Por: Matheus Brito Meira, Procurador do Município de Aracaju-Se, Mestrando em Ciência da Propriedade Intelectual pela Universidade Federal de Sergipe- UFS, Especialista em Direito do Estado pela Universidade Federal da Bahia, Professor de Direito Tributário de cursos de Pós-Graduação, preparatórios para o exame da OAB e concursos públicos. Pesquisador sênior do Grupo de Estudos de Direito Autoral e Industrial GEDAI/UFPR, Ex-Analista do Ministério Público do Estado da Bahia. Publicado pelo Boletim GEDAI de novembro de 2024.
No contexto histórico a paternidade da Inteligência Artificial- IA é geralmente atribuída ao matemático inglês Alan Turing. Em seu artigo “Computing Machinery and Intelligence”, publicado em 1950, ele estabeleceu o chamado “Teste de Turing”, que visava determinar a inteligência de um dispositivo artificial (Carrillo, 2020).
Surden (2019) argumenta que a IA não é inteligente no sentido humano-cognitivo da palavra. Em vez disso, a tecnologia de IA atual é capaz de produzir resultados inteligentes sem inteligência, aproveitando padrões, regras e proxies heurísticos que lhe permitem tomar decisões úteis em certos contextos.
Para o grupo de peritos de alto nível em Inteligência Artificial da União Europeia (AI HLEG), o principal atributo da IA se refere à capacidade de escolher a melhor ação a ser tomada para atingir um determinado objetivo, dados certos critérios a serem otimizados e os recursos disponíveis, esta é uma definição baseada no conceito da racionalidade (Carrillo, 2020).
A IA é classificada de diversas maneiras, a saber: quanto a abordagem funcional, quanto a natureza e a abordagem formal, quanto a abordagem tecnológica, quanto à autonomia, cada uma dessas abordagens metodológicas mostra a variedade de dispositivos e situações que se encontram abrangidos pelo conceito de IA (Carrillo, 2020).
A abordagem que nos interessa no presente trabalho é a funcional, que considera que a IA deve ser construída com base na observação e experiência, orientada por dados. Sendo assim, temos a IA tradicional que apenas imita, copia ou reproduz algo que já existe e a IA Generativa que possui a capacidade de criar conteúdos novos e originais a partir do que aprendeu (Wachowicz, 2024).
Na Advocacia Geral da União-AGU, conforme destacado pelo procurador federal Mauro Nogueira durante o II Seminário RENAGEI: governança, integridade e inovação na Advocacia Pública Brasileira, realizado em abril de 2024, o assistente de IA utilizado tem a capacidade de executar uma série de atividades que facilitam e otimizam o trabalho do advogado público, o que é um enorme avanço, a exemplo de triagem e classificação de processos administrativos e judiciais. A partir da base de conhecimentos produzidos, a tecnologia dá suporte aos membros da AGU na rápida análise de documentos e dados, além de identificar elementos-chave de processos, podendo, inclusive, ler textos jurídicos e indicar legislações relevantes, modelos de petições com teses jurídicas e jurisprudência. Em uma instituição que recebe aproximadamente 330 mil intimações por semana essa é, sem sobra de dúvidas, uma ferramenta essencial para dar agilidade as atividades executadas pelo órgão.
A IA utilizada pela AGU é a BERT que é a sigla em inglês para Bidirectional Encoder Representations for Transformers, sendo uma tecnologia de rede neural.
Oportuno mencionar que, em setembro do corrente ano, a AGU anunciou a utilização da IA generativa em seu fluxo de trabalho, com foco na gestão e produção de documentos jurídicos e administrativos, permitirá, por exemplo, que os advogados da União obtenham sugestões de textos jurídicos, resumos de processos complexos ou extração automática de dados de documentos processuais.
Outro órgão que sabidamente investe em IA é a Procuradoria Geral do Estado de São Paulo- PGE-SP, lá a IA realiza a leitura, classificação e sugestão de petição. No Contencioso-Geral da PGE-SP, das cerca de 20 mil intimações recebidas diariamente, 15% já têm sido submetidas a triagem por IA. Contudo, para se ter uma ideia do atraso, há mais de 300 mil execuções fiscais de tributos estaduais em papel tramitando no estado de São Paulo (Schiavon, 2024).
Infelizmente o uso da IA ainda não é a realidade de toda a advocacia pública brasileira, notadamente a municipal, onde muitas vezes a pouca infraestrutura e a precariedade no ambiente de trabalho ainda é a tônica (Mendonça, et. al, 2018).
Sendo assim, é possível concluir que o uso da IA pela advocacia pública serve para tornar a atuação deste profissional mais célere, menos manual e mais tecnológica, otimizando assim o tempo não apenas do advogado público mas também do cidadão, destinatário final dos serviços prestados pela advocacia pública, além de tornar o processo, seja judicial ou administrativo, mais ágil, cumprindo assim o que determina a Constituição Federal em seu artigo 5º, inciso “LXXVIII - a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação.”.
Referências:
BRASIL. Advocacia-Geral da União. AGU destaca uso da inteligência artificial na instituição durante seminário sobre inovação na Administração Pública. [Brasília]: Advocacia-Geral da União, 25 abr. 2024. Disponível em : https://www.gov.br/agu/pt-br/comunicacao/noticias/membros-da-agu-discutem-em-seminario-inteligencia-artificial-e-inovacao-na-advocacia-publica#:~:text=A%20forma%20como%20a%20intelig%C3%AAncia,realizado%20em%20Manaus%20(AM). Acesso em 27 set. 2024.
BRASIL. Constituição Federal de 1988. Constituição – Planalto. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso: 27 set. 2024.
CARRILLO, Margarita Robles. Artificial intelligence: From ethics to law. Telecommunications Policy, v. 44, 2020.
MENDONÇA, Clarice Corrêa de, PORTO, Nathália França Figueredo, VIERA, Raphel Diógenes Serafim. 1º Diagnóstico da Advocacia Pública Municipal do Brasil. Belo Horizonte: Fórum, 2018.
SCHIAVON, Fabiana. PGE de São Paulo usa inteligência artificial para agilizar procedimentos. Anuário da Justiça de São Paulo, 2024. Disponível em https://anuario.conjur.com.br/pt-BR/profiles/78592e4622f1-anuario-da-justica/editions/anuario-da-justica-sao-paulo-2023-2024/pages. Acesso em 27 set. 2024.
SURDEN, Harry, Artificial Intelligence and Law: An Overview, Georgia Sate