Voz do Associado sex, 07 de maio de 2021
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Por: Fernanda de Olivaes Valle dos Santos

Procuradora do Munícipio de Niterói/RJ

Introdução:

Lotada na Procuradoria Judicial, no núcleo de assistência social, lido diariamente com diversos temas que perpassam por políticas públicas, que atingem não só a vida em sociedade, mas fundamentalmente transformam e dão corpo ao princípio da dignidade da pessoa humana[1], valor maior da nossa carta política.

Neste contexto, o Munícipio de Niterói é instado, através do Poder Judiciário, para atender a demandas como: garantir vaga a menores em creches ou em escolas do ensino primário e fundamental; resguardar, em abrigos ou instituições particulares, pessoas em situação de abandono ou de risco; inscrever munícipes em programas habitacionais; e conceder o benefício do aluguel social para vítimas de calamidades ou outras situações análogas, que tiveram seus imóveis interditados ou demolidos.[2]

No entanto, tenho observado que os benefícios do aluguel social, criados no âmbito do Município de Niterói, que têm um viés ideológico e social tão importante[3], tem sido desvirtuado no âmbito judicial para atingir situações diversas das quais foi concebido.

Esta assimetria dos objetivos do aluguel social desnatura-o e dá ensejo maior a desigualdade social, dando, ainda, descredito ao programa.

Neste viés, há necessidade de reforço das diretrizes do aluguel social com a busca da maior equidade nas decisões judiciais, através de amplo debate nos recursos cabíveis com a finalidade, não só, de reformar as decisões dispares, mais também sensibilizar o julgador da observância estrita dos parâmetros legais em preservação ao próprio programa assistencial.

  • O direito social à moradia:

A moradia, enquanto direito fundamental, foi incorporada à Carta Política de 1988, pela Emenda Constitucional nº 26/2000, particularmente no rol dos Direitos Sociais (Art. 6º), sendo seu componente principal o princípio da dignidade da pessoa humana, uma vez que o direito à moradia está atrelado a parâmetros mínimos de uma vida com dignidade. 

A importância histórica e social do direito à moradia traz ínsita a ideia de Welfare State[4], estado do Bem Estar Social, que impõe ao Estado uma postura ativa efetiva em relação à manutenção e garantia destes direitos.

E antes mesmo de incorporado à nossa Carta Política, a relevância do direito social à moradia já era reconhecido desde o início do século XIX, como direito básico do ser humano, garantindo-lhe previsão no âmbito internacional.

Destaca-se que a declaração Universal dos Direitos do Homem de 1948, escrita com os ideais advindos do pós-guerra, representa um dos mais antigos documentos que conferem à moradia status de direito básico dos direitos humanos:  

“Artigo XXV - Todo ser humano tem direito a um padrão de vida capaz de assegurar-lhe, e a sua família, saúde e bem estar, inclusive alimentação, vestuário, habitação, cuidados  médicos e os serviços sociais indispensáveis, e direito à  segurança em caso de desemprego, doença, invalidez, viuvez, velhice ou outros casos de perda dos meios de  subsistência em circunstâncias fora de seu controle.”  

Outros documentos Internacionais como o Pacto de Direitos, Sociais, Econômicos e Culturais[5] e o Comentário nº 4 do Comitê das Nações Unidas de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais também reconhecem a relevância do direito à moradia, o que demonstra a preocupação da Humanidade em estabelecer o mínimo de condições dignas para existência do ser humano.  

Segundo o Comentário Geral no 04 do Comitê da  Nações Unidas sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais,  que busca conferir conteúdo hermenêutico ao referido Pacto, um  procedimento adequado aos litígios relativos à moradia, mesmo  quando legítimo, não pode deixar os desalijados na condição de  sem teto ou em situação de vulnerabilidade com relação aos  direitos humanos, devendo os Estados signatários providenciar  todas as medidas necessárias para garantir o direito de moradia  ou ofertar abrigo alternativo.

