Voz do Associado qui, 28 de maio de 2020
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Por: Rodrigo Henriques de Araujo, procurador Jurídico do Município de Cananéia/SP

Hoje, não há mais dúvidas no sentido de que o teletrabalho, trabalho remoto ou home office, passou de tendência para realidade na Administração Pública, assim como na iniciativa privada.

Em razão das necessárias medidas de isolamento e distanciamento social enfrentados por decorrência do coronavírus que assola não só o Brasil, mas o mundo, a administração da res publica se viu obrigada à prática do home office, que significa realizar o trabalho de forma remota mediante o uso da tecnologia. 

Sendo relevante mencionar, que a Constituição Federal de 1988 no Capítulo IV, “Da Ciência, Tecnologia e Inovação”, com redação dada pela Emenda Constitucional nº 85/2015, prescreve no art. 218: “O Estado promoverá e incentivará o desenvolvimento científico, a pesquisa, a capacitação científica e tecnológica e a inovação”.

E ainda, o art. 219, parágrafo único, da mesma norma suprema prescreve: “O Estado estimulará a formação e o fortalecimento da inovação nas empresas, bem como nos demais entes, públicos ou privados, [...]”.

 Ou seja, resta consagrado que é dever do Estado (lato sensu) prover e incentivar o desenvolvimento e a capacitação tecnológica, não somente no setor privado, mas igualmente aplicando inovação na prestação do serviço público.

Podemos citar como exemplo normativo infraconstitucional, as disposições da Lei Federal nº 12.527 de 18 de novembro de 2011 (Lei de Acesso à Informação), que no seu texto pontifica a utilização da tecnologia da informação como diretriz dos procedimentos previstos na lei, isto é, a expressa previsão de internalização da tecnologia na prestação do serviço público, objetivando principalmente agilidade e objetividade.

Além disso, no âmbito judicial, ou seja, de prestação do serviço jurisdicional, temos a Lei Federal nº 11.419 de 19 de dezembro de 2006, que regulamenta o uso de meio eletrônico na tramitação de processos judiciais, comunicação de atos e transmissão de peças processuais (art. 1º da citada lei), forma eletrônica esta, avançando a cada dia em direção a completa implantação no Poder Judiciário, haja vista agora, a utilização nas audiências e sessões de julgamento por videoconferência. 

A cultura de estar necessariamente presente na sede da  empresa ou no órgão público para trabalhar está sendo desconstruída, na iniciativa privada talvez a mais tempo, avançando no setor público em decorrência das medidas de prevenção e combate da pandemia que se espera rápido fim, contudo, os avanços de implementação da tecnologia nos procedimentos de prestação do serviço público certamente permanecerão, ainda que não na mesma extensão e modo de executar, dentre eles, o aqui abordado home office, já previsto na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) através da Lei Federal nº 12.551 de 15 de dezembro de 2011.

O avanço tecnológico permite isto, com o acesso à internet na palma das mãos, principalmente através do telefone móvel celular, tablets e notebooks, e com a variedade de aplicativos e softwares disponíveis para realizar as mais diversas funções antes exclusivas dos microcomputadores, o trabalho presencial está sendo ressignificado quanto a sua antes indispensabilidade para realizar as mesmas tarefas hoje possíveis de serem executadas à distância. 

Sobre a utilização da internet no domicílio dos brasileiros e o meio de acesso, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), mediante publicação da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua, Tecnologia da Informação e Comunicação (Pnad Contínua TIC) 2018, noticiou que:

O percentual de domicílios que utilizavam a Internet subiu de 74,9% para 79,1%, de 2017 para 2018. O rendimento médio per capita daqueles em que havia utilização da Internet era quase o dobro do rendimento dos que não utilizavam a rede.

O equipamento mais usado para acessar a Internet foi o celular, encontrado em 99,2% dos domicílios com serviço. O segundo foi o microcomputador, que, no entanto, só era usado em 48,1% desses lares. [...].

Pode-se concluir, que o acesso à internet há tempos deixou de ser acessível somente em grandes instituições, passando para uma escalada global e presente nos domicílios das pessoas, em proporções diferentes dependendo da região do país, mas consequentemente, implicando nos negócios e nas novas formas de se relacionar com a família, amigos e trabalho.

A comprovação desta progressão no uso de ferramentas tecnológicas, destacando-se neste contexto o campo jurídico,  é observado na decisão monocrática proferida no dia 29.04.2020 pelo Ministro Alexandre de Moraes do Supremo Tribunal Federal, no Mandado de Segurança nº 37.097 do Distrito Federal, decisão esta, que chama a tenção pelo comando dado ao final, para que: “Dê-se ciência imediata, inclusive por whatsapp em face da urgência, ao Advogado-Geral da União” (sem grifo no texto original).

