Voz do Associado qui, 16 de julho de 2020
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Por: Eduardo Amin Menezes Hassan

Titularidade: Advogado, Procurador do Município de Salvador, presidente da APMS, Professor Substituto na Faculdade de Direito da UFBA, ex-DEFENSOR PÚBLICO FEDERAL, ex-diretor da ANADEF, ex-procurador do Município de Aracaju-SE, possui graduação em DIREITO pela Universidade Católica do Salvador (2004), graduação em ADMINISTRAÇÃO DE EMPRESAS pela Universidade Federal da Bahia (2006), Pós-graduação em Direito do Estado pela Universidade Federal da Bahia (2006) e é Mestrando em Direito Público pela Universidade Federal da Bahia (2012).

SUMÁRIO

  1. INTRODUÇÃO
  2. RELAÇÃO ENTRE ÉTICA E POLÍTICA
  3. ÉTICA
  4. NORMAS MORAIS E NORMAS JURÍDICAS
  5. ÉTICA NO ÂMBITO DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA MUNICIPAL
  6. COMPLIANCE NA ADMINSITRAÇÃO PRIVADA E NA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA
  7. CONSIDERAÇÕES FINAIS

RESUMO

O tema Compliance está no topo das discussões no âmbito das organizações públicas e privadas. No Brasil foi instituído o princípio da moralidade por meio de uma norma constitucional, prevista em seu artigo 37, que deve ser aplicada em conjunto com os outros princípios constitucionais. Ao ser previsto na Constituição Federal de 1988, esse princípio demonstra uma forte ligação entre o direito e a moral. O Compliance nada mais é do que a institucionalização da ética por meio de códigos de condutas e outras ferramentas para se cumprir as normas morais e legais. 

PALAVRAS-CHAVES: COMPLIANCE; ÉTICA; DIREITO; ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA.

  1. INTRODUÇÃO.

Compliance é tema discutido em âmbito mundial e está na crista da onda dos estudos tanto na Administração Privada quanto na Pública. Já se tratou da institucionalização da ética em livro específico sobre o tema, no qual se concluiu que o direito e a ética se complementam, embora não se confundam. Em regra essas duas ciências humanas corroboram para a resolução de conflitos sociais. Dessa forma, ao confeccionar um código de ética o gestor está trazendo a força do direito para observância da ética tanto no âmbito da Administração Privada quanto da Pública.

Na Antiguidade Ética e Política eram indissociáveis, da mesma forma Direito e Justiça. E o homem é um animal político: a vida ética e a vida política são artes de viver segundo a razão. Segundo Aristóteles, ética e política são noções que se completam em busca da justiça.

A partir do século XVI, Maquiavel dissocia ética da política. Maquiavel rompe com essa forma de subordinação da política aos ditames da moral convencional e afirma que a política tem uma lógica própria e razões nem sempre compatíveis com princípios consagrados pela tradição, o que não deveria ter mais sentido na sociedade atual. Entretanto, ao que se percebe a ética ainda parece caminhar longe da política.

A ideia deste artigo é explicar a relação entre compliance e Administração Pública, para tanto será composto de sete capítulos curtos, sendo uma introdução, cinco de desenvolvimento e as considerações finais.

O primeiro capítulo do desenvolvimento explica a relação entre ética e política, o segundo capítulo do desenvolvimento tenta conceituar a ética; no quarto capítulo explica-se a diferença entre normas jurídicas e normas morais; no quinto capítulo será explicada como funciona a ética na Administração Pública Municipal; no sexto capítulo explica-se o conceito de compliance  e sua ideia tanto na Administração Privada quanto na Pública. No último capítulo serão traçadas considerações finais.  

A relação da ética com o direito e a administração pública não pode ser banalizada, destarte, ao se instituir códigos de ética e começar a agir de acordo com as regras, demonstra-se, ao menos em tese, a preocupação por essa temática no seio da cúpula da gestão pública ou privada.

