Visou-se, com isso, evitar que uma situação marcada pela excepcionalidade pudesse se tornar ordinária/permanente, subterfugindo-se do dever de licitar.

Não obstante, destacamos que o TCU já admitiu, em análises específicas, a prorrogação de contrato firmado por dispensa de licitação por emergência ou calamidade pública, senão vejamos:

Relativamente a essa matéria, a jurisprudência consolidada do TCU é de que é vedada a prorrogação de contrato fundamentado na dispensa de licitação por emergência ou calamidade pública, exceto em hipóteses restritas, resultantes de fato superveniente, e desde que a duração do contrato se estenda por lapso de tempo razoável e suficiente para enfrentar a situação emergencial. Exemplos são os Acórdãos 1.667/2008-Plenário, 1.424/2007-1a Câmara, 788/2007-Plenário, 1.095/2007-Plenário bem como as Decisões 645/2002-Plenário e 820/1996-Plenário. (g.n.)

(TCU, Acórdão nº 1.022/2013, Plenário)

Portanto, em situações excepcionalíssimas, é possível admitir a prorrogação de contrato emergencial, desde que seja devidamente comprovada a manutenção das razões que ensejaram a contratação ou, ainda, o surgimento de novas circunstâncias que exijam a mesma solução extraordinária. Em tais situações, a prorrogação deve ser feita pelo prazo estritamente necessário ao atendimento da urgência/emergência, sendo devidamente motivada e fundamentada pela autoridade competente.

Obviamente, na contratação direta em apreço, outros requisitos deverão instruir os autos do processo, quais sejam, caracterização da situação emergencial, calamitosa ou de grave e iminente risco à segurança pública que justifique a dispensa, razões de escolha do contratado/executor e a justificativa de preço a ser pago para a execução do objeto, a fim de atender ao parágrafo único do art. 26 da Lei nº 8.666/1993[6].

  1. CONCLUSÃO

À guisa de conclusão, foi possível constatar que não há, ainda que diante do cenário de calamidade e de emergência em saúde pública decorrente da Covid-19, alterações conceituais dos institutos jurídicos, de forma que o conceito de obra ou de serviço continuam sendo os mesmos aplicáveis diante da normalidade.

Tais conceitos se amparam em normatizações técnicas, cabendo ao operador do direito, diante de dúvida quanto ao enquadramento, socorrer-se de auxílio de engenheiro habilitado, ao qual compete o domínio de tal conhecimento técnico.

Neste contexto, considerando que a Lei nº 13.979/2020, alterada pela MP 926/2020, elencou expressamente os objetos passíveis de enquadramento na hipótese de dispensa de licitação nela tratada, quais sejam, aquisição de bens, insumos e contratação de serviços, inclusive de engenharia, não há como ser empregada interpretação extensiva para incluir, no campo de aplicação da norma, a contratação de obra.

A precitada conclusão decorreu dos vários fatores analisados neste arrazoado, os quais, em síntese, destacamos a seguir: (i) diferença conceitual entre obra e serviço de engenharia; (ii) as hipóteses de dispensa de licitação são expressas em lei (rol taxativo), não comportando ampliação, sob pena de incidência no crime capitulado no art. 89 da Lei nº 8.666/1993; (iii) a hipótese de dispensa de licitação trazida pelo art. 4º da Lei nº 13.979/2020, alterada pela MP 926/2020, é para objetos específicos e expressamente nela declarados (aquisição de bens e insumos e contratação de serviços, inclusive de engenharia). A omissão quanto à contratação de obra não pode ser interpretada como silêncio eloquente do legislador (vide Pareceres 00001 e 00006/2020, da AGU); e (iv) a contratação de obras não se coaduna com a adoção de projeto básico simplificado, tal como autorizado pelo art. 4º-E da Lei nº 13.979/2020.

Em que pese termos concluído pela inaplicabilidade da Lei nº 13.979/2020, alterada pela MP 926/2020, para a contratação direta de obra de engenharia, apontamos, neste artigo, outros instrumentos à disposição do gestor, caso tal necessidade deva ser suprida pela Administração Pública.