Nesta diretriz, coube aos Poderes Públicos, em atenção aos compromissos assumidos pelo Brasil no cenário internacional, bem como em atenção ao direito social fundamental à moradia, consolidado em nossa Carta Política, criarem Políticas Pública aptas a dar azo à fruição total deste direito.

Com efeito, vamos tratar neste estudo apenas de uma, entre tantas políticas públicas, que tem como objetivo resguardar e assegurar uma moradia digna: o benefício assistencial temporário denominado aluguel social, pois presente, hoje, em diversas ações judiciais que tramitam hoje no Município de Niterói.  

  • O aluguel social

 

3.1 - O benefício temporário assistencial atrelado ao direito à moradia -  “aluguel social” – art. 22 da Lei 8742/1993.  

Criado com objetivo de atender às necessidades especiais advindas de situações de vulnerabilidade temporária e de calamidade pública experimentadas pelas pessoas, o art. 22, da Lei Orgânica da Assistência Social[6], prevê a possibilidade de criação de benefícios assistenciais eventuais: 

“art. 22. Entendem-se por benefícios eventuais aqueles que visam ao pagamento de auxílio por natalidade ou morte às famílias cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/4 (um  quarto) do salário-mínimo. (...) 

  • 2º Poderão ser estabelecidos outros benefícios eventuais para atender necessidades advindas de situações de vulnerabilidade temporária, com prioridade para a criança, a família, o idoso, a pessoa portadora de deficiência, a gestante, a nutriz e nos casos de calamidade pública”.  (grifos nossos)

Regulamentando o referido dispositivo legal, foi editado o Decreto Federal nº 6.307/2007, dispondo expressamente acerca da possibilidade de criação de provisões suplementares e provisórias para o atendimento assistencial das vítimas de calamidade pública, assegurando-lhes a sobrevivência e a reconstrução de sua autonomia.

“art. 1º: Benefícios eventuais são provisões suplementares e provisórias, prestadas aos cidadãos e às famílias em virtude de nascimento, morte, situações de vulnerabilidade temporária e calamidade pública. (...) 

art.8º:  Para atendimento das vítimas de calamidade pública poderá ser criado benefício eventual de modo a assegurar lhes a sobrevivência e a reconstrução de sua autonomia, nos termos do §2º do art.22, da Lei nº 8742 de 1993. 

Parágrafo único. Para os fins deste Decreto, entende-se por estado de calamidade pública o reconhecimento pelo poder público de situação anormal, advinda de baixas ou altas temperaturas, tempestades, enchentes, inversão térmica, desabamentos, incêndios, epidemias, causando sérios danos à comunidade afetada, inclusive à incolumidade ou à vida de seus integrantes. (...)”

Em Olhares sobre a Assistência Social no Brasil[7], retiramos lições que se aplicam justamente à questão que envolve a necessidade de criação de políticas públicas que assegurem que nenhum ser humano ficará em situação de abandono ou ao relento em razão de desastres climáticos ou de catástrofes:  

“(...) O público da assistência social, constituído por qualquer pessoa que dela necessite, por se encontrar em situação de vulnerabilidade social, deve receber o amparo do Estado. Este dever de proteção é comum a todos os entes, que devem combater as causas das vulnerabilidades, em especial as causas da pobreza e os fatores de marginalização, bem como promover a integração social dos setores desfavorecidos.

As responsabilidades de garantia da oferta e proteção aos desamparados decorrem do exercício pelos entes de competência constitucional material (dever de prestação) comum, extraída do art. 23, II e X, da Carta Magna, cuja teleologia remete à concretização da assistência social em todo o território nacional.

Tais deveres, fundados, sobretudo, no princípio fundamental da dignidade da pessoa humana, tem como escopo o pleno acesso às provisões socioassistenciais por quem estiver em situação de desamparo, na medida suficiente a que lhe seja assegurada uma vida em condições dignas, protegida das vulnerabilidades. Almeja a proteção social, em especial, a garantia da vida, a redução e supressão de danos e a prevenção da incidência de riscos. (...)”

