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Por: Bárbara Roedel Berri
Procuradora do Município de Indaial/SC. Especialista em Direito Processual Civil pelo Instituto Catarinense de Pós-graduação (ICPG). Vice-presidente da Comissão de Procuradores Municipais da OAB/SC

  1. Introdução

O objetivo do estudo proposto é demonstrar que o provimento judicial para impingir o cumprimento forçado de políticas sociais públicas pelo Estado deve ser sopesado pelo paradigma da deferência judicial à Administração Pública.

       A consecução de políticas públicas por meio de decisões judiciais é tema que vem sendo amplamente debatido no seio jurídico, mormente em tempos de pandemia de COVID-19, em que a sociedade visualiza este cenário de desordem na estrutura dos Poderes.

Desta forma, a celeuma surge acerca da competência para definir a instituição de políticas públicas que melhor atendam os anseios da sociedade máxime ao fim precípuo do interesse público primário.

É cediço que ao Poder Judiciário é cabível o controle dos atos administrativos que infrinjam a legalidade, todavia, o liame existente entre a decisão justa, fundamentada no interesse público (na visão do julgador) e a autonomia política é balizada pelo princípio da separação dos poderes e seus corolários.

Nesse esteio, ganha reforço no meio administrativista brasileiro a encampação da doutrina estadunidense de Chevron, a qual alude a autocontenção judicial à escolha técnico-administrativa, sob o prisma da expertise dos órgãos públicos.

É tímida a regulação da sindicabilidade dos atos administrativos no Brasil e, nesta medida, surge o eixo do direito comparado norte-americano – a judicial deference, que reforça a primazia ao juízo conferido pelo agente administrativo.

Com supedâneo no princípio da eficiência, sobreleva-se que a concretização de políticas sociais públicas não só é dever do Estado, como assim o é a sua aplicação com responsabilidade calcada na especialidade e nas regras orçamentárias que justificam o mister público.

Assim sendo, demonstrar-se-á que a Constituição Federal ao legitimar o Poder Executivo no governo das políticas sociais públicas - a conferir a presunção de legitimidade em seus atos, dispôs-lhe os meios a garantir a eficácia na gestão pública.

E, nesse passo, objetiva-se revelar que não obstante a inafastabilidade da jurisdição e as ondas neoconstitucionalistas acerca da ampliação do controle jurisdicional sobre a discricionariedade, o juízo administrativo requer muito mais que a interpretação jurídica; requer-se a contrabalança da tecnicidade, do “know-how”, que os órgãos instituídos para esse fim, como estrutura permanente de Estado, atestam à segurança jurídica da decisão administrativa.

Para esse intuito, discorrer-se-à acerca dos direitos sociais e meios de efetividade dispostos na Lei Maior, para posterior análise das nuances da discricionariedade administrativa e consequente averiguação do controle judicial sobre o cerne do mérito administrativo.

Por derradeiro, o arremate mediante a mensuração ao princípio da deferência judicial como norte a preponderar a eficiência no juízo valorativo à implementação de uma política social pública, na medida em que atende o interesse público a decisão que melhor assegure a sua execução.

  1. Direitos sociais: efetivação das políticas públicas

 

  Sob a influência da Constituição alemã de Weimar, a ordem econômica social foi inaugurada no Brasil pela Constituição de 1934, perpetuando nas constituições posteriores, possuindo espaço próprio na atual Lex Mater de 1988, no Título II, Capítulo II e adiante em titulação especial de número VIII sobre a Ordem Social (SILVA, 2000).

            O artigo 6°, da Lei Maior de 1988, previu como direitos sociais de prestação positiva a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados.

            Referida disposição constitucional estabeleceu, por conseguinte, que referidos direitos sociais dar-se-ão na forma desta Constituição, remetendo-se ao Título VIII, que trata da Ordem Social, os instrumentos de sua aplicabilidade.

            Os direitos sociais, compreendidos os econômicos, sociais e culturais, na evolução dos direitos do homem são classificados como direitos de segunda geração (BOBBIO, 1992 apud COELHO, 2009, p.759) - ou como prefere a doutrina moderna, de segunda “dimensão” (SARLET, 2003), os quais nasceram como mecanismos destinados a positivar a redução ou supressão das desigualdades sociais.