  1. RELAÇÃO ENTRE ÉTICA E POLÍTICA.

Nem sempre há convergência entre prática morais e políticas. Embora na atualidade a sociedade em geral esteja cansada de tantas notícias envolvendo escândalos de corrupção e posturas não condizentes com os representantes políticos (tanto na esfera do poder executivo quanto do legislativo e do Judiciário) e clama por uma sociedade mais justa, no mesmo sentido em que desde a antiguidade Platão e Aristóteles já destacavam o importante papel que a justiça deve desempenhar para a vida em sociedade. 

A ética deveria ser o norte da política. A crise política no Brasil impõe que se façam reflexões sobre o problema da ética na política. Não se pode na atualidade continuar a aplicar as idéias de Maquiavel de que existe “uma ética especial, cujos valores supremos são a estabilidade interna e a independência externa da sociedade política”, muito menos “ a concepção de que, na vida política, a importância dos fins a alcançar justifica o emprego de quaisquer meios, desde que eficazes”.

O princípio da moralidade é uma forma de responsabilização ética do administrador público para salvaguardar a superioridade da coerência material do sistema, bem como sobre a institucionalização da ética. Trata-se de uma positivação constitucional da moral, isto é, uma tentativa do legislador constitucional de inserir a ética na administração pública por meio de uma norma de direito. E isso é o que se busca ao se implementar compliance  na Administração pública.

Fala-se muito em decoro no âmbito do Poder Legislativo. O decoro é a expectativa que se tem em relação aos políticos de uma atuação individual exemplar. Seguem alguns exemplos de condutas contrárias ao decoro: o uso de expressões que configuram crime contra a honra ou que incentivam sua prática; abuso de poder; recebimento de vantagens indevidas; prática de ato irregular grave quando no desempenho de suas funções; revelação do conteúdo de debates considerados secretos. Ou seja: tem-se a ideia do decoro por meio da exclusão, já que os prórpios pares decidem se determinada atuação está ou nao em conformidde com o decoro parlamentar.

Os políticos não devem tratar os bens públicos como bens privados, a repartição pública não é uma extensão da casa do administrador, com efeito, ele não deve se utilizar das facilidades que tem como gestor para enriquecimento pessoal ao deixar o cargo. Outrossim, esses bens públicos devem ser tratados como de toda a sociedade e não como de ninguém, isto é, como se houvesse responsabilidade do seu uso. Além disso, havendo conflito entre interesse público e o privado, neste caso, deve prevalecer o interesse público. 

Códigos de ética são instituídos na tentativa de institucionalização da ética na administração pública, com o objetivo de tentar reverter o crescente ceticismo da sociedade a respeito da moralidade da administração pública e resgatar e atualizar a noção de serviço público, o que abrange inclusive o dever de prestar contas do conteúdo ético do desempenho dos servidores, em particular os que têm responsabilidade de decisão, como são os casos dos políticos, em especial os que exercem função típica do Poder Executivo (função administrativa), mesmo que em outros poderes.

Entretanto, a população não pode esperar que o mundo mudasse ficando inerte, ignorando os fatos e simplesmente criticando os políticos a afirmando que não suporta política. Cabe a citação de um trecho atribuído a Bertolt Brecht: 

O pior analfabeto é o analfabeto político. Ele não ouve, não fala, nem participa dos acontecimentos políticos. Ele não sabe o custo de vida, o preço do feijão, do peixe, da farinha, do aluguel, do sapato e do remédio dependem das decisões políticas. O analfabeto político é tão burro que se orgulha e estufa o peito dizendo que odeia a política. Não sabe o imbecil que, da sua ignorância política, nasce a prostituta, o menor abandonado, e o pior de todos os bandidos, que é o político vigarista, pilantra, corrupto e lacaio das empresas nacionais e multinacionais.