Portanto, o benefício do aluguel social tem natureza temporária e visa possibilitar o resguardo da autonomia dos beneficiários vulneráveis que tiveram a sua moradia atingida por alguma causa calamitosa.

 

3.2 - O aluguel social no âmbito do Município de Niterói – Lei 2425/07: 

Em vista a todo este acervo legislativo e a despeito de normas esparsas para atender situações calamitosas específicas[8], no âmbito do Município de Niterói, a Lei 2425/07[9], na esteira das nomas federais e para dar efetividade ao princípio social fundamental à moradia, criou a política pública relacionada ao pagamento do benefício eventual, denominado aluguel social.

O benefício foi criado, na forma do artigo 2º da Lei, com o objetivo de concessão temporária de subsidio, em  espécie, as famílias que se encontrarem em situações habitacionais de emergência, moradores de áreas submetidas às intervenções urbanas emergenciais de relevante interesse público.

Sendo certo que se considera, para efeitos da Lei[10], em situações habitacionais de emergências, àqueles que se encontram com a sua moradia destruída ou interditada em função de deslizamentos, inundações ou insalubridade habitacional.

Ademais, para evitar fraude, consubstanciada em ocupações por famílias em áreas de risco como artifício para a inclusão no programa de aluguel social e, portanto, desvirtuar os asseios e finalidade do programa, a Lei criou os seguintes requisitos a concessão do benefício assistencial:

  • renda familiar de até 3 (três) salários mínimos
  • interdição da moradia em função dos deslizamentos, inundações ou calamidades habitacionais
  • residência no local há comprovadamente pelo menos 12 (doze) meses
  • imóvel construído há pelo menos 05 (cinco) anos.

Condicionando, ainda, que o contrato de locação seja feito pelo Município para assegurar que o benefício assistencial cumpra a sua finalidade, manter o núcleo familiar abrigado, bem como, pelo prazo máximo de 12 meses, respeitando a característica da temporariedade.

Art. 6º Os órgãos gestores do Programa Aluguel Social serão a Secretaria Municipal de Assistência Social e a Secretaria Municipal de Defesa Civil e Ação Comunitária, devendo o contrato de locação ser lavrado pelo Município diretamente com os proprietários dos imóveis, através da Procuradoria Geral do Município.
§ 1º Não se locará imóvel, para os fins desta Lei, se o locador não concordar, expressamente, com o seu uso pelos beneficiários do Programa Aluguel Social.
§ 2º Para acessar o benefício do Programa Aluguel Social, as famílias beneficiadas assinarão, obrigatoriamente, um Termo de Responsabilidade e Conduta, contando com o apoio institucional para cumprir os termos de responsabilidade e conduta apresentado, onde constarão seus direitos, deveres e obrigações.
§ 3º As famílias participarão do Programa Aluguel Social pelo prazo de até 12 (doze) meses.

Diga-se, ainda, que os requisitos legais a serem observados, como em qualquer outra Política Pública, é medida que se impõe para reafirmar e dar concretitude ao princípio da igualdade. Assegurando-se, portanto, que somente as pessoas que estiverem na mesma condição social vão ter acesso ao benefício assistencial.  

Partindo-se do pressuposto legítimo que o legislador, no momento da elaboração das normas, já ponderou sobre os requisitos que alcançariam a finalidade pretendida através do benefício. 

4 - Assimetria do benefício do aluguel social nas decisões judiciais no âmbito do Estado do Rio de Janeiro:

No entanto, mesmo diante da clareza da norma e da descrição objetiva dos requisitos a serem observado pela Lei 2425/07, o que temos percebido é uma infinidade de decisões conflitantes, que transformam o aluguel social (benefício temporário) em verdadeira fonte indenizatória, de natureza permanente, como forma de exercer justiça social.  