Ora, verdadeira demonstração do avanço e internalização do uso da tecnologia na prestação do serviço público, no caso, o jurisdicional, e certamente aplicável nos demais ramos de atuação do Estado como visto cotidianamente.

Em recente live transmitida pela Associação Paulista de Magistrados (APAMAGIS) na rede social Instagram no dia 27.04.2020, com a participação do Presidente do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo Geraldo Pinheiro Franco e  da Presidente da APAMAGIS Vanessa Mateus, restaram muito bem abordadas as perspectivas de avanço do processo digital perante o Tribunal de Justiça que é considerado o maior Tribunal do mundo em volume de processos, no sentido de investimento e ampliação do data center com sistema de armazenamento em nuvem para 2021, com economias resultantes de plano de contingenciamento, como também, explanou-se sobre os investimentos necessários para digitalização dos 9.000.000 milhões de processos físicos existentes, ou seja, um grande volume de papel, tendo como planejamento a digitalização em cinco anos, restando destacado os benefícios e a celeridade do processo digital.

Com isso, quer-se então exemplificar, que os demais Poderes constituídos também precisam planejar e internalizar investimentos em tecnologia da informação, como a contratação de profissionais da informática para os quadros do funcionalismo público, instalação, operacionalização e manutenção adequada dos equipamentos centrais de armazenamentos de dados (data center), aquisição de equipamentos modernos, softwares, e no adequado serviço de fornecimento de acesso ao básico que é a internet.

É claro que existem prioridades a serem observadas dentro do já apertado orçamento público, ainda mais no momento atual de enfrentamento da drástica pandemia, contudo, em médio ou a longo prazo, é preciso no mínimo planejar investimentos nesta importante área que é a tecnologia no serviço público, sendo este acredito, um dos desafios a serem enfrentados com seriedade e compromisso pelas futuras gestões ante a proximidade do processo eleitoral nos municípios brasileiros.

Investimento não significa gasto desnecessário, mas, sim, a possibilidade de alçar maior produtividade, celeridade e eficiência, com economicidade e bem-estar. Verdadeiro sistema de “ganha-ganha”, pois a Administração Pública, os servidores e principalmente a sociedade, experimentarão reflexos positivos quando houver investimentos na modernização dos processos de prestação do serviço público. Na hipótese do home office, pode-se citar a redução dos custos com transporte, energia elétrica, água, telefone, papel, etc.; somando-se a melhoria na qualidade de vida do ser humano durante o labor, como também, possivelmente, implicando na diminuição de resíduos poluentes.

Neste sentido, merecem atenção os seguintes pontos de concentração e esforços para a defendida internalização do home office na Administração Pública: 

1º - Regulamentação

Normas de regulamentação interna são necessárias para se estabelecer um mínimo de regras a serem seguidas pelos participantes, fixando balizas, tanto para a autoridade que expedirá a autorização, quanto ao servidor que se propõe a cumprir a carga horário de trabalho total ou parcialmente na residência. 

Peculiaridades devem ser abordadas, por exemplo, a disponibilidade dos meios de contato remoto por e-mail, telefone e aplicativos de mensagens, e, a responsabilidade pelos equipamentos necessários para execução do serviço à distância.

Outro ponto que merece ser abordado na regulamentação é a forma de acompanhamento dos trabalhos, e eventuais hipóteses de cancelamento e retorno ao modelo presencial.

2º - Autorização

Estando implantada esta opção de trabalho na Administração Pública através da normatização, ainda que mínima inicialmente, possibilitará a expedição de autorização pelo respectivo superior hierárquico, dependendo é claro, do organograma de cargos do respectivo órgão e entidade pública. 

Indispensável que se autorize a realização do trabalho remoto, ato claramente decorrente da subordinação nas relações de trabalho, não sendo coerente pressupor que o servidor público, deixe de colher o mínimo de ciência, concordância e autorização da chefia imediata que, embasada na regulamentação prévia existente, decidirá pela autorização ou não do home office.

É razoável pensar que situações excepcionais e provisórias podem surgir sem a existência de regulamentação prévia, contudo, a autorização colhida perante a chefia imediata mostra-se indispensável. 

3º - Estrutura

Neste ponto a regulamentação será fundamental, ante a definição quanto a disponibilidade dos equipamentos e materiais necessários para o desempenho do serviço à distância, ou seja, se ficarão a cargo exclusivo do servidor, ou se haverá o custeio e fornecimento ainda que parcialmente por parte do ente público, como também, sobre eventual permissão de uso dos equipamentos antes destinados para a atividade presencial. 