Não pode o Estado garantir tudo, apesar da idéia de que “a finalidade última do Estado só pode ser a realização da felicidade plena para todos os homens, sem exclusões ou restrições”. Sendo felicidade a vida justa, que é alcançada pela igualdade na organização de uma sociedade política – cada um exercendo a sua função particular atribuída para o bem geral da sociedade, isto é, “igualdade geométrica”. 

A população precisa ser mais atuante e participante na vida política, começando na participação em sua comunidade, em seu condomínio, em seu bairro, ampliando para o Município, Estado e União. Evitando ser massa de manobra e com a idéia do bem público ser de todos e não de ninguém. 

  1. ÉTICA.

A valorização da ética como instrumento de gestão pública insere-se, por inteiro, no esforço de revitalização e modernização da administração pública. Ademais, este é um dos aspectos que falta para torná-la não só eficiente quanto aos resultados, mas também democrática no que se refere ao modo pelo qual esses resultados são alcançados. 

Mas o que seria ética? Segundo Valls, há uma idéia tradicional de ética:

Tradicionalmente ela é entendida como um estudo ou uma reflexão, científica ou filosófica, e eventualmente até teológica, sobre os costumes ou sobre as ações humanas. Mas também chamamos de ética a própria vida, quando conforme aos costumes considerados corretos. A ética pode ser o estudo das ações ou dos costumes, e pode ser a própria realização de um tipo de comportamento.

Não se pode tratar de ética sem explicar a ideia kantiana sobre esse tema. Kant parte da análise da ética individual, desenvolvida no plano da moral e manifestada por meio do exercício autolegislador, dessa forma, uma boa ação seria a que fosse relacionada a uma disposição interior. Destarte, não se devem conceber nossas máximas como leis práticas universais, podem-se apenas concebê-las como princípios que determinam o fundamento da vontade.

Deve-se buscar a objetividade para se alcançar a lei universal, seguindo a ideia: “age de tal modo que a máxima de tua vontade possa valer-te sempre como princípio de uma legislação universal.” 

Explicando a ideia do imperativo categórico e informando que Kant não busca estabelecer um princípio moral, mas sim estabelecer um agir categoricamente e incondicionalmente, isto é, um agir moral universal, Walber Carneiro aduz:

Na moral, a ação boa é aquela que corresponde à vontade do agente, independente de qualquer obstáculo exterior, e não aquela ação condicionada pelo necessário cumprimento do dever decorrente de uma lei ou pela possibilidade de vantagem estratégica decorrente de uma determinada ação. A moralidade kantiana diz respeito a uma relação interna e incondicionada do sujeito, ao contrário da análise externa à luz de normas, que confere ao cumprimento de um dever decorrente de regras heterônomas o caráter da legalidade. 

O imperativo categórico, tendo em vista ser uma ideia poderosa e ao mesmo tempo problemática, obteve vários admiradores e muitos combatentes, em virtude da assertiva que se infere dele: o homem só deve fazer aquilo que todos podem fazer. Essa ideia foi utilizada na ética discursiva de Habermas, entretanto, esse princípio da universalização, nesta teoria, foi trazido para o âmbito do discurso.

Essa legislação universal implica numa lei moral, baseada na autonomia da vontade, que é o único princípio de todas as leis morais e dos deveres correspondentes às mesmas. Kant foi o precursor na definição do homem moderno como autodefinidor e não mais como simples ser interpretativo de significados a partir das coisas postas no mundo. 

A relação entre a moral e o direito ocorreu ao longo da história, nos primados da humanidade não fazia sentido uma divergência entre eles. A partir do desenvolvimento das sociedades, que aumentaram sua complexidade ao longo da história, surge a necessidade de se individualizar e especializar as diversas áreas do conhecimento. Dessa forma, necessário se explicar a diferença entre normas morais e normas jurídicas.

  1. NORMAS MORAIS E NORMAS JURÍDICAS

O que são normas? Normas, segundo Ferraz Júnior, são manifestações de “expectativas cuja duração é estabilizada de modo contrafático, isto é, de generalização da expectativa independente do cumprimento ou descumprimento da ação empiricamente esperada”. O objetivo das normas é prescrever determinadas condutas no sentido de como elas deveriam acontecer para conferir durabilidade e estabilização, ou seja, dever-ser.