O primeiro instrumento brevemente analisado foi a dispensa de licitação fundamentada no art. 24, inciso I, da Lei nº 8.666/93, cuja base valorativa foi ampliada pela MP 961/2020. Desse modo, obra e serviço de engenharia, desde que não se refiram a parcelas de um mesmo objeto e esteja estimado até o limite de R$ 100.000,00 (vide art. 1º, inciso I, alínea a), podem ser contratados por dispensa de licitação, aplicando-se, no caso, todas as cautelas ordinariamente observadas em tal forma de contratação direta.

O outro instrumento colocado à disposição do administrador público, cuja possibilidade de utilização sobreveio com a MP 961/2020 (art. 1º, inciso III), foi a adoção do Regime Diferenciado de Contratações Públicas – RDC, regido pela Lei nº 12.462/2011, cujas particularidades, em síntese, foram tratadas em tópico específico deste artigo.

E, por último, mas não menos importante, diante da necessidade de contratação de obra de engenharia, e desde que demonstrada a subsunção dos fatos à norma autorizadora, poderá o gestor se valer da dispensa de licitação por emergência disciplinada pelo art. 24, inciso IV, da Lei nº 8.666/1993.

Na contratação direta com base no precitado dispositivo legal, além dos requisitos da hipótese em si, deverão ser devidamente comprovadas as razões de escolha da empresa a ser contratada e as justificativas quanto ao preço a ser pago na contratação, previstos nos incisos II e III do parágrafo único do art. 26 da Lei nº 8.666/1993.

Quanto ao preço a ser pago, certamente não se está a exigir que a contratação ocorra pelo menor preço possível, mas sim que este seja compatível com a realidade do mercado próprio, a partir de bases referenciais adequadas e devidamente motivadas.

Veja-se, portanto, que há, além das modalidades tradicionais e possíveis para a contratação de uma obra de engenharia (concorrência, tomada de preços e convite), instrumentos que podem – e devem – ser adotados pelo gestor para que, diante de uma necessidade, possa optar pela forma mais célere e satisfativa aos anseios da Administração Pública.

Diante deste contexto, não cabe ao gestor optar por não agir, pois a sua omissão poderá ser censurável à luz do direito pátrio, mas sim, a partir de um planejamento adequado – plenamente possível, ainda que diante das urgências e emergências que se apresentam -, optar pela forma mais racional e segura para o atendimento às necessidades da Administração Pública.

Por fim, é mister lembrar que o gestor deve ser aliado da motivação, legalidade e publicidade, princípios basilares e norteadores de sua atividade no âmbito da Administração Pública.

REFERÊNCIAS

BRASIL. Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8666cons.htm>. Acessado em 25/05/2020.

 

_______. Lei nº 12.462, de 4 de agosto de 2011. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-2014/2011/Lei/L12462.htm>. Acessado em 25/05/2020.

 

_______. Lei nº 13.979, de 6 de fevereiro de 2020. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2020/lei/L13979.htm>. Acessado em 25/05/2020.

 

_______. Medida Provisória nº 926, de 20 de março de 2020. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2020/Mpv/mpv926.htm>. Acessado em 25/05/2020.

 

_______. Medida Provisória nº 961, de 6 de maio de 2020. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2019-2022/2020/Mpv/mpv961.htm>. Acessado em 25/05/2020.

 

_______. Advocacia-Geral da União. Parecer n. 00002/2020/CNMLC/CGU/AGU. Disponível em <http://agu.gov.br/page/content/detail/id_conteudo/908837>. Acesso em 27/05/2020.

 

_______. Advocacia-Geral da União. Parecer n. 00006/2020/CNMLC/CGU/AGU. Disponível em <http://agu.gov.br/page/content/detail/id_conteudo/908837>. Acesso em 27/05/2020.