          Tratar de direitos fundamentais consiste em dizer que estes “só cumprem sua finalidade se as normas que os expressem tiverem efetividade”, tanto que a Constituição estabeleceu “que as normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata”. (SILVA, 2000, p. 469).

            Com efeito, os direitos sociais, como classe dos direitos fundamentais, detêm a primeira ordem na obrigação de atuação positiva do Estado, pela qual deve o gestor público constituí-los como metas anuais supremas.

De se ver que a própria Constituição engessou percentual a ser utilizado a esse fim ao tratar da repartição de receitas[1], bem assim a lei infraconstitucional vigente ao limitar a destinação dos recursos e estabelecer prerrogativas no uso às áreas abrangentes.

Nessa seara, o administrador público é delimitado pelo princípio da reserva do possível[2], de ordem social, pelo qual o Estado que esbarra na incapacidade do atendimento integral frente à contingência, gerencia a adoção de um planejamento de objetivos, diretrizes e metas[3]

A propósito, traz-se à colação parte da decisão prolatada na ADPF 45 MC/DF[4], de relatoria do Ministro Celso de Mello:

Vê-se, pois, que os condicionamentos impostos, pela cláusula da “reserva do possível”, ao processo de concretização dos direitos de segunda geração - de implantação sempre onerosa -, traduzem-se em um binômio que compreende, de um lado, (1) a razoabilidade da pretensão individual/social deduzida em face do Poder Público e, de outro, (2) a existência de disponibilidade financeira do Estado para tornar efetivas as prestações positivas dele reclamadas. (grifo nosso)

 

Apuradas as considerações alhures, depreende-se que os direitos sociais são contextualizados como direitos fundamentais e, como tal, há que se verificar que na escolha da política pública existe a gerência entre a sua positivação (o direito em si) e a das medidas que irão garanti-los à sociedade (efetividade).

  1. Política de Estado: o controle judicial da escolha administrativa

 

        A eleição de uma política pública deve ser pautada no interesse público primário[5], sendo a intelecção para tal subjetiva - num primeiro olhar, e é aí que deságua a celeuma da intitulação de melhor interpretação à escolha “administrativa”.

A Carta Maior, no seu espírito máximo, acometeu à Administração Pública a salvaguarda desse múnus, por seus órgãos e respectivos agentes públicos, através do campo de discricionariedade inerente à decisão administrativa.

Celso Antonio Bandeira de Mello (2009, p. 25), alude que a função do Estado ou "função pública, no Estado Democrático de Direito, é a atividade exercida no cumprimento do dever de alcançar o interesse público, mediante o uso de poderes instrumentalmente necessários conferidos pela ordem jurídica".

Essa atividade administrativa, precípua do Poder Executivo, quando não vinculada[6] aos ditames da lei, é dirigida pela predileção oportuna e conveniente – o mérito administrativo[7], existente nos atos discricionários.

O mérito administrativo, à ensinança de Hely Lopes Meirelles (2014, p. 171), traduz à Administração Pública a valoração dos motivos e objeto do ato, suas consequências e vantagens interinamente, sob a direção de sua “conveniência, oportunidade e justiça”.

Às novas acepções do direito administrativo, a discricionariedade dos atos administrativos é revisitada e subdividida em: administrativa (pura) e técnica (ou imprópria).

Para Maria Sylvia Zanella Di Pietro (2001, p. 67), a discricionariedade administrativa ou pura é “a faculdade que a lei confere à Administração para apreciar o caso concreto, segundo critérios de oportunidade e conveniência, e escolher uma dentre duas ou mais soluções, todas válidas perante o direito”.

Com o advento do Estado Democrático de Direito e sua acepção axiológica, a discricionariedade administrativa que, no marco positivista, era delineada pelas possibilidades legais dispostas ao administrador, hoje é abarcada pela valoração das normas constitucionais.

A evolução dos meandros da concepção da discricionariedade administrativa superou a era da legalidade extrema e a política pública não resta mais jungida às opções previstas  na lei, mas sim nas alternativas do direito (DI PIETRO, 2007).

Portanto, o mérito do ato administrativo é inserto no mundo jurídico à sombra de valores de justiça, equidade, razoabilidade, interesse público etc.

Esse cenário, decorrente da teoria dos conceitos jurídicos indeterminados[8], originária do direito europeu, abriu o leque à exegese jurídica e, deste modo, permitiu a cognição judicial da medula do ato administrativo.