Apesar de “o jurista contemporâneo preocupa-se, assim, com o direito que ele postula ser um todo coerente, relativamente preciso em suas determinações, orientado para uma ordem finalista, que protege a todos indistintamente”, o objeto do direito ainda parece ser a norma jurídica.

Segundo Pedro Caymmi:

A distinção entre norma jurídica e texto legal, como acima demonstrado, tem fundamento na própria natureza do Direito, que é um objeto cultural não reitificado, e, portanto, sujeito à  expressão da linguagem. Utilizando-se os postulados de Teoria Geral da Linguagem na análise da linguagem jurídica, se percebe a necessária diferenciação entre o texto expresso da lei (significante) e a norma jurídica (significado).

O que se percebe, antes de tudo, é que o direito depende muito da comunicação e que não se deve confundir a norma jurídica com o texto de lei. Além disso, o Direito além de ciência social é o estudo de normas, Kelsen já explicava:

Na afirmação evidente de que o objeto da ciência jurídica é o Direito, está contida a afirmação - menos evidente - de que são as normas jurídicas o objeto da ciência jurídica, e a conduta humana só o é na medida em que é determinada nas normas jurídicas como pressuposto ou conseqüência, ou - por outras palavras - na medida em que constitui conteúdo de normas jurídicas. (...) .

 A norma jurídica é formada por regras e princípios, ou como defende Ávila por regras, princípios e postulados, sendo que “o ordenamento jurídico estabelece a realização de fins, a preservação de valores e a manutenção ou a busca de determinados bens jurídicos essenciais à realização daqueles fins e à preservação desses valores ”.

Ademais, não há como existir um Estado Democrático sem o Direito. Até porque “o direito, assim, de um lado, protege-nos do poder arbitrário, exercido à margem de toda regulamentação, salva-nos da maioria caótica e do tirano ditatorial, dá a todos oportunidades iguais e, ao mesmo tempo, ampara os desfavorecidos .”

O que distingue a norma moral da norma jurídica é a sua institucionalização, que implica na configuração do caráter jurídico da relação de autoridade da norma, a qual será inserida na poderosa instituição do Estado, ou seja, o grau de inserção da norma no sistema normativo que pressuponha consenso anônimo e da sociedade indicará se ela é ou não jurídica.

Segundo Ferraz Júnior, a institucionalização da norma implica na configuração do caráter jurídico da relação de autoridade da norma, a qual será inserida na poderosa instituição do Estado, ou seja, o grau de inserção da norma no sistema normativo que pressuponha consenso anônimo e da sociedade indicará se ela é ou não jurídica.

Em relação à moral, a coação é interna, já quanto ao direito é externa, ou seja, o desrespeito à moral pode gerar remorso ou reprovação social, já o desrespeito ao direito implica numa repercussão externa como a prisão ou o pagamento de uma indenização; a moral é mais abrangente do que o direito; as normas morais podem ou não ser estatais, já as normas jurídicas, em regra, são positivadas pelo Estado.

A população tem depositado no direito a esperança dos conflitos na sociedade moderna:

O prestígio do direito em virtude de sua legitimidade e das suas outras características que o fazem a mais forte opção na resolução de conflitos sociais, além da utilização da comunicação, contemporaneamente facilitada pela internet, o que tem ampliado o desenvolvimento da legitimidade do direito, aumenta, assim, a sua gama de atuação. 

O direito deveria possuir um caráter subsidiário em relação à moral na resolução dos conflitos sociais, ou seja, só deveria se recorrer ao direito quando a moral fosse insuficiente para o cumprimento de determinadas exigências. E a institucionalização jurídica da ética só deve ocorrer nesse momento em que a moral precisar do direito, na sua relação complementar, para forçar o cumprimento de determinadas condutas.

  1. ÉTICA NO ÂMBITO DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA MUNICIPAL.

