Voz do Associado qua, 07 de junho de 2023
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Por: Cleide Furlani Pompermaier,
Procuradora do Município de Blumenau. Especialista em Direito Tributário pela Universidade Federal de Santa Catarina. Especialista em Mediação Conciliação e Arbitragem pela Faculdade Verbo Educacional, do Rio Grande do Sul, membro fundador do Instituto Brasileiro de Estudos de Direito Administrativo, Financeiro e Tributário - IBDAFT. É uma das autoras do projeto e membro da Câmara de transação tributária do município de Blumenau e uma das vencedoras do PRÊMIO INNOVARE 2020.Palestrante em temas jurídicos tributários, autora da obra jurídica “O ISS E OS SERVIÇOS NOTARIAIS E DE REGISTROS PÚBLICOS” e demais artigos científicos publicados em vários sites e revistas jurídicas especializadas. Foi membro da Comissão de Juristas da Desburocratização do Senado Federal. Foi professora Universitária da Universidade Regional de Blumenau – FURB e da Faculdade Franciscana – FAE na disciplina de Direito Tributário e membro da Comissão de Tributação da OAB, seccional de Santa Catarina. Publicado pelo Valor Econômico no dia 1 de junho de 2023.

        A luta contra a desinformação é um esforço coletivo. O fato é que desinformação deve ser desincentivada não somente pela regulamentação da web, mas, também, pelo aspecto econômico, social, financeiro e, principalmente, tributário, pela via da extrafiscalidade tributária, que entra nesse processo, como forma de estimular condutas que inibam as notícias falsas, podendo essas boas práticas gerar incentivos fiscais e, igualmente, condições para a realização da transação tributária, fazendo com que o governo assuma uma nova postura tributária perante a sociedade quanto a esse relevante tema, implementando políticas de busca da verdade digital.

           As fake news adulteram o processo de formação de ideias e têm como objetivo o controle da opinião pública. Elas são uma arma de guerra e a persuasão é processo mais eficaz para se criar um consenso político. Quem possui o poder de persuasão, tem a consolidação do sistema. Um dos objetivos da divulgação das notícias falsas é justamente alimentar o clima de medo, podendo-se afirmar que a internet destruiu o orgulho da informação.

          A desinformação apresenta sempre um caráter de novidade e é construída para parecer que é relevante e útil a ponto de interessar o leitor, que acaba compartilhando a notícia falsa. Uns a utilizam para ganhar dinheiro, outros para criar pressão política ou, ainda, pelo simples gosto de causar problemas e gerar confusão.

         As fake news não são novidade. Os sofistas da antiga Grécia já diziam: “Se você pode controlar a opinião das pessoas, você tem um poder absoluto”, lembrando que esses “pensadores” eram instrutores itinerantes controlados para ensinar retórica para fins políticos e o faziam unicamente por dinheiro. Também é de conhecimento histórico que, durante a guerra fria, os países implicados difundiam fake news como material de propaganda.

         A doutrina aponta três modalidades de fake news: a) Misinformation, que ocorre quando os conteúdos falsos são difundidos acidentalmente, considerando que os usuários estão certos de que o conteúdo é verdadeiro e de interesse social; b) Malinformation, quando as informações são publicadas fora de contexto com o intuito de criar consequências adversas, sendo compartilhadas para causar danos e c) Desinformation, quando o conteúdo da notícia difundida é intencionalmente falso e é transmitida para causar consequências danosas.

         O antídoto para a desinformação é a boa informação e, para tanto, é necessário que o cidadão esteja apto a reconhecer o funcionamento da notícia, devendo ele ser alfabetizado para essa nova realidade;  isso vale tanto para crianças de cinco anos como para um idoso de oitenta.

        A alfabetização midiática, como é conhecida mundialmente, é incentivada pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura - UNESCO, a qual publicou, ainda em 2016, um E-book[1] sobre o tema, traduzido, inclusive, para a língua portuguesa, com o objetivo de “oferecer aos gestores de políticas uma estrutura estratégica, com o apoio de informações baseadas em evidências, para que realizem ações concretas que garantam a todos os cidadãos a aquisição de competências midiáticas e informacionais”[2].