E, nesse diapasão, surge a subsunção da deliberação da política pública aos ditames do amplo espectro dos princípios e valores do sistema constitucional[9] que serão sopesados na reavaliação na seara judicial.

Quanto à discricionariedade técnica ou imprópria, “a lei usa conceitos técnicos, cuja interpretação cabe a órgãos especializados. A discricionariedade pode existir abstratamente na lei, mas desaparece no momento de sua aplicação nos casos concretos, com base em manifestação de órgãos técnicos”. (DI PIETRO, 2014).

A ideia de controle judicial, no Estado Democrático de Direito, consubstancia-se na inafastabilidade da jurisdição (art. 5º, XXXV, CRFB), forte no axioma de proteção dos direitos individuais e coletivos contra arbitrariedades na atuação da Administração Pública, a qual é regida por um sistema de direito público fundamentado no primado de valores fundamentais.

Todavia, o exame judicial não pode ser tido por absoluto e requer à ponderação ao princípio da separação dos poderes e seus consectários, como o da eficiência, ao fito de impedir a interferência indevida na atividade administrativa.

A questão nevrálgica surge, então, quanto ao liame existente entre a possibilidade de intervenção judicial sobre as decisões discricionárias da Administração Pública e a inadvertida revisão do ponto substancial do ato administrativo.

  1. 1 Da deferência judicial à interpretação administrativa: o contrapeso à eficiência

Nos Estados Unidos, o controle judicial acerca da interpretação legislativa efetuada por agências reguladoras[10] é sedimentada na doutrina Chevron, pela qual o Judiciário assegura deferência à valoração interpretativa administrativa.

A Suprema Corte americana, no julgamento paradigma de Chevron[11] - que tratava acerca de dúvida legislativa ambiental, definiu que em caso de ambiguidade na lei, a atuação judicial seria restrita a verificação da razoabilidade da dedução administrativa.

Eduardo Jordão (2016, p. 17), que há muito se dedica ao tema, explica:

Os tribunais deveriam perguntar-se se a questão trazida a juízo teria resposta clara na legislação. Nesse caso, então a opção legislativa deveria ser concretizada e a interpretação administrativa deveria ser anulada quando não lhe correspondesse. No entanto, se a legislação fosse ambígua (ou silente) sobre a questão trazida a juízo, então não deveriam os tribunais aplicar a solução que entendessem a mais correta: deveriam apenas julgar se a interpretação da Administração Pública seria permissível (razoável).  (grifo nosso)

Com efeito, a bipartição entre atos vinculados e discricionários traduzida na atividade administrativa em nosso ordenamento jurídico também é visualizada no direito norte-americano, ao passo que a direção única proposta na lei, tal qual é aqui, deve ser cumprida, legitimando-se o controle judicial no seu descumprimento.

No tocante a existência de indeterminação legislativa[12], consubstancia-se a judicial deference ao entendimento administrativo, mediante o respeito a “capacidade institucional própria de cada órgão[13] na sua esfera de discricionariedade.

A preponderância ao juízo administrativo, para a doutrina americana, é atrelada a maior tecnicidade da Administração Pública para enfrentar as demandas desse jaez em contraposição ao Poder Judiciário [14].

Como a matéria regulatória é tecnicamente complexa, a deferência judicial às decisões das agências reguladoras transmitiria a ideia de respeito judicial a uma instituição comparativamente mais bem adaptada para enfrentá-la (tanto em função da natureza da sua atuação diuturna, como em função do seu maior aparelhamento institucional). Além disso, veicularia a intenção de não prejudicar a coerência e a dinâmica da política regulatória da autoridade administrativa. (JORDÃO; JUNIOR, 2018, p. 541)

De fato, o Estado-juiz detém o múnus primordial à interpretação jurídica, todavia, há questões que ultrapassam o campo da exegese pura - às vezes inexequível, e requerem uma conjugação global a fatores científicos, financeiros e logísticos à validação da medida eleita.

Em posição de deferência às decisões administrativas, o exame judicializado resta circunscrito à verificação ao cumprimento das disposições legais e sua execução, bem assim ao afastamento de atos arbitrários ou não razoáveis à luz dos parâmetros constitucionais.

Está-se aqui diante do valor constitucional da eficiência[15], em que as ações de Estado atingem seu propósito quando há a prestação do serviço público com a menor onerosidade possível: tanto ao erário, quanto à coletividade.