Há uma preocupação com as alterações patrimoniais dos políticos e gestores públicos, o que pode ser indício de corrupção, devendo-se exigir informações que demonstrem relevantes mudanças patrimoniais ocorridas durante a gestão ou o cargo.

O princípio da moralidade é uma forma de responsabilização ética do administrador público para salvaguardar a superioridade da coerência material do sistema, bem como sobre a institucionalização da ética. Trata-se de uma positivação constitucional da moral, isto é, uma tentativa do legislador constitucional de inserir a ética na administração pública por meio de uma norma de direito. E isso é que se busca ao se instituir um Código de Ética no âmbito da Administração Pública.

A institucionalização da ética tornou-se frequente no âmbito da Administração Pública e isto tem sido percebido pela criação de Comissões de Éticas e de Códigos de Ética pelos diversos entes federativos. Vários Municípios, como é o caso de Salvador, mostram-se inteirados do assunto dentro de um panorama mundial, e estão criando e implantando códigos de ética e comissões, que analisam e buscam o cumprimento de normas éticas dentro do Serviço Público Municipal. 

Daí a necessidade de, através do procedimentalismo, legitimar o Conselho de Ética, dando-lhe a autoridade merecida. Para haver a obediência às suas decisões, é preciso que o prefeito acolha as decisões dos conselheiros, fortalecendo, assim, essa instituição.

A valorização da ética como instrumento de gestão pública insere-se, por inteiro, no esforço de revitalização e modernização da administração pública. A proteção do patrimônio público e a fiscalização por via indireta devem ser fomentadas. Ao se perceber enriquecimento do gestor e dos seus familiares, decorrente de atos de gestão patrimonial por meio de transferência de bens a parentes próximos, deve-se abrir investigação o quanto antes e o afastar da gestão. Tenta-se evitar a utilização dos popularmente denominados “laranjas”, que servem para burlar não só as leis, como também a fiscalização.

É comum o uso de informações privilegiadas por parte do gestor para obtenção de acréscimo patrimonial em virtude desses conhecimentos decorrentes do cargo que ele exerce. Há grande importância no sigilo das informações confidenciais e privilegiadas. Observa-se que em caso de dúvida relacionada à situação patrimonial a autoridade não deve se omitir nem ficar inerte, ao contrário, ela tem o dever de agir.

Espera-se dos gestores públicos municipais que ajam de forma ética e respeitando à Constituição Federal e à Lei Orgânica do Município. Destarte, ao analisar a ética na Administração Pública municipal, percebe-se que ainda há um longo caminho a ser percorrido, mas que o primeiro passo pode ser dado com a criação de códigos de ética e sua aplicação.

  1. COMPLIANCE NA ADMINSITRAÇÃO PRIVADA E NA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA.

Vive-se no Brasil um momento de guerra institucional contra a corrupção, decorrente da denominada “Operação Lava-jato”, que levou a prisão de executivos e políticos de alto escalão. Quebrando-se um paradigma de que ricos e poderosos não respondem por seus atos.

Chama-se a atenção de que para cada agente corrupto há um corruptor privado. Cair na tentação e cometer desvios durante o exercício de sua função é mais fácil do que se imagina.

Outrossim, cresce a idéia de Compliance (tem origem no verbo em inglês to comply, que significa agir de acordo com uma regra, uma instrução interna, um comando ou um pedido, ou seja, estar em “compliance” é estar em conformidade com leis e regulamentos externos e internos). Esse termo hoje é utilizado até mesmo como ferramenta gerencial nas grandes corporações, alcançando uma complexidade maior do que se imagina, exigindo-se profissionais específicos para a sua instituição e obrigatoriedade de um setor específico no organograma da instituição para atuar em ceras áreas.

