Voz do Associado qui, 07 de maio de 2020
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Por: Felipe Lascane Neto, procurador do Município de Osasco/SP

Em momento de Pandemia as mentes ficam mais ousadas, abertas, a tecnicidade cede passo ao amanhã imprevisível, lembrando que não há nada que aconteça no mundo dos fatos que a literatura já não tenha se ocupado.

 O Produto Interno Bruto (PIB) do Brasil deverá registrar uma retração de 5% em 2020, segundo uma projeção do Banco Mundial publicada em 12 de abril de 2020, no relatório "A economia nos tempos da Covid-19”,[1]

Autoridades chinesas disseram, em 17 de abril, que a China encolheu 6,8% nos primeiros três meses do ano em comparação ao ano passado, encerrando uma série de crescimento que sobreviveu à violência da Praça Tiananmen, à epidemia de SARS e até à crise financeira global[2].

As pessoas ao redor do mundo padecem com a moléstia e, também, com a crise econômica. A população de rua caminha sem destino, como autômatos, por praças hoje guarnecidas de chuveiros e pias.

Acrescente-se a tudo isso a ausência de discurso uníssono dum verdadeiro líder a guiar a massa no caos. Pelo contrário, sinais trocados e antagonismos dão o tom. Bobagem é o pretenso discurso de atavismo entre vida e economia. Trata-se de linhas que se cruzam, descruzam e se entrecruzam, em evidente dependência duma para com a outra.

Mas nada disso é novidade se observarmos a literatura: sempre Ela, a antevisora dos males do mundo - com crueza - e ao mesmo tempo com a delicadeza de donzela.

Começo lembrando-me de Knut Hamsum, prêmio Nobel de literatura em 1920, no seu inigualável livro denominado “A fome”. Lá, em 1890 (em Paris) já fora antevista a situação famélica hoje concreta e real. Permitam-me extrair pequeno trecho do texto: “O futuro começava a parecer negro. Nem sequer chorava; a fadiga era grande demais para isso. No auge da tortura, quedei-me ali sem tentar coisa alguma, inerte, faminto” (...) “A fome era medonha, e não sabia como satisfazer meu apetite escandaloso. Virava-me para um e outro lado no banco e apoiava o peito sobre os joelhos. Quando anoiteceu arrastei-me até o Depósito[3].

Mas não basta! A descida é maior, e nesse barranco vou com “A Pele”, de Curzio Malaparte, e faço já a advertência que não comungo com o ideal fascista (muito longe disso, muito mesmo), mas da genialidade literária que descrevera as pessoas chafurdadas na lama à espera de qualquer migalha para alimentá-las, porque não tinham condição de desenterrarem-se, a não ser que se expusessem ao fogo das incendiárias bombas de pólvora[4]

E termino, de mãos dadas com Dany e seu fiel escudeiro Pirata (o cão fiel), no inesquecível “Boêmios Errantes”[5], de John Steinbeck, clamando por um líder que leve o povo consigo, que diga o que tem que ser dito, e que, enfim, guie a nação a um destino de ponderação, para dizer o mínimo.  

Esse é o início do passeio literário. Logo mais, passearei com outros autores (ando em boa companhia), porque o que bem demonstra esse momento de desespero, é que, como disse Karl Kraus “quando o sol da cultura está baixo também os anões lançam longas sombras”. Deitemos luz à escuridão!

[1] https://www.dw.com/pt-br/banco-mundial-prev%C3%AA-queda-de-5-no-pib-brasileiro-em-2020/a-53103120, acesso em 20 de abril de 2020.

[2] https://economia.estadao.com.br/noticias/geral,recuo-do-pib-da-china-poe-em-xeque-recuperacao-global,70003275498

[3] HAMSUM,Knut, A Fome, Delta, Rio de Janeiro:  1963.

[4] MALAPARTE, Curzio; A pele, Civilização Brasileira: Rio de Janeiro: 1966.

[5] STEINBECK, John; Boêmios Errantes, Círculo do Livro, Record:1935

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