Diogo de Figueiredo Moreira Neto (2000, p. 84), nesse compasso, assemelha o princípio da eficiência ao da boa administração do direito italiano, “que é hoje respaldado pelos novos conceitos gerenciais, voltado à eficiência[16] da ação administrativa pública”.

Irene Patrícia Nohara (2014, p. 183), nesta sintonia, propõe novas formas de alcance da eficiência na gestão pública:

 

É imprescindível, pois, fomentar um diálogo saudável entre gestores públicos e juristas, para que o administrador público possa criar tais inovações, em forma de projetos, e testá-los com segurança, sem correr o risco de violar o ordenamento jurídico.

Por outro lado, exige-se do jurista uma postura mais proativa, dentro de uma visão do Direito do ponto de vista da razoabilidade, inspirada numa hermenêutica mais teleológica, do que meramente lógica, para que o Direito Administrativo seja aplicado numa atmosfera de maior funcionalidade e efetividade conferida ao princípio jurídico da eficiência administrativa. (grifo nosso)

 

A finalidade da direção da governança pública, nessa senda, nada mais é do que trazer o melhor resultado à sociedade pela mensuração do gestor público à implementação de políticas sociais públicas consubstanciada na assertiva da eficiência administrativa.

É válido dizer que a Constituição Federal ao dispor sobre a estrutura, prerrogativas e procedimentos específicos à Administração Pública, como o concurso público, o processo licitatório, a responsabilidade fiscal, cauciona os meios de destinar à sociedade a melhor escolha à execução das políticas de estado.

E, nesta direção, a segurança jurídica que o respeito ao posicionamento da instituição originada a este fim infere à coletividade, cuja qual resvala no orçamento público e na própria ordem econômica do país[17], interna e externamente.

Nesse caminhar, a novel Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, no seu art. 20, ao prever a proibição de decisões judiciais fundamentadas em conceitos abstratos, quando determina o exame dos “argumentos jurídicos, o contexto fático e as consequências” práticas do ônus estatal (OLIVEIRA, 2020).

Para Di Pietro (2014) à questão posta ao crivo judicial, o “juiz tem, primeiro, que interpretar a norma diante do caso concreto a ele submetido. Só após essa interpretação é que poderá concluir se a norma outorgou ou não diferentes opções à Administração Pública. A existência de diferentes opções válidas perante o direito afasta a possibilidade de correção do ato administrativo que tenha adotado uma delas.”

O Excelso Pretório, na Suspensão de Tutela Provisória nº 193, de relatoria do Ministro Dias Toffoli[18], posicionou-se nessa salvaguarda:

Não se mostra admissível que uma decisão judicial, por melhor que seja a intenção de seu prolator ao editá-la, venha a substituir o critério de conveniência e oportunidade que rege a edição dos atos da Administração Pública, notadamente em tempos de calamidade como o presente, porque ao Poder Judiciário não é dado dispor sobre os fundamentos técnicos que levam à tomada de uma decisão administrativa. (grifo nosso)

De outro norte, impende ressaltar que o favoritismo da instituição política deve estar sustentada “não apenas em capacidade em tese, mas em capacidade de fato. Do contrário, em vez de favorecer que as decisões sejam tomadas nos centros especializados mais aptos, apenas as tornará imunes ao controle judicial, desprotegendo os administrados do socorro que cumpre ao Poder Judiciário prestar quando não há mais a quem recorrer diante da ameaça, ou violação a um direito seu.” (RIBEIRO, 2016)

A intensificação do controle judicial é benéfica quando caminha de forma “minimalista”[19], com ensejo no mote da proporcionalidade, sob de pena de se chegar “muito próximo do chamado governo dos juízes, de longa data superado nos Estados Unidos, seu país de origem”.  (DI PIETRO, 2013, p. 24).

  1. Conclusão

 

A juridicização dos atos estatais, com o advento do que a literatura jurídica denominou de constitucionalização do direito administrativo, adquiriu relevância e a Administração Pública se viu refém da ingerência judicial no planejamento das metas e contas públicas.

Sob a perspectiva de valoração do mérito administrativo aliada a discricionariedade reduzida, a persuasão judicial acerca da melhor forma de aplicação de uma política social pública, em substituição ao gestor público na sua função originária, vindica limitações.