O Decreto Federal 8.420/2015 denomina de integridade o que tem se chamado de compliance, que se ente aqui como institucionalização da ética. Destarte, necessária a citação exata do seu art. 41: 

Art. 41.  Para fins do disposto neste Decreto, programa de integridade consiste, no âmbito de uma pessoa jurídica, no conjunto de mecanismos e procedimentos internos de integridade, auditoria e incentivo à denúncia de irregularidades e na aplicação efetiva de códigos de ética e de conduta, políticas e diretrizes com objetivo de detectar e sanar desvios, fraudes, irregularidades e atos ilícitos praticados contra a administração pública, nacional ou estrangeira. 

O Decreto supracitado regulamenta a Lei anticorrupção 12.846/13, que prevê punições pesadas para as companhias condenadas por lesar o poder público, com multas que podem chegar a até 20% de seu faturamento. 

Cerca de quatro trilhões de dólares são perdidos todos os anos com fraudes no mundo corporativo.

Um estudo global da Association of Certified Fraud Examiners (ACFE) mostra que em 2016 o tipo de fraude que mais causou prejuízo às empresas foi a contábil, seguida por corrupção e roubos ou “apropriação de ativos das empresas”, sendo este o tipo mais frequente. Reduzir fraudes nas empresas é um dos principais desafios de gestores em todo o mundo. Ainda nesse mesmo estudo é estimado que as organizações percam cerca de 5% do faturamento devido a fraudes, o que, projetado para o Produto Global Bruto, equivale a US$ 3,7 trilhões desviados anualmente no mundo.

O Triângulo da fraude amplia a probabilidade de sua ocorrência: a necessidade ou pressão, a oportunidade e a racionalização. 

A hipótese formulada por Cressey (1953) baseia-se na proposição de que pessoas que ocupam cargos de confiança tornam-se violadores, quando se veem com um problema financeiro não compartilhado, e estão cientes de que podem resolvê-lo secretamente pela violação do cargo de confiança. Para tal, os violadores são capazes de aplicar a sua própria conduta em situações que os capacitam a ajustar suas concepções de si mesmos como usuários ou proprietários dos fundos confiados. Essa hipótese é apresentada na literatura da área de gestão em três dimensões: pressão, oportunidade e racionalização e, em razão desse fato, foi reconhecida como triângulo de fraude. A pressão, também denominada como motivação, é decorrente dos problemas financeiros não compartilhados. A oportunidade pressupõe que os fraudadores têm o conhecimento e a oportunidade para cometer fraude. Enquanto a racionalização é o processo no qual um fraudador classifica o ato de perpetrar uma fraude como aceitável e justificável, tendo em vista a solução de seu problema não compartilhado.

Entende-se, todavia, que o Compliance, com áreas de controle estruturadas e canais diretos, pode reduzir essas fraudes, bem como diminuir os custos decorrentes delas. Por isso, afirma-se que Compliance é um investimento na empresa ou organização e não pode ser analisado como simples aumento de custo.

Não é possível se prever todos os casos no que se refere às vantagens decorrentes de fontes duvidosas às autoridades ou tomadores de decisão em organizações privadas. Dessa forma, é preciso que se analise caso a caso e, em havendo dúvida, deve se submeter o fato ao Conselho de Ética da organização.

Entende-se que há uma relação complementar entre ética e direito e desta relação decorre a necessidade de se utilizar a coação do direito para fazer com que determinadas normas éticas sejam cumpridas. Daí a necessidade de se institucionalizar a ética na Administração Pública e Privada.

Embora na Administração Pública, após a Constituição de 1988, já se previsse a obrigação a respeitar as leis, os princípios e a própria Constituição Federal, não sendo a discricionariedade um cheque em branco assinado pelo povo para que o gestor faça o que bem entende do erário, parece que o princípio da moralidade ainda não “pegou”.

A discricionariedade não implica – e bem o diz Diogo Figueiredo de Moreira Neto – em transportar para o direito público o princípio da autonomia da vontade da Administração. Trata-se, com ela, de bem gerir as necessidades de integração da lei, buscando, entre as várias possibilidades, nela contidas, de individualização da decisão administrativa, a alternativa mais consonante com o interesse público.

