Por: Cleide Regina Furlani Pompermaier,
Procuradora do Município de Blumenau. Especialista em Direito Tributário pela Universidade Federal de Santa Catarina. Especialista em Mediação Conciliação e Arbitragem pela Faculdade Verbo Educacional do Rio Grande do Sul. Especialista em Direito Tributário Municipal, pela Faculdade Verbo Educacional do Rio Grande do Sul. Membro titular do grupo de análise jurídica à Implementação da Reforma da Tributação sobre o Consumo, criado pela Portaria do Ministério da Fazenda nº 34, de 11 de janeiro de 2024. Membro fundador e Conselheira Superior de Orientação do Instituto Brasileiro de Estudos de Direito Administrativo, Financeiro e Tributário - IBDAFT, uma das autoras do projeto e membro da Câmara de transação tributária do município de Blumenau, uma das vencedoras do PRÊMIO INNOVARE do ano de 2020, palestrante em temas jurídicos tributários, autora da obra “O ISS NOS SERVIÇOS NOTARIAS E DE REGISTROS PÚBLICOS” e demais artigos científicos publicados em vários sites e revistas jurídicas especializadas. Foi membro da Comissão de Juristas da Desburocratização do Senado Federal. Foi professora Universitária da Universidade Regional de Blumenau – FURB e da Faculdade Franciscana – FAE na disciplina de Direito Tributário e membro da Comissão de Tributação da OAB, seccional de Santa Catarina. Publicado pelo Portal da CNM no dia 30/07/2025. Publicado pelo Portal da CNM no dia 30/07/2025.
A Lei Complementar nº 214, de 16 de janeiro de 2025 regulamenta a Reforma Tributária brasileira, que trata da tributação sobre o consumo. Essa importante norma instituiu dois novos tributos, o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), de competência compartilhada por Estados e Municípios, e a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), de competência da União, em substituição ao PIS, COFINS, ICMS, ISS. Além dessas novas incidências tributárias, criou-se o Imposto Seletivo (IS), voltado a onerar produtos considerados “nocivos” à saúde ou ao meio ambiente.
Nesse contexto, a LC nº 214/2025 também estabelece diversos tratamentos tributários favorecidos para setores e produtos estratégicos, conforme autorizado pela Emenda Constitucional nº 132/2023, que permitiu redução de alíquotas-padrão para itens essenciais. Um desses setores beneficiados é o agronegócio, em especial no que tange aos insumos agropecuários, categoria na qual se incluem os defensivos agrícolas, também conhecidos como agrotóxicos.
Do ponto de vista jurídico-tributário, a LC nº 214/2025 dá tratamento favorecido aos defensivos agrícolas, classificando-os como insumos agropecuários essenciais.
O art. 138 da LC 214/2025, estabelece que que:
Art. 138. Ficam reduzidas em 60% (sessenta por cento) as alíquotas do IBS e da CBS incidentes sobre o fornecimento dos insumos agropecuários e aquícolas relacionados no Anexo IX desta Lei Complementar, com a especificação das respectivas classificações da NCM/SH e da NBS.
I - fornecimento realizado por contribuinte sujeito ao regime regular do IBS e da CBS para:
II - importação realizada por:
Na prática, isso significa que os defensivos agrícolas, tais como inseticidas, fungicidas, herbicidas e demais agrotóxicos destinados ao uso na produção agropecuária, pagarão apenas 40% da alíquota padrão desses tributos. Assim, se a alíquota-padrão do IVA vier a ser em torno de 28%, conforme está sendo previsto pela União, os defensivos agrícolas seriam tributados em aproximadamente 11,2%, conforme previsão do Sindifisco de Minas Gerais[2].
Essa redução representa em grande medida os incentivos fiscais que o setor do Agro já possui atualmente, que conta com redução da base de cálculo de ICMS (Convênio ICMS 100/1997), isenção de IPI e isenção de PIS/COFINS para vários produtos no item 38.08 da NCM (Nomenclatura Comum do Mercosul).
Importante destacar que a própria LC nº 214/2025 detalha no anexo IX (item 6), quais itens são considerados “insumos agropecuários” beneficiados, estando listados expressamente os “inseticidas, fungicidas, formicidas, herbicidas, parasiticidas, germicidas, acaricidas, nematicidas, raticidas, desfolhantes, dessecantes, espalhantes adesivos, estimuladores e inibidores de crescimento (reguladores); todos destinados diretamente ao uso agropecuário ou destinados diretamente à fabricação de defensivo agropecuário; em conformidade com as definições e demais requisitos da legislação específica”.
O item 5 inclui “bioestimulantes e bioinsumos para controle fitossanitário”, demonstrando que produtos biológicos de controle de pragas também gozam do benefício de redução de alíquota do IBS e da CBS, garantindo que tanto os agrotóxicos convencionais quanto alternativas biológicas estejam contemplados na redução tributária, prevista no art. 138 da LC 214/2025, o que vem a reforçar a ideia de estímulo geral a insumos produtivos do setor agrícola.