Conquanto indeclinável o exame judicial, percuciente é ponderar às barreiras também existentes ao Poder Judiciário na sua esfera de atuação, em tempos de desjudicialização, inclusive, a fim de preservar a máxima da independência de Poderes, porque também é Estado.

Nesse sentido, no socorro ao direito comparado, tem se visualizado na doutrina da deferência judicial norte-americana uma direção à melhor escolha pública ao destinatário – a coletividade.

Desta feita, diante da ultrapassada noção de intangibilidade do mérito administrativo, a equação apontada é a prevalência da decisão administrativa, seja em se tratando de discricionariedade técnica, seja discricionariedade pura, quando a lei dispuser alternativas ao locutor público.

Notadamente não engloba o entendimento decisões dotadas de teratologia ou irrazoáveis, cuja interpretação jurídica recai à autoridade constitucional suprema. O que se quer resguardar, a despeito da justiça da decisão eleita, é o ônus da função administrativa:  dotada de experiência e técnica, ancorada nos freios da regulação fiscal, orçamentária e procedimental próprios, além da sujeição à responsabilidade das instituições de controle próprias.

Vale dizer, nem sempre a melhor interpretação jurídica à implementação de uma política social pública origina a mais eficiente execução desse direito fundamental.

A concretização das normas programáticas, cuja competência é asseverada precipuamente em âmbito administrativo, passa por um largo e criterioso planejamento de metas e diretrizes – efetuado com base na própria Constituição e leis infraconstitucionais,  à contingência em meio a escassez dos recursos públicos.

A atividade administrativa à eleição de uma política pública perpassa a apreciação jurídica; é como dito, função gerencial instituída para esse propósito de concretizar o interesse público primário à luz do primado da eficiência - prestação de serviço público de resultado.

Premente se atentar, ainda, que a exteriorização da vontade estatal é cunhada de presunção de legitimidade, sendo esta premissa um pilar do nosso ordenamento jurídico à invalidação precoce do ato administrativo pela via do controle judicial.

E, primordialmente, em juízo de cognição sumária, onde a “intensidade do controle judicial”[20] merece peculiar atenção, porquanto os efeitos, muitas vezes irreparáveis, que o provimento antecipado conserva, podem esgotar integralmente o objeto da ação.

Nesse limiar, a proposta da deferência judicial somada à presunção de legitimidade dos atos administrativos e ao princípio da reserva do possível, em se tratando de diretos sociais, na defesa da intervenção judicial minimizada na gestão de políticas públicas.

Para esse mister, imperioso é a fortificação do Poder Executivo, mediante a inserção de mecanismos de governança e eficiência, preservando-se o espírito da Carta Maior. A exemplo, as prerrogativas aos servidores públicos que garantem a técnica ao ato administrativo, o concurso público e a estabilidade, evitando-se influência indevida à legitimidade do encargo estatal, a flexibilização das regras do processo licitatório, etc.

A defesa das potencialidades administrativas em nosso país pode se iniciar pelo escopo educativo do Processo - à pacificação social, a fim de que o serviço público seja accountable ao seu papel original de atender a coletividade e conferir segurança jurídica à sua fiel execução.

[1] Sobre a matéria, tramita no Congresso Nacional a PEC 188/2019 – PEC do Pacto Federativo

[2] (...) “limite ao poder do Estado de concretizar efetivamente direitos fundamentais a prestação” (SARLET, 2010, p. 180)

[3] Lei de Responsabilidade Fiscal (LC nº101/2000 c/c Lei dos Orçamentos Públicos nº 4.320/64

[4] Disponível em: http.www.stf.jus.br. Acesso em 31/01/2021

[5] Com esteio na doutrina italiana de Renato Alessi, Celso Antônio Bandeira de Mello (2009, p. 68) faz a distinção entre interesse público primário (à coletividade) e interesse público secundário (à administração pública).

[6] (...) o legislador pode descrever, na própria norma jurídica, todos os elementos do ato administrativo que deverão ser observados pelo agente, sem qualquer margem de liberdade. Nesse caso, a atuação é vinculada (OLIVEIRA, 2016, p. 297).