Com efeito, temos nos deparado com decisões judiciais que: i) concedem um valor único a título de aluguel social; ii) não atentem o prazo de 12 meses previsto na Lei para o pagamento do aluguel social, o atrelando, muitas vezes, ao recebimento de benefício habitacional; iii) atrelam o aluguel social apenas ao fato de ter ocorrido uma situação calamitosa com interdição da moradia, independente do beneficiário ter comprovado à ausência transitória de moradia ou comprovado os outros requisitos legais, como o tempo de morada da residência e o tempo de construção.  

Todas estas decisões, que desvirtuam dos requisitos legais, acabam por trasmudar o benefício do aluguel social, o transformando em verdadeira verba indenizatória.

Não há que olvidar que o Poder Judiciário pode, em algumas situações extremas[11], se imiscuir na discricionariedade do administrador público e, em uma ponderação entre direitos fundamentais, impor judicialmente a concretude de algumas políticas públicas que demandam aplicação imediata.

Porém, não pode, a partir desta permissão excepcional, intervir no princípio da separação dos poderes e criar, sem autorização legal e sem a análise das consequências do planejamento administrativo – interesse público e orçamentário -, política pública ou até mesmo modificar a roupagem de alguma política pública já existente.  

Sobre o risco do ativismo judicial em matéria de política pública, Miguel Horvath[12] Júnior ao analisar a decisão do Supremo Tribunal Federal nos Recursos Extraordinários 567.985/MT e 580.963/PR, que declarou incidenter tantum a inconstitucionalidade do parágrafo 3º, do artigo 20 da Lei 8.742/93ADI 1232/DF, bem pontua:

“(...) Um dos problemas do ativismo judicial diz respeito ao estabelecimento do  limite da atuação da atuação do Poder Judiciário, posto que mesmo entre os seus adeptos, há consenso que o fenômeno deve ser aceito com temperamentos, uma vez que a atividade judicial não é atividade exata, mecânica: “ na medida em que lhes cabe atribuir sentido a expressões vagas, fluidas e indeterminadas como dignidade da pessoa humana, direito de privacidade ou boa-fé objetiva, tornam-se, em muitas situações, coparticipante do processo de criação do direito ( BARROSO, 2012).

Ocorre que ser coparticipante da criação do direito não significa necessariamente, estabelecer e determinar os parâmetros das politicas públicas. A declaração de inconstitucionalidade incidenter tantum  do parágrafo 3º do artigo 20 da Lei 8742/93 e do parágrafo único do artigo 34 da Lei 10,741/2003 (Estatuto do Idoso) gera um situação de insegurança jurídica no tocante ao preenchimento ou não do critério econômico para aferição da hipossuficiência econômica para concessão do benefício de prestação continuada. Como restou apreciada a questão, hoje temos um vazio legislativo sobre a aferição da hipossuficiência econômica do beneficiário das prestações assistências. Insegurança jurídica que se espraia no campo da aplicação do próprio Poder Judiciário bem como no ambiente administrativo.

As novas funções assumidas pelo poder judiciário provocam um fissura no sistema de repartição dos poderes provocando ou dando inicio a uma crise entre os poderes, ainda que potencial. (...)”

No caso do direito à moradia, albergado e protegido pelo instituto do aluguel social, como já exposto, não se olvida que o Brasil é um País com extrema pobreza e com péssimas condições de moradia que atingem um número enorme de pessoas.

No entanto, repita-se, não parece crível que o Poder Judiciário, se revestindo do Poder Executivo ou até mesmo do Poder Legislativo, modifique uma política pública já existente ou até mesmo crie um novo instituto, acabando por conceder decisões judiciais desvirtuadas no comando legal existente, gerando insegurança jurídica.  

 

Neste diapasão, obtivemos recentíssimas decisões no âmbito do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, que reconhecendo os requisitos para o recebimento  do aluguel social, atrelado a perda transitária de moradia digna, julgaram improcedentes as pretensões.   

