Voz do Associado qui, 25 de junho de 2020
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Por: Sílvio Lins de Albuquerque, procurador do município de Recife/PE

Parecia uma comum manhã de sábado, ainda na primeira quinzena de março, assistindo aula na pós-graduação, recebo ligação e já ali convocado para iniciar a elaboração de atos normativos que inaugurariam uma série de normas pertinentes às situações da saúde pública do Recife imposta pelo novo coronavírus.

Esse inimigo invisível, sem deixar o continente Asiático, avançava pela Europa e dava sinais da sua incursão no nosso território brasileiro.

Com alguns outros colegas fomos destacados pelo Procurador-geral do Município, Rafael Figueiredo, para compor a equipe do enfrentamento à COVID-19. Unidos, criamos musculatura, junto ao time de excelência, os colegas Procuradores do Município do Recife e toda a equipe da PGM.

Tínhamos o desafio de entender a dimensão do impacto na saúde da população recifense, na economia, na educação, no lazer, readequar o funcionamento do serviço público municipal e dos seus equipamentos, auxiliar e entregar soluções jurídicas capazes de alicerçar com segurança a tomada de decisões dos gestores.

Essa situação de saúde pública exigiu acentuada produção jurídica: auxiliamos nas portarias, nos decretos, editais. Juntos resultaram em mais de 90 normas apenas naquele mês de março, além dos pareceres, reuniões e consultas.

A dedicação tem sido integral, aliás, a COVID-19 não descansa e exige a prontidão.

Como nasci em 1971, vivenciei a enchente, em julho de 1975, no nosso Recife. Guardo lembranças, ainda criança, da rua Guimarães Peixoto tomada pela água e sendo recebido por generosos vizinhos no seu primeiro andar, preservando a saúde e segurança da família.

O inimigo atual é mais sorrateiro, invisível, parece adaptar-se aos continentes, revela inteligência e aperfeiçoa o ataque, traiçoeiro, ceifa vidas e, quando as poupa, abala a paz e a saúde emocional das pessoas. Esnoba dos medicamentos existentes e da tecnologia desenvolvida desde a gripe espanhola. Desafia os profissionais da saúde, nossos autênticos heróis, expressão da mais brava gente.

O isolamento social é a arma mais eficaz, enquanto não sobrevier a vacina que cause a imunidade na população.

O não beijar e o não abraçar passam a ser a maior expressão de afeto e respeito. Não visitar nossos idosos, não ir à missa aos domingos, não apertar as mãos. Irmãos e amigos sem se visitarem. Tudo bem diferente. O mundo virtual passou a ser a ferramenta que mais aproxima. Quebram-se paradigmas.

Há necessidade de se dividir mais ainda o pão, especialmente com aqueles que não conseguem trabalhar ou perderam o emprego, a renda.

Esse cenário fático e inquietante gerou reflexos em todo o mundo jurídico, decisões desafiadoras são proferidas, legislação que inaugura um Direito Temporário, interpretações que reclamam a lucidez, a compreensão da realidade atual, o formalismo. A frieza cede à sensibilidade do julgador. Exige-se dos órgãos de controle a percepção da essência, ante a emergência de saúde pública internacional da pandemia do novo coronavírus.

Na linha de frente, não nos furtamos ao chamado diário, saindo de casa todos os dias, correndo riscos, inclusive nos finais de semana, de modo a assegurar o atendimento da urgência do povo diante de tantas novas normas e do desafio da readequação social.

Algo curioso, que nos remete ainda à cheia de 1975, são lamentáveis “fake news”, naquela época os terríveis boatos: “Tapacurá estourou”. Causou terror. Mensagens desprezíveis que desinformam, afligem e retiram a paz, gerando desarmonia e fragilizando as diretrizes da condução assertiva.

Fabricar falácias, a pretexto de combater o inimigo, é um ato repudiado... o inimigo do povo, inobstante invisível, é bem conhecido, o novo coronavírus.

O momento exige a união, avançar com a comunidade científica, ter empatia com os menos favorecidos, ser solidário. Deve-se proclamar a união de todos pela vida. Ir à Prefeitura do Recife passou a significar ir ajudar a salvar vidas.

A representação do Município a cargo da Procuradoria ganha uma dimensão que exige uma sensibilidade ao momento de excepcionalidade em que a necessidade vivida na interpretação dos atos administrativos, sobretudo aqueles não sujeitos ao processo licitatório, mas que nem por isso são desprovidos da legalidade e legitimidade.

Somos convidados, sem chance de nos furtar, a exercer o sentimento de justiça em meio a incertezas, desde a saúde até o julgo da idoneidade de todos os agentes públicos. Uma complexidade de fatos e circunstâncias, imbuindo todos a garantir condições necessárias a salvar vidas.

Atentar aos propósito dos gestores, suas equipes, pessoas admiráveis, motivadas pela coragem de se exporem ao erro, suportarem a incompreensão e o julgo desarrazoado, para compartilhar o acerto, buscar a correção, ainda que com órgãos de controle em uma construção de diálogo cooperativo, que deve sempre ser almejado. São autênticos missionários, que desenvolvem seu mister por paixão e amor ao próximo. Neles eu me inspiro e venço a fadiga e a exaustão. São gigantes, renovam e dão ainda mais significado a essa luta.

A história do Recife, do nosso Pernambuco, deve ser marcada por esse comando político que não fragmenta, que une e reúne. A prática que desestrutura o desenvolvimento humano deve ser abandonada e isso nos ajuda a pacificar o fragilizado sentimento do nosso povo, sobretudo diante das ameaças e destruições perpetradas por esse novo coronavírus.
Seja enaltecida a união.

A sociedade civil organizada, os nossos órgãos de controle e as entidades públicas devem se aperfeiçoar cada vez mais, especialmente neste momento desafiador, e se colocar voltados aos anseios do seu povo. O direito à saúde e ao tratamento digno se impõe.

Se houver ressentimentos, esqueçam. O apreço à paz e à vida deve prevalecer.

A advocacia pública adquire uma dimensão para além da letra fria da lei, impondo-lhe a extração do verdadeiro propósito de existir e servir à população.

Essa brava gente não merece ser intimidada, precisamos que siga adiante, e unidos, nós pernambucanos, devemos buscar os horizontes dos nossos coqueirais e garantir esse direito de estarmos vivos, disseminando sempre a paz.

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