[7] (...) campo de liberdade suposto na lei e que efetivamente venha a remanescer no caso concreto, para que o administrador, segundo critérios de conveniência e oportunidade, decida-se entre duas ou mais soluções admissíveis perante a situação vertente, tendo em vista o exato atendimento da finalidade legal, ante a impossibilidade de ser objetivamente identificada qual delas seria a única adequada. (MELLO,  2009, p. 955)

[8] DI PIETRO, 2014

[9] Fenômeno cunhado pela doutrina de “constitucionalização do direito administrativo”

[10] O termo agência no contexto dos Estados Unidos por vezes designa conceito diverso daquele usualmente manuseado no Brasil. Inclui, como no Brasil, agências reguladoras, mas também se estende às chamadas agências executivas. Até aqui se fez referências às agências governamentais, como forma de englobar ambos os conceitos. Desse modo, Chevron não deve ser lida como uma doutrina de aplicabilidade restrita à atividade regulatória, embora seja esse um dos campos alvissareiros para a sua consolidação em virtude das circunstâncias institucionais que o envolvem. (MEDEIROS, 2020, p. 149)

[11] Chevron U.S.A. Inc. v. Natural Resources Defense Council, Inc., 467 US 837 (1984)

[12] Sobre os métodos de interpretação – cânones de interpretação e cânones substanciais, remete-se ao estudo proposto por Eduardo Jordão em Entre o prêt-à-porter e a alta costura: procedimentos de determinação da intensidade do controle judicial no direito comparado. Revista Brasileira de Direito Público – RBDP, Belo Horizonte, ano 14, n. 52, p. 9-43, jan./mar 2016, p.18.

[13] CARVALHO, 2019.

[14] Uma pesquisa  do  CNJ,  por  exemplo,  analisou  1.371  ações  judiciais  em  que foram  questionadas  decisões  de  agências  reguladoras  entre  1994  e  2010  e revelou  que  mais  de  80%  dos  casos  que  tiveram  seu  mérito  julgado  pelos tribunais  superiores  foram  favoráveis  às  agências  –  embora,  no  decorrer do  processo,  a  incidência  de  decisões  desfavoráveis  esteja  presente  com alguma  incidência  (AZEVEDO;  FERRAZ  JUNIOR;  MARANHÃO,  2011). Segundo o relatório,  a  complexidade  e  o  caráter  estritamente  técnicos  das entidades  administrativas  autônomas  é  uma  de  suas  razões  de  decidir. Juliano Maranhão (2016, p.  26-46),  ao  analisar  o  estudo,  observa  que (i)  há uma  supervalorização  de  questões  procedimentais;  (ii)  os  magistrados geralmente  carecem  de  conhecimento  técnico  para  resolver  as  questões; (iii)  a  dicotomia  entre  o  direito  público  e 

privado  dificulta  a  compreensão judicial  sobre  assuntos  regulatórios  complexos;  e  (iv)  há  uma insensibilidade  ao  raciocínio  regulatório  que,  muitas  vezes,  leva  o  Poder Judiciário  a  um  formalismo  jurídico. (Apud JUNIOR, JORDÃO, 2018, p. 542)

[15]“ É o mais moderno princípio da função administrativa, que já não se contenta em ser desempenhada apenas com legalidade, exigindo resultados positivos para o serviço público e satisfatório atendimento das necessidades da comunidade e de seus membros” (MEIRELLES, 2014, p. 94).

[16] “Essa avaliação do grupo se concentra sobre a eficiência que poderá ser lograda (futuro), a que está sendo obtida (presente) ou a que foi realizada (passado) com uma determinada decisão a respeito a uma proposta de poder”(MOREIRA NETO, 2008, p. 64-65).

[17] Remete-se à leitura de: BOCKMANN MOREIRA, Egon. Crescimento econômico, discricionariedade e o princípio da deferência, Direito do Estado, 2016. Disponível  em:  http://www.direitodoestado.com.br/redae.asp. Acesso em: 09 de janeiro de 2021.

[18] Referido precedente foi utilizado pelo Tribunal de Justiça de Santa Catarina para restabelecer as medidas de flexibilização de hotéis e eventos na pandemia: Suspensão de Liminar e de Sentença nº 5047103-74.2020.8.24.0000/SC, de Relatoria do Desembargador Raulino Jaco Bruning, de 29/12/2020.

[19] RIBEIRO, 2016

[20] Expressão utilizada por Eduardo Jordão

REFERÊNCIAS

BOCKMANN MOREIRA, Egon. Crescimento econômico, discricionariedade e o princípio da deferência, Direito do Estado, 2016. Disponível em:  http://www.direitodoestado.com.br/redae.asp. Acesso em: 09 de janeiro de 2021.

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