Vejamos as Ementas:

Apelação Cível. Direito à moradia. Aluguel Social. Município de Teresópolis.  Estado do  Rio  de  Janeiro.  Interdição  da Residência da Autora em 2012. Concessão do “aluguel social” em  janeiro  de  2013.  Alegada  suspensão  em  abril  de  2016. Pedido  de  restabelecimento  do  benefício.  Indeferimento  da antecipação  de  tutela  em  sede  de  agravo  de  instrumento. Sentença de procedência  que  determinou  o  restabelecimento do  benefício  e  a  inserção  da  autora  em  programa habitacional.  Improcedência  do  pedido  de  indenização  por danos morais. Recursos dos réus. 1-  O  cidadão  desalojado  de  sua  moradia  tem  o  direito  de ser  incluído  em  programas  assistenciais  que  visam  ao auxílio  em  situações  de  calamidade  e  emergência.  O benefício assistencial denominado “aluguel social” não tem, contudo,  caráter  definitivo.  A  previsão  de  prorrogação  do prazo  de  12  meses  previsto  no  Decreto  Estadual  44.052/13 não deve perder de vista o declarado caráter assistencial e não definitivo da verba. 2-  Norma  municipal  que,  ademais,  limita  expressamente  a concessão do benefício a 12 meses.  3-  O  direito  constitucional  à  moradia  e  o  dever  dos  entes públicos  de  promover  programas  de  melhoria  das condições habitacionais não correspondem ao direito de o cidadão exigir judicialmente a perpetuação de um benefício assistencial ou a entrega de uma nova moradia. A Carta de 1988 assegura o dever do Estado  – em sentido amplo – de promover tais políticas públicas e o direito dos cidadãos de participar  de  tais  programas,  desde  que  observados eventuais  requisitos,  estabelecidos  pela  Administração  de acordo  com  o  interesse  público,  a  disponibilidade  de recursos, o planejamento, entre outros. 4-  Dificuldade  de  acesso  a  uma  moradia  adequada  que afeta  um  sem-número  de  pessoas.  Circunstâncias generalizadas, que  por  si  sós,  não  autorizam,  contudo,  a intervenção  genérica  do  Judiciário  nas  políticas  públicas pertinentes,  pena  de  violar  princípios  fundamentais assegurados  na  Carta  Política,  como  o  Princípio  da Separação dos Poderes. 5-  Casa da autora que foi interditada em 2012. Informações prestadas pela Secretaria  de  Habitação  de  Teresópolis  no sentido de que o aluguel social foi concedido em janeiro de 2013,  a  indicar  que  o  prazo  máximo  de  24  meses  foi  em muito  ultrapassado.  Ausência  de qualquer  prova  de  que,  à época do ajuizamento da ação, em 2016, a renda do núcleo familiar  ainda  era  a  mesma  indicada  por  ocasião  do  seu cadastro, em 2013, quando a autora já contava com a renda do  seu  marido.  Absoluta  falta  de  elementos  que  embasem uma prorrogação tal, por anos, da concessão do benefício. 6-  Recursos  providos  para  julgar  os  pedidos improcedentes (Apelação Cível n.: 0010189-87.2016.8.19.0061 – 16 ª Câmara Cível, relator Desembargador Eduardo Gusmão Alves de Brito Neto).  (grifos nossos)

