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A arrecadação de tributos representa, sem dúvida, a maior parcela da receita obtida pelos entes públicos. A atividade de arrecadação tributária é vinculada e obrigatória. As atividades praticadas no âmbito tributário devem ser realizadas num ambiente tecnicamente preparado, não sendo esta, ressalte-se, uma liberalidade das administrações públicas, mas, sim, uma obrigação.

A competência para executar as ações realizadas pela administração tributária, no que se refere à constituição do crédito tributário é dos auditores tributários e no que se refere à cobrança é dos procuradores, os quais têm a missão de incrementar os cofres públicos por meio de ações legais de exigência e cobrança do tributo, visando a melhoria da arrecadação para financiar as necessidades do Estado.

O crédito tributário tem início, meio e fim. A sua constituição é privativa da autoridade fiscal, segundo se infere do art. 142 do Código Tributário Nacional. Depois de constituído, o crédito é notificado ao contribuinte, que pode pagar ou apresentar recurso administrativo. Se nada for feito, ou seja, se não houver pagamento e nem impugnação do lançamento, ou se houver recurso administrativo e for desprovido, a dívida será assentada pela autoridade competente, quando então terá início o processo de cobrança judicial, por meio da execução fiscal, devendo essa cobrança ser feita obrigatoriamente por advogado público de carreira (procurador), que acompanhará a execucional até o seu final com a satisfação do crédito.

Muito embora resumido, esse é o percurso do crédito tributário. A toda essa tramitação chamamos de atividade de administração tributária, a qual pode ser retratada por um conjunto de ações praticadas pelas autoridades lançadoras (auditores tributários) e pelos advogados públicos (procuradores), que atuam no âmbito tributário e que têm por objetivo precípuo fazer com que o contribuinte cumpra os preceitos da legislação tributária e as consequentes obrigações principal e acessória, com a primordial finalidade de incrementar o erário público e não permitir que esse mesmo erário seja dilapidado. Por fim, caso a dívida não seja adimplida voluntariamente, cabe aos últimos profissionais aqui citados, cobrar os valores devidos, pela via da execução fiscal, encerrando, assim, o trajeto da ação fiscal iniciada pelos primeiros.

 As competências de ambas as autoridades, muito embora se comuniquem entre si para garantir a arrecadação, são bem delimitadas e independentes. Como se disse acima, o crédito tributário é constituído pelo Fisco, que é representado pelos auditores fiscais tributários. São esses profissionais estatais, que, se necessário e dependendo do tipo de lançamento, vão até a empresa para auditá-la, formulam questionários e pedem documentos para, enfim, autuá-los se evidenciada infração tributária. Essa autuação, repita-se, pode ser passível de recurso administrativo, sendo que a competência da autoridade lançadora vai até a definitividade desta decisão, acrescido do prazo de 30 dias, concedido ao contribuinte para pagamento e nada mais, posto que, a partir desse momento, a competência passa a ser de outro órgão (da Procuradoria), que tem o poder de averiguar se este crédito, constituído pela Fazenda está acobertado pela certeza da dívida e se os valores apurados estão corretos ou não.

A Procuradoria é que tem o poder e o dever de controlar a legalidade do lançamento tributário efetuado pelo Fisco. Nessa oportunidade, o procurador pode usar de seu poder para dizer se o crédito constituído pela autoridade lançadora foi realizado com observância ao princípio da legalidade e se não existem vícios que podem maculá-lo. O conjunto de atos administrativos em que se revela o controle da legalidade atinge a sua culminância com o assentamento da dívida tributária por ser este o último momento de que dispõe a administração para rever a legalidade dos seus atos. Essa competência se encontra, inclusive, expressamente prevista na Lei 6.830/80, que dispõe sobre a cobrança judicial da dívida ativa da Fazenda Nacional, no seu artigo 2º, senão vejamos:

“ Art. 2º (…) § 3º A inscrição, que se constitui no ato de controle administrativo da legalidade, será feita pelo órgão competente para apurar a liquidez e certeza do crédito (…)”

Tanto isso é verdade que, em Direito Tributário, podemos falar em decadência até o momento da constituição definitiva do crédito tributário, posto que a partir daí, passa-se a falar não mais dessa modalidade de extinção do crédito tributário (perda do direito de lançar), mas, sim, de prescrição, que é perda do direito de cobrar a exação. Note-se, que o próprio o Superior Tribunal de Justiça (STJ)[1] delimitou o marco inicial de contagem da prescrição como sendo o da constituição definitiva do crédito tributário.

Resumindo: decadência é a perda do direito de constituir o crédito tributário pelo lançamento, o qual é privativo das autoridades lançadoras. Já a prescrição é a perda do direito de cobrar a dívida que o contribuinte tem para com o Estado e a autoridade que tem poder para cobrar o débito do devedor é o procurador investido no cargo.