Ao mesmo tempo, é prudente que se mantenha no órgão público de lotação do servidor uma estrutura mínima, haja vista que podem ocorrer hipóteses de cancelamento do trabalho remoto implicando no retorno do servidor ao modelo presencial, como também, por não adaptação.

Além disso, no local de origem do trabalho poderão haver reuniões, inclusive permanecendo como ambiente de trabalho daqueles que permanecerão na forma presencial por opção ou por serem fundamentais para o apoio, secretariado e assessoramento.

4º - Comunicação clara e objetiva:

É importante que a comunicação seja clara e objetiva na troca de mensagens por e-mails, aplicativos, áudio, áudio e vídeo. Deve-se tentar ao máximo repassar o conteúdo de forma que o interlocutor compreenda com exatidão, por isso, não se recomenda o uso de gíria, e abreviações não usuais do trabalho.

Uma boa comunicação é imprescindível, claro que, não só para o trabalho remoto, mas, aqui merecendo ênfase, em razão da ausência do contato com o mesmo ambiente em que estará envolvido o destinatário da mensagem.

  5º - Respeito aos horários

Trabalhar de forma remota não pode significar que as pessoas devam estar disponíveis 24 horas por dia, pois os direitos ao descanso, horários de refeições e de término do horário de trabalho são logicamente mantidos, ressalvando-se é claro, o trabalho que pela natureza do cargo e serviço exija prontidão para atendimento imediato, do contrário, o respeito aos horários é fundamental para não provocar o contrário do objetivo almejado, ou seja, mal-estar, fadiga ou estresse por excesso da carga horária e ausência de pausa entre a comunicação com o trabalho.

Por óbvio, uma das vantagens do home office é a flexibilidade de horário para executar as atividades, contudo, nada mais razoável que tentar respeitar o horário normal de cada trabalho, principalmente em relação à quem se destina o pedido, a solicitação ou mensagem, evitando incômodos, com exceção dos casos de urgência ou necessidade absoluta.

6º - Cooperação

O dever de cooperação entre os colegas de trabalho é regra de conduta fundamental para qualquer modalidade de trabalho e convivência harmoniosa. 

Troca de informações, envio de documentos e demais atos precisam acontecer de forma cooperada, com ajuda recíproca, pois o objetivo é comum, isto é, o desenvolvimento do trabalho em busca de resultados positivos para a coletividade destinatária do serviço público.

Por isso, é preciso ter a mais pura consciência de unidade, cada qual, com atribuições específicas, é indispensável para o bom funcionamento do todo.

7º - Retorno:

O retorno às solicitações, mensagens e compromissos, permanece de boa prática, ainda mais na forma remota, tendo em vista que ao enviar uma mensagem através de e-mail ou aplicativo, não se estará capitando a reação do destinatário, o que torna importante o retorno através de um simples “acuso recebimento” ou com a informação sobre as providências que serão tomadas para atendimento do pedido de acordo com as ferramentas disponíveis e no prazo eventualmente estabelecido.

8º - Postura:

A postura adequada complementa a comunicação clara e objetiva, isto é, na troca de mensagens e na realização de uma videoconferência, o comportamento deve estar alinhado com o propósito do trabalho, seja no tocante a vestimenta como na escrita.

Não se quer propor o rigor excessivo e o formalismo, e sim um mínimo de boa conduta na interlocução à distância, assim como, elementar no modelo de trabalho presencial para respeito no trato com as pessoas e foco na execução do serviço.

9º - Resultados:

É importante a demonstração, acompanhamento e gerenciamento de resultados quantitativos e/ou qualitativos, visando o constante aperfeiçoamento do trabalho. Relatórios, reuniões periódicas presenciais ou por videoconferência, e envio de informações ao chefe imediato são importantes para prestar contas do serviço desempenhado, eventualmente realizando ajustes para o alcance da excelência.

10º - Investimento:

O investimento planejado de acordo com os limites do orçamento é o fechamento do círculo das ações ora propostas para internalização do home office com o uso da tecnologia da informação. Círculo no sentido de que não são atitudes estanques, mas que estarão sempre em movimento e interligadas para constante aprimoramento. 

Técnicos de informática no quadro de carreira, equipamento modernos, instalação adequada de data center, softwares específicos a cada área de atuação e servidores capacitados para utilização das ferramentas tecnológicas, só existirão com investimento consciente e responsável, possibilitando a implementação progressiva e contínua da tecnologia na prestação do serviço público, com o objetivo probo de torná-lo mais ágil e eficiente, trazendo bem-estar aos servidores com economia aos cofres públicos.

 Além disso, o investimento gera reconhecimento e motivação, emitindo mensagem indireta e positiva no sentido da importância do trabalho prestado, agregando ainda mais valor na dedicação diária do servidor público. 

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