APELAÇÃO CÍVEL. OBRIGAÇÃO DE FAZER. IMÓVEL INTERDITADO. ALUGUEL SOCIAL. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DOS REQUISITOS PARA O BENEFÍCIO. Cinge-se a controvérsia dos autos quanto ter ou não direito a autora ao recebimento do aluguel social. Preliminar de prescrição afastada. Ação proposta no mesmo ano da intervenção do imóvel. Como cediço, o aluguel social é um benefício assistencial temporário, instituído no âmbito do Programa Estadual Morar Seguro, destinado a atender necessidades advindas da remoção de famílias domiciliadas em áreas de risco ou desabrigadas em razão de vulnerabilidade temporária e calamidade pública. Já o aluguel provisório está relacionado à desocupação de áreas necessárias à implantação de projetos de interesse público, quando o titular da edificação a ser demolida, optar por outra a ser construída. No caso em comento embora tenha colacionado seu contracheque a fls. 102/104, deixou de demonstrar a renda auferida pela família, bem como não comprovou que residia no imóvel há pelo menos 12 meses e que este possuía no mínimo 05 anos de construção. Do conjunto fático-probatório extraído dos autos não permite concluir que a autora preencheu os requisitos necessários para a concessão do benefício dispostos no art. 3º Lei municipal nº 2.425/07, ônus que lhe cabia consoante ao que dispõe o art. 373, I do CPC, razão pela qual inviável a sua pretensão de concessão do benefício. Sentença reformada para julgar improcedentes os pedidos. Desprovimento do recurso da autora. Provimento dos recursos dos réus.  ( relatora: Des. Helda Lima Meireles. Processo: 0045929-26.2015.8.19.0002. Terceira Câmara Civil. (grifos nossos)

 5 - Conclusão:

Por tudo que foi exposto, há urgência no reforço das diretrizes do benefício temporário do aluguel social, através de amplo debate nas instâncias judiciais, com a finalidade de reformar decisões assimétricas e sensibilizar a comunidade jurídica da observância estrita dos parâmetros legais das políticas públicas.

 Isso porque o desvirtuamento das políticas pública no âmbito jurídico, através do ativismo judicial imoderado, tende a gerar no âmbito social um descrédito e sentimento de injustiça e no âmbito jurídico enorme insegurança das decisões.

 

6 - Referências Biográficas:

ALMEIDA FILHO, Carlos - Ocupações irregulares urbanas: análise da política pública de moradia – Rio de janeiro: Lumen Juris: 2018.

CARVALHO, José Murilo de, 1939 - Cidadania no Brasil: o longo caminho – 24ª Edição – Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2018

LOBO TORRES, Ricardo - A cidadania multidimensional das era dos direitos. In: Teoria dos direitos fundamentais. Rio de Janeiro:  Renovar 

MOTTA, Márcia – Direito à terra no Brasil: A gestão de conflito: 1795-1824. São Paulo: Alameda – 2012.

Olhares sobre o direito à assistência social / [Organizado por] Karoline Aires Ferreira Olivindo, Sandra Mara Campos Alves, Simone Aparecida Albuquerque -- Brasília, DF: Fiocruz Brasília: Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, 2015. 160 p. -- (Série Direito e Assistência Social).

PEREIRA, POTYARA A.P - Política social: temas & questões– 3ª Edição – São Paulo: Cortez, 2011.

PIOVESAN, Flávia. Diretos Humanos e o Direito Constitucional internacional – 19 Ed. São Paulo: Saraiva - 2021

SARLET, Ingo Wolfgang - Dignidade da Pessoa Humana e Direitos Fundamentais na Constituição Federal de 1988. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora. 2015.

SERAU JUNIOR, Marco Aurélio. Benefício Assistencial: teoria geral, processo, custeio: a luta pelo direito assistencial no Brasil – 2 Ed. São Paulo: Ltr, 2018.

VALLE, Vanice Regina Lírio do – Políticas públicas, direitos  fundamentais a controle judicial. 2º ed. rev. ampl e atual: prefácio de Marcus Juruena Villela Souto – Belo Horizonte: Fórum, 2016.