         Segundo a UNESCO “somente depois de garantir a todas as pessoas as competências necessárias para que elas participem das sociedades do conhecimento é que, juntos, poderemos avançar na agenda de desenvolvimento internacional em direção a um mundo no qual prevaleçam a paz, a liberdade e a igualdade”.[3]

         Fala-se muito também na necessidade de regulamentação da web. A informação sem intermediários de conteúdos faz com que os usuários possam exprimir suas opiniões e participar do processo democrático, mas, infelizmente, essa mesma liberdade acaba trazendo sérios problemas à sociedade, porque a falsidade das informações se transforma em uma ditadura dominante, fazendo com que se busque a regulamentação das mídias digitais, porém, esse necessário regramento traz consigo dois grandes perigos: excessiva responsabilização das plataformas e uma hipervalorização de interesses que as colocam como um instrumento de repressão ideológica.

         É aí que entra a extrafiscalidade tributária, que pode ser executada quando o tributo é utilizado com outros objetivos que não apenas o da arrecadação. Geraldo Ataliba explica que “a extrafiscalidade consiste na utilização de mecanismos para obtenção de finalidades não arrecadatórias, mas estimulantes, indutoras ou coibidoras de comportamentos, tem em vista outros fins, a realização de outros valores constitucionalmente consagrados”.[4]

           A utilização do tributo como meio de fomento às atividades reputadas convenientes à sociedade como o combate à desinformação deve ser incentivada como política fiscal pela busca incessante da verdade porque atinge os fins sociais perquiridos por meio de uma menor imposição tributária.

           Nessa toada, poderia o Governo Federal, por exemplo, conceder incentivos fiscais às empresas, por período determinado, sempre que os empregadores comprovassem que os seus colaboradores frequentaram com aproveitamento cursos de alfabetização de mídias, os quais teriam como finalidade a busca da verdade digital, lembrando que, para poder se defender da desinformação, é necessário saber reconhecê-la.

           Uma das finalidades do incentivo fiscal serve exatamente para que uma determinada conduta seja estimulada em prol de uma causa que vise a promover, proteger e recuperar a sociedade de consequências maléficas causadas pelo comportamento humano, e essa motivação, no caso, é a preservação da verdade. Em outras palavras, o governo estimula a política da verdade e, em troca, o cidadão que, de alguma forma, auxiliar no combate à desinformação, poderia ser beneficiado com uma benesse tributária.

          É sempre bom lembrar que esses benefícios podem vir em forma de isenção de tributos por um tempo determinado. A regra é a tributação e a exceção é a isenção. Dessa forma, para isentar é necessário que o incentivo fiscal tenha uma finalidade clara e objetiva e prazos definidos por lei, devendo ser afastada a ideia de privilégio e de pessoalidade.

          A transação tributária, que é um método consensual de extinção do crédito e da própria lide e que exige para a sua realização, o oferecimento de concessões mútuas, também poderia ser um instrumento utilizado contra o combate às fake news dentro da ótica da extrafiscalidade, na medida em que o contribuinte devedor poderia obter descontos de sua dívida tributária e, assim, encerrar a lide, comprovando como uma das condições para poder realizar o acordo, o aproveitamento no curso de alfabetização em mídia, desde que observados, também,  os princípios da eficiência, da legalidade e da indisponibilidade do interesse público.

          Um plano de alfabetização em mídia como forma de buscar a verdade não garante obviamente o fim das fake news, pois é sabido que os criadores da desinformação continuarão sempre a procurar novas formas para enganar os usuários, mas é certo que se deve saber reconhecê-las, sendo importante também criar ordem onde não há e, sem as políticas públicas de contraste à desinformação como aquelas aconselhadas pela UNESCO adentrar-se-á em um caminho sem volta. Para que isso não ocorra é necessário despertar nos cidadãos a boa prática do conhecimento e a ciência do direito tributário está aí como um caminho para a pacificação social.

         

[1] Marco de avaliação global da alfabetização midiática e informacional: disposição e competências do país” Disponível no seguinte endereço eletrônico:  https://nic.br/media/docs/publicacoes/8/246398POR.pdf Acessado no dia 09 de maio de 2023.

[2] Obra cit. P.9.

[3] Obra cit. P.9.

[4] ATALIBA, Geraldo. IPTU: Progressividade. Revista de Direito Tributário. São Paulo, n. 56, p. 81, 1991.

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