Muito importante frisar, entretanto, que a LC nº 214/2025, no § 1º, do art. 138, dispõe que apenas produtos devidamente registrados como insumos agrícolas no órgão competente do Ministério da Agricultura podem usufruir da referenciada redução, quando tal registro for exigido, o que assegura o bem-estar do meio ambiente e da saúde pública, eis que somente defensivos aprovados e regulados poderão receber o benefício fiscal de redução de alíquota.
Além da redução de alíquota, as mudanças advindas com a reforma tributária trazem um mecanismo de diferimento do IBS/CBS nas operações com insumos agropecuários, que incluem os defensivos agrícolas.
Pelo que se depreende do art. 138, § 2º da LC 214/2025, o recolhimento dos novos tributos para o segmento aqui tratado fica postergado para determinadas etapas da cadeia. Por exemplo: nessa sistemática de pagamento, uma indústria química pode vender o produto sem cobrar imediatamente o IBS/CBS, desde que o comprador seja outro contribuinte regular ou um produtor rural habilitado. Nessas hipóteses, os tributos ficam “suspensos” para serem recolhidos apenas na etapa seguinte. Ou seja, quando o produtor rural beneficiado vender sua produção agrícola para um adquirente tributado na etapa final da cadeia.
Ao menos em tese, isso permite que o vendedor ofereça o insumo a um custo menor, melhorando o fluxo de caixa do produtor rural, que só arcará com o tributo quando obtiver receita com a venda de sua safra, havendo, assim, um alívio financeiro ao produtor.
Também deve-se mencionar que, se a cadeia produtiva terminar em venda para consumidores finais, por exemplo, pela nova sistemática haverá o encerramento do diferimento, devendo ser pago o tributo na forma de redução proporcional de créditos presumidos ou cobrança final, conforme o caso.
Sob a ótica econômica, os benefícios fiscais concedidos aos defensivos agrícolas pela LC 214/2025 visam preservar a competitividade e a produtividade do agronegócio brasileiro, bem como evitar impactos inflacionários nos preços de alimentos.
Os defensivos agrícolas, ainda que corretamente contestados por conta do comprometimento ambiental, práticas nocivas à biodiversidade, à saúde coletiva e à segurança alimentar, são insumos cruciais para a produtividade ainda mais em plantações como as de soja, milho, cana-de-açúcar etc., as quais dependem fortemente do uso de agrotóxicos para controle de pragas e doenças.
Sem o benefício tributário apontado no art. 138 da LC nº 214/2025, a incidência integral de um IVA numa alíquota de 28% nesses produtos encareceria significativamente os custos de produção, podendo elevar os custos dos alimentos, reduzir a margem de lucro dos produtores, sendo esse um dos motivos que os insumos agropecuários foram reconhecidos como itens de caráter essencial, justificando tratamento diferenciado.
Essas previsões na regulamentação da reforma tributária são necessárias, enfim, para a harmonização nacional do novo sistema tributário e para evitar distorções, mantendo-se, ainda assim, uma carga favorecida menor que a alíquota cheia.
A tributação favorecida dos defensivos agrícolas suscita discussões no âmbito ambiental. Por um lado, a manutenção de impostos reduzidos sobre agrotóxicos é criticada por organizações ambientais e de saúde pública, sob o argumento de que produtos potencialmente danosos ao meio ambiente não deveriam ser beneficiados fiscalmente, pois isso estimula seu uso. A Reforma Tributária trouxe justamente o Imposto Seletivo “imposto do pecado” como instrumento para desestimular bens nocivos, com base em critérios técnicos de prejuízo à saúde ou ao ecossistema, entretanto, a nova sistemática tributária não incluiu os defensivos agrícolas na lista de incidência do Imposto Seletivo. Muito pelo contrário: tratou tais defensivo agrícolas como insumos essenciais, isentando-os de qualquer cobrança seletiva extra, ao menos até segunda ordem.
Em cenários futuros, caso a regulação da União venha a classificar certos defensivos químicos como excessivamente nocivos, nada impede que se proponha incluí-los na incidência do Imposto Seletivo via legislação ordinária.
Interessante trazer a lume, igualmente, a ADI nº 5553, proposta pelo Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) em 2016, e que questiona a constitucionalidade de benefícios fiscais concedidos a agrotóxicos (defensivos agrícolas) no Brasil. Na pauta da Corte Constitucional estão normas que reduzem a tributação desses produtos – especialmente dispositivos do Convênio ICMS 100/1997, do Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz), e da legislação federal – que zera a alíquota do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) para determinados pesticidas.