[1] Segundo a concepção de Ingo Wolfgang Sarlet, a dignidade da pessoa humana figura não como um direito natural metrapositivo, mas como concretização constitucional dos direitos fundamentais. Baseia esse posicionamento no artigo 1º, inciso III da Constituição Federal de 1988, do qual não se trata de uma norma programática, mas supraprincípio constitucional em amplitude e dimensão da dignidade da pessoa humana norteadora dos demais princípios e regras do ordenamento jurídico.  Nas palavras do autor: “qualidade intrínseca e distintiva de cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, neste sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições existentes mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover sua participação ativa e co-responsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão com os demais seres humanos” (Sarlet, Ingo Wolfgang. 2010. Dignidade da Pessoa Humana e Direitos Fundamentais na Constituição Federal de 1988, pág. 60). 

[2] A título de curiosidade a numeração de alguns processos judiciais em que os temas citados foram explorados: 0031500-78.2020.8.19.0002, 0028399-09.2015.8.19.0002, 0076905-21.2012.8.19.0002, 0008342-91.2020.8.19.0002 3 0037996-31.2017.8.19.0002

[3] O benefício denominado aluguel social tem sua raiz social no direito fundamental a moradia digna. Não se concebe a vida em sociedade sem que as pessoas tenham um lar, um local para estabelecer as suas relações mais intimas dentro do seu núcleo familiar. A moradia em uma visão poética é o prolongamento e o reflexo de nós mesmos. Portanto, nada mais cristalino do que se pensar em um politica social que visa, portanto, manter as pessoas em uma moradia digna. 

[4] O chamado Estado do Bem-Estar  ou Welfere State surgiu a partir dos movimentos sociais pós-guerra, que obrigavam o estado a ter uma postura interventora diante da liberalismo econômico, de maneira a intervir nas relações sociais e proteger, sobretudo, as classes trabalhadoras nos abusos gerados pelo mercado econômico, industrial. 

[5] Dec. Federal 591, 06 de julho de 1992.

[6] Lei nº 8.742/93

[7] Olhares sobre o direito à assistência social / [Organizado por] Karoline Aires Ferreira Olivindo, Sandra Mara Campos Alves, Simone Aparecida Albuquerque -- Brasília, DF: Fiocruz Brasília: Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, 2015. 160 p. -- (Série Direito e Assistência Social).

[8] Lei 10.710/2010 (Morro do Bumba), Lei 3.376/18 (Morro Boa Esperança) e Lei 3379/18 (Jurujuba)

[9] Lei nº 2425, 2007 – Fica criado no âmbito da prefeitura municipal de niterói o programa aluguel social, que passa a fazer parte da política municipal de assistência social e da política municipal de habitação, passando a dar suporte às intervenções urbanas emergenciais de relevante interesse público.

[10] Considera-se, para os efeitos da presente Lei, que se habilitam para o ingresso no Programa Aluguel Social famílias com renda familiar de até 3 (três) salários mínimos, que se encontrem em situação de emergência com a sua moradia destruída ou interditada em função de deslizamentos, inundações, insalubridade habitacional, que residam comprovadamente há pelo menos 12 (doze) meses, num mesmo imóvel construído há pelo menos 05 (cinco) anos, de modo a evitar que novas ocupações de áreas de risco sejam utilizadas como artifício para a inclusão no Programa Aluguel Social.
§ 1º A interdição do imóvel será reconhecida por ato conjunto da Secretaria Municipal de Defesa Civil e Integração Comunitária e da Secretaria Municipal de Assistência Social, ouvida a Secretaria Municipal de Saúde.
§ 2º Quando da interdição de qualquer imóvel, será realizado cadastro dos respectivos moradores, no qual será identificado um responsável pela família, passando esta a constar do Cadastro do Programa Aluguel Social, após serem entrevistadas por Assistentes Sociais e comprovada a sua permanência, pelo prazo mínimo de 30 (trinta) dias, em abrigo público definido.

[11] STF – Recurso Extraordinário 592.581

[12] SERAU JUNIOR, Marco Aurélio. Benefício Assistencial: teoria geral, processo, custeio: a luta pelo direito assistencial no Brasil – 2 Ed. São Paulo: Ltr, 2018 – página 46.

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