O processo de cobrança do crédito tributário do Estado tem o seu início com o esgotamento da competência da administração fazendária, que se dá com a constituição definitiva do crédito tributário. O primeiro ato preparatório para a cobrança judicial é a inscrição em dívida ativa. Ressalte-se que este papel não pode ser do secretário da Fazenda ou para quem o mesmo delegue competência, considerando que ele é mero gestor político da arrecadação e não um técnico, a quem cabe averiguar a certeza e a liquidez do crédito tributário. E também não se diga que a autoridade competente para a inscrição é aquela que a lei local indica. Não. Isso não se faz possível porque essa liberdade deve ser compatível com a Constituição Federal e com o sistema tributário, que estão a demonstrar que é da Procuradoria a competência para assentar a dívida tributária do contribuinte, o qual após a realização de tal ato administrativo passa a ser chamado de devedor.

Kiyoshi Harada é explícito, não deixando qualquer margem de dúvida a respeito da competência privativa da Procuradoria do Estado para a inscrição em dívida ativa, litteris: “(…) Daí a inscrição direta do crédito tributário resultante de lançamento por homologação na dívida ativa. O controle interno da legalidade dos atos da Administração é feito pelo instituto da inscrição na dívida ativa. Por isso, esse ato de inscrição compete às Procuradorias Fiscais dos Estados e dos Municípios que dispõem de Procuradoria-Geral”[2]

Cabe à Procuradoria assistir a administração pública no controle da legalidade, exercer as funções de consultoria e assessoramento jurídico dos estados e municípios, promover a cobrança da dívida ativa, por meio de seus procuradores, sempre lembrando que a cobrança judicial da dívida não se inicia exatamente no tribunal, tendo o seu início justamente com a inscrição em dívida ativa, como já se frisou acima. Trata-se de um ato preparatório de formalização do título executivo especial, que tem o seu ápice junto aos tribunais comandados pelo Poder Judiciário e obviamente com a satisfação da dívida.

É tão certa a competência da Procuradoria para inscrever o crédito em dívida ativa que após esse ato, já não se fala em sigilo fiscal e um dos efeitos devastantes da inscrição em dívida ativa é justamente a publicidade do débito (art. 198, parágrafo 3º, inciso II, do CTN), que ocorre depois de esgotada a competência da unidade fazendária.

Na Magna Carta (art. 131, parágrafo 3º), o assunto aparece para consagrar uma das mais relevantes competências da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN):

Parágrafo 3º – Na execução da dívida ativa de natureza tributária, a representação da União cabe à Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, observado o disposto em lei.

Concluindo, se a competência para inscrever o crédito oriundo da União é dos procuradores da Fazenda Nacional, o mesmo deve ocorrer nos estados e nos municípios, com a inscrição em dívida ativa pelos procuradores desses entes, considerando a unidade do sistema tributário nacional e o seu regramento em torno do lançamento e da cobrança dos créditos tributários. Em nosso entendimento, não é possível, portanto, que leis estaduais e municipais inovem nesse sentido, determinando que a competência para assentar a dívida seja das secretarias de fazenda.


Art. 142 do Código Tributário Nacional.

Art. 2º (…) § 3º, da Lei nº 6.830/80.

[1] STJ –  AgInt no AREsp 1849073 / SP Ministro MANOEL ERHARDT (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TRF5), publicado no dia 29 de setembro de 2021.  PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. EXECUÇÃO FISCAL. AJUIZAMENTO ANTES DO ADVENTO DA LEI COMPLEMENTAR 118/2005. PRESCRIÇÃO VERIFICADA. INTERRUPÇÃO DO PRAZO CONDICIONADO À CITAÇÃO VÁLIDA. INAPLICABILIDADE DA SÚMULA 106/STJ. RESOLUÇÃO DA CONTROVÉRSIA PELO TRIBUNAL DE ORIGEM COM BASE NO ACERVO FÁTICO-PROBATÓRIO DOS AUTOS. IMPOSSIBILIDADE DE REEXAME NA VIA ESPECIAL. AGRAVO INTERNO DO MUNICÍPIO NÃO PROVIDO. 1. O prazo prescricional para a cobrança do crédito tributário é de 5 (cinco) anos contados de sua constituição definitiva, a teor do art. 174 do CTN, sendo que, para as execuções ajuizadas antes do advento da LC 118/2005, como na hipótese somente a citação pessoal teria o condão de interromper seu transcurso, o que não ocorreu na vertente hipótese. Prescrição mantida. 2. Em relação à aplicação ou não do enunciado 106 da Súmula do STJ, esta Corte firmou o entendimento de que a verificação de responsabilidade pela demora na prática dos atos processuais implica indispensável reexame de matéria fático-probatória, o que é vedado a esta Corte Superior, na estreita via do Recurso Especial, ante o disposto na Súmula 7/STJ. (REsp. 1.102.431/RJ, Rel. Min. LUIZ FUX, PRIMEIRA SEÇÃO, DJe 1º/2/2010). 3. Agravo Interno do município não provido.

[2] HARADA, KIYOSHI. Lançamento por homologação. Exigência de notificação prévia do contribuinte para inscrição na dívida ativa. Disponível no seguinte endereço eletrônico: <http://jus.uol.com.br/revista/texto/7500/lancamento-por-homologacao> Acesso em 29 de maio de 2011.

Art. 198, parágrafo 3º, inciso II, do CTN.

Art. 131, parágrafo 3º, da Constituição Federal.

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