Trata-se de um caso emblemático que contrapõe, de um lado, preocupações constitucionais com a saúde pública e o meio ambiente equilibrado, e de outro, os interesses do agronegócio e das políticas fiscais de incentivo à produção agrícola. O julgamento da ADI 5553 no Supremo Tribunal Federal (STF) ganhou atenção especial devido ao seu potencial impacto no ordenamento tributário nacional e na interpretação de princípios constitucionais fundamentais.
O trâmite do caso no STF está sendo marcado por sucessivos adiamentos. O julgamento teve início no Plenário Virtual em 2020, quando o relator Ministro Fachin disponibilizou seu voto. Entretanto, o Ministro Gilmar Mendes pediu vista, tendo o julgamento sido retomado apenas em 2023, com voto divergente. Depois do pedido de vista pelo Ministro André Mendonça, em 2023, a Ministra Cármen Lúcia também pediu vista do processo. Somente em março de 2024 o processo voltou e, em 2 de abril de 2024, o ministro André Mendonça realizou um pedido de destaque, retirando o caso do plenário virtual e levando-o ao plenário físico.
Com o destaque, o julgamento teve de ser reiniciado do zero em sessão presencial, desconsiderando-se os votos até então proferidos, esperando-se que o caso seja finalmente julgado pelo plenário presencial do STF, possivelmente ainda em 2025.
Até o pedido de destaque feito pelo Ministro André Mendonça, em abril de 2024, oito ministros já haviam se manifestado sobre o mérito da ADI 5553. Em resumo, tínhamos: dois votos favoráveis à ADI (Fachin e Cármen Lúcia); quatro votos pela manutenção dos benefícios (Gilmar Mendes, Alexandre de Moraes, Dias Toffoli e Cristiano Zanin), e dois votos intermediários (André Mendonça e Flávio Dino). Restavam sem voto os ministros Luís Roberto Barroso, Luiz Fux e Nunes Marques, que não chegaram a apresentar os seus votos antes da migração do processo para o plenário físico.
Se o segmento do Agronegócio tiver uma decisão favorável, as cláusulas do Convênio 100/97 serão mantidas e, bem assim também, as normas de IPI que reduzem ou isentam os agrotóxicos. Com isso, produtos como pesticidas, herbicidas, fungicidas etc. continuarão a ser tributados como ocorre atualmente. Se a decisão for desfavorável ao agro, os defensores agrícolas passariam a ser tributados pelas alíquotas integrais de ICMS e a incidir o IPI conforme a TIPI vigente.
A indagação que resta é a seguinte: a decisão a ser proferida pelo STF terá reflexos com o novo cenário normativo tributário decorrente da reforma tributária?
A ADI nº 5553 representa um marco. Se o STF confirmar a inconstitucionalidade das isenções fiscais a agrotóxicos, afirmará o comprometimento com a vida, com a saúde coletiva e com o meio ambiente ecologicamente equilibrado.
Essa conclusão não poderá fugir das incidências tributárias, não podendo o fisco ser utilizado para privilegiar atividades nocivas em detrimento do entendimento da Corte Constitucional. Qualquer entendimento pela inconstitucionalidade das normas atuais contribuirá para aprofundar a efetividade dos princípios constitucionais ambientais, colocando o Brasil em sintonia com uma tendência global de vincular instrumentos econômicos, como os tributos, à promoção de sustentabilidade e bem-estar social.
Mas vale lembrar que se o STF julgar procedente a ADI 5553, essa decisão terá efeitos apenas sobre os benefícios fiscais do ICMS, IPI, PIS/COFINS anteriores à EC 132/2023, não podendo alcançar os benefícios atualmente previstos na LC 214/2025, pois esses são amparados em dispositivos constitucionais supervenientes.
Portanto, em nosso entendimento, mesmo que a ADI nº 5553 venha a ser julgada procedente, essa decisão não poderá alcançar os benefícios ao agronegócio concedidos pela LC 214, à luz da reforma tributária.
Por outro lado, caso o STF opte por julgar a ação improcedente, prevalecerá a ideia de que cabe ao legislador fazer esse balanceamento de políticas, o que significará uma continuidade dos benefícios fiscais aos defensores agrícolas ao menos até que se estabeleça uma política mais eficaz do controle de nocividade dos agrotóxicos e eventual mudança nas legislações que tratem do tema.
Por isso que a palavra final do Supremo Tribunal Federal sobre esse tema é tão importante e aguardada pela sociedade. Porque ou, se resolve a utilização do agrotóxico com vista aos princípios constitucionais, ou pela via política fora dos tribunais.
[2] Os Insumos agropecuários e a Reforma Tributária. Disponível no seguinte endereço eletrônico: <https://www.sindifisco-ms.org.br/os-insumos-agropecuarios-e-a-reforma-tributaria>. Acesso no dia 30 de junho de 2025.
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