O gestor não está acima do ordenamento da empresa (no caso do particular), nem dos aspectos jurídicos ou dos princípios que regem a administração pública. Não se pode conceber uma boa administração, seja pública ou privada, regida com excesso de poder e desvio de finalidade. Dessa forma, embora a exoneração da autoridade municipal ou demissão do gestor seja um ato discricionário do chefe da organização, este deve ater-se às recomendações do Conselho de Ética, sob pena de se tratar de um órgão meramente formal e sem eficácia nas suas decisões. 

O Conselho de Ética é o órgão colegiado responsável pelos julgamentos relacionados ao descumprimento do Código de Ética da instituição. As atribuições do Conselho devem ser elencadas em Código de Ética da instituição. O Conselho de Ética deve zelar pela aplicação do Código de Conduta, logo seus membros devem atuar de forma a servir como exemplo aos demais. O órgão que recebe as denúncias relacionadas a descumprimento do Código, devendo recebê-las e proceder a apuração delas, isto é, averiguar a veracidade dos fatos, por meio de uma instrução probatória, trazendo aos autos fundamentos que sirvam para concluir o processo com uma decisão justa, pode ser Conselho de ética ou algum canal específica da organização.

  1. CONSIDERAÇÕES FINAIS.

A institucionalização da ética tem se tornado frequente no âmbito da Administração Pública, e isto tem sido percebido pela criação de Comissões de Éticas e de Códigos de Ética pelos diversos entes federativos. A ideia é que os Municípios e as demais organizações públicas ou privadas se mostrem inteiradas do assunto dentro de um panorama nacional, tentando aumentar o seu desenvolvimento em termos de normas éticas por meio da criação de Código de Ética e de Conselhos de Ética, que serão responsáveis pela implantação de normas éticas para a organização. 

A institucionalização tem o papel de permitir uma maior segurança, um consenso esperado pela sociedade. Segundo Luhmann a institucionalização possui uma característica especial, “sua função reside em uma distribuição tangível de encargos e riscos comportamentais, que tornam provável a manutenção de uma redução social vivenciada e que dão chances previsivelmente melhores a certas projeções normativas”.

Às vezes será necessário acrescentar determinados princípios éticos no catálogo dos direitos, sendo necessária a positivação para transformar a ética em direito. Segundo Alexy: 

A transformação dos direitos do homem em direito positivo é somente então necessária, quando, no fundo, é necessário ter direito positivo. São três problemas que levam à necessidade do direito: o problema do conhecimento, o problema da imposição e o problema da organização. 

A criação de códigos de ética que prevêem a possibilidade de punição de membros que hajam de encontro à ética, tenta aproximar – o que para muitos parece ser impossível – a ética da política de uma forma impositiva. Todavia, se o Chefe da organização não acatar as sugestões do Conselho de Ética, toda essa construção perde seu sentido.

Espera-se dos gestores públicos municipais que ajam de forma ética e respeitando à Constituição Federal e à Lei Orgânica do Município. Destarte, ao analisar a ética na administração pública municipal, percebe-se que ainda há um longo caminho a ser percorrido, mas que a implantação, o de um código de ética pode ser considerada o primeiro passo.  

A ideia de Compliance veio para ficar e já está sendo implantando nas grandes corporações. A ética está na moda, tem que se aproveitar esse momento para educar e ensinar, já que ética pode ser ensinada de aprendida. Acredita-se que Compliance nada mais é do que a institucionalização da ética nas organizações. 

A ideia deste artigo foi sintetizar as discussões realizadas no Primeiro Fórum Regional Sudeste da ANPM, em palestra realizada no dia 21/06/2018, que discutiu sobre a importância da institucionalização da ética na administração pública, bem como sobre o Compliance no âmbito da advocacia pública nacional.  Não se busca aqui esgotar a matéria, mas sim estimular a pesquisa e os estudos sobre o tema.

REFERÊNCIAS:

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