 

_______. Instituto Brasileiro de Auditoria de Obras Públicas. Orientações Técnicas. OT – IBR 002/2019 – Obra e Serviço de Engenharia. Disponível em <https://www.ibraop.org.br/wp-content/uploads/2013/06/OT-IBR-02-2009-Ibraop-01-07-10.pdf> Acessado em 06/05/2020.

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_______. Tribunal de Contas da União. Obras Públicas: Recomendações básicas para contratação e fiscalização de obras de edificações públicas. 3ª ed. Brasília: TCU, SecobEdif, 2013.

 

JACOBY FERNANDES, Jorge Ulisses. Contratação direta sem licitação: dispensa de licitação: inexigibilidade de licitação: procedimentos para a contratação sem licitação; justificativa de preços; inviabilidade de competição; emergência; fracionamento; parcelamento; comentários às modalidades de licitação, inclusive o pregão: procedimentos exigidos para a regularidade da contratação direta. 10. ed. rev. atual. ampl. Belo Horizonte: Fórum, 2016.

__________; FERNANDES, Murilo Jacoby; TEIXEIRA, Paulo Roberto;
TORRES, Ronny Charles L. Direito provisório e a emergência do Coronavírus: ESPIN – COVID-19: critérios e fundamentos: Direito Administrativo, Financeiro (Responsabilidade Fiscal), Trabalhista e Tributário: um mundo diferente após a COVID-19. Belo Horizonte: Fórum, 2020. E-book.

JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos. 16. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014.

LIMA, Edcarlos Alves. In Contratações públicas para o enfrentamento da situação de emergência em saúde pública decorrente da pandemia do novo Coronavírus (Covid-19). Soluções em Licitações e Contratos – SGP. Nº 25, abr./2020, p. 33-36.

MENDES, Renato Geraldo. Zênite Fácil. Disponível em: http://www.zenitefacil.com.br. Categoria Anotações, Lei nº 8.666/93, nota ao art. 24, Acesso em 25/05/2020.

[1] Procuradoria Geral do Estado de São Paulo. Subprocuradoria Geral da Consultoria Geral. Nota Técnica nº 6/2020. Disponível em https://www.bec.sp.gov.br/becsp/Aspx/Minutas.aspx?chave=. Acessado em 06/05/2020.

[2] Instituto Brasileiro de Auditoria de Obras Públicas. Orientações Técnicas. OT – IBR 002/2019 – Obra e Serviço de Engenharia. Disponível em https://www.ibraop.org.br/wp-content/uploads/2013/06/OT-IBR-02-2009-Ibraop-01-07-10.pdf. Acessado em 06/05/2020.

[3] Art. 89.  Dispensar ou inexigir licitação fora das hipóteses previstas em lei, ou deixar de observar as formalidades pertinentes à dispensa ou à inexigibilidade:

Pena - detenção, de 3 (três) a 5 (cinco) anos, e multa.

Parágrafo único.  Na mesma pena incorre aquele que, tendo comprovadamente concorrido para a consumação da ilegalidade, beneficiou-se da dispensa ou inexigibilidade ilegal, para celebrar contrato com o Poder Público.

[4] A lei permite que o projeto executivo, caso autorizado pela Administração, possa ser desenvolvido concomitantemente à execução da obra ou serviço (ex vi art. 7º, § 1º, da Lei nº 8.666/93).

[5] Zênite Fácil. Disponível em: http://www.zenitefacil.com.br. Categoria Anotações, Lei nº 8.666/93, nota ao art. 24, Acesso em: 25 Maio. 2020.

[6] Para uma análise mais aprofundada em torno da hipótese de contratação direta ora discutida, indica-se a leitura de nosso artigo intitulado “AQUISIÇÃO DE BENS E INSUMOS E CONTRATAÇÃO DE SERVIÇOS PARA O ENFRENTAMENTO DA EMERGÊNCIA GERADA PELA PANDEMIA DO NOVO CORONAVÍRUS”, disponível na plataforma Zênite Fácil e no blog da Zênite, assim como veiculado no SLC nº 25, de abril de 2020, editado pela SGP.

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