Voz do Associado qui, 30 de abril de 2020
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Por: Gustavo Machado Tavares
Diretor de Filiação. Planejamento e Estruturação da ANPM. Presidente da APMR. Procurador do Município do Recife/PE. Publicado no dia 23 de abril pelo Migalhas.

 

O novo coronavírus – covid-19 levou a Organização Mundial de Saúde – OMS a declarar o estado de pandemia e, devido a todos os impactos sanitários, econômicos e sociais que vem provocando, o Brasil, nos últimos quinze dias, vive uma realidade inusitada nunca pensada, ao menos, para gerações mais novas. Sem aviso prévio, a dinâmica do país.

De uma hora para outra, todos fomos convocados ao distanciamento social, a fim de, tanto quanto possível, achatar a linha da curva de transmissão do covid-19 - de modo a propiciar tempo para que os Estados se organizem, em termos de política pública de saúde, para atenuar o impacto dela e diminuir o número de vítimas fatais.

E, nesse isolamento, todos nós fomos/somos chamados à reflexão do que está acontecendo e do que está a porvir. Várias lições, decerto, serão extraídas e o futuro nos apresentará o que, efetivamente, a humanidade poderá assimilar para mudar a rota da sua trajetória e escrever um novo capítulo do livro da sua existência.

Dentre tantas lições, uma que para já se apresenta é a necessidade imperiosa de um Estado forte – não inchado -, garantidor e prestador de serviços públicos.

É preciso, portanto, recobrar a noção da essência e da importância do Estado, mormente quando nos últimos tempos não faltaram vozes para atacá-lo, diminuindo a sua relevância e relegando, no mais das vezes, a uma função meramente de observador.

Ora, se é certo que em áreas específicas deve o Estado cumprir um papel regulador, não menos correto é que o Estado deve ser o ente que concretiza direitos fundamentais, satisfazendo necessidades coletivas, através de políticas públicas de saúde, educação, segurança, justiça, dentre outras...

Se assim o é, e a par da conjuntura imposta pela pandemia do covid-19, é oportuno ressaltar o magnifico trabalho desenvolvido por todos os agentes públicos. Vale, aqui, chamar atenção para aqueles que, no mais das vezes, passam desapercebidos de conhecimento da grande população, quais sejam: os advogados públicos.

São esses servidores públicos que, integrantes de órgãos públicos – comumente denominadas de procuradorias-gerais nos municípios e Estados e Advocacia Geral da União no âmbito federal – exercem atividades-meios nas estruturas dos respectivos Poderes Executivos.

São esses agentes públicos que entregam as soluções jurídicas - seja na assessoria e na consultoria jurídica, seja no contencioso administrativo e judicial - adequadas e aptas à viabilização das políticas públicas.

Não por acaso, o Presidente da República, no último dia 25, editou o decreto 10.292/20, que preconiza as atividades da Advocacia Pública como serviços públicos essenciais. Veja-se o seu artigo 3º, inciso XXXVIII – “atividades de representação judicial e extrajudicial, assessoria e consultoria jurídicas exercidas pelas advocacias públicas, relacionadas à prestação regular e tempestiva dos serviços públicos”.

O referido ato normativo seguiu a engenharia constitucional do Estado Brasileiro, uma vez que a Carta de 1988, ao tratar da Advocacia Pública no artigo 132, considerou a atividade como uma das funções essenciais à Justiça.

Sublinhe-se que não poderia ser diferente. A Constituição Federal preconizou, em seu em seu artigo 1º, que a República Federativa do Brasil se constitui em um Estado Democrático de Direito, estabelecendo como fundamentos, dentre outros, a cidadania e a dignidade da pessoa humana, bem assim em seu art. 5º uma série de direitos e garantias fundamentais. E mais, no art. 3º, a Carta Constitucional prevê como objetivos fundamentais construir uma sociedade livre, justa e solidária, e promover o bem de todos, etc.

Ora, se o desenho constitucional impõe ao Estado Brasileiro uma série de deveres, é intuitivo que o arcabouço normativo deva dispor os meios indispensáveis para a efetivação daqueles direitos, promovidos pelo Estado, sob pena de fazer-se tábua rasa e tornarem-se inoperantes os citados dispositivos constitucionais. É o que se denomina de doutrina dos poderes implícitos.

A par disso, é que se faz necessário a existência de instituições que, livres de pressões não republicanas, possam exercer as atribuições que lhe são próprias e essenciais à concretização do bem comum. É dizer: das funções essenciais à Justiça.

E uma dessas instituições é justamente a Advocacia Pública. Nessa ordem de ideias e não por acaso, o Supremo Tribunal Federal, nos autos do RE 663.696/MG, em sede de repercussão geral, expressamente, considerou a Advocacia Pública Municipal como uma das funções essenciais à Justiça (Tese 510).

É esse, pois, o desenho constitucional da Advocacia Pública Brasileira.

À título de exemplo da indispensabilidade da função, mormente nesse período de pandemia, a procuradoria-geral do município do Recife integra o Comitê Municipal de Resposta Rápida ao covid-19. Nesse sentido, os procuradores: prestam auxílio direto ao prefeito do Recife, participando de reuniões e atendendo às convocações, sem horário e sem demora, do Chefe do Executivo; participam de reuniões com Secretários Municipais, auxiliando-os nas tomadas de decisões e planejamentos das medidas emergenciais; auxiliam na definição de procedimentos de contratações públicas emergenciais, especialmente na redefinição e elaboração de contratos; elaboram projetos de lei, decretos, editais e demais instrumentos de caráter emergencial; elaboram projetos de lei e decretos de inteligência fiscal; ajuízam medidas judiciais urgentes; prestam consultas/orientações em tempo real e com disponibilidade 24h; etc.

Por sua vez, a procuradoria-geral do município de São Paulo conseguiu levamento judicial do importe de R$ 53.343.386,01 (cinquenta e três milhões, trezentos e quarenta e três mil, trezentos e oitenta e seis reais e um centavo), após formulação de pedido incidental relativo a valores incontroversos nos autos de uma ação de consignação em pagamento. Esses valores serão aplicados nas medidas de enfrentamento e combate à pandemia novo coronavírus.

Já a procuradoria-geral de Imperatriz, município do Estado do Maranhão, obteve, junto ao Ministério Público do Trabalho, a conversão de multas trabalhistas para a aquisição de ventiladores pulmonares, equipamentos esses que serão destinados para a rede municipal de saúde.

A procuradoria-geral de Camaçari, município do Estado da Bahia, conseguiu decisão judicial para que as operadoras de telefonia disponibilizem o telefone 156 para atender os casos do novo coronavírus em até 48 horas após o pedido, isso porque as empresas alegavam que o prazo de efetivação levaria de 45 a 60 dias, tempo esse incompatível com o momento atual.

A procuradoria-geral do município de Maceió, em conjunto com o gabinete do prefeito e com o gabinete de Governança, elaboraram decreto detalhando as medidas temporárias de combate e de prevenção à pandemia do covid-19.

Tratam-se apenas de alguns exemplos como Advocacia Pública vem atuando no cenário da pandemia do novo coronavírus, dentre tantos outros exercidos com brilhantismo no país.

À guisa de conclusão, a Advocacia Pública é um órgão público de musculatura e dignidade constitucionais, encontrando-se na linha de frente da concretização dos direitos fundamentais e das necessidades coletivas.

Advocacia Pública: essencial, porque essencial é o Estado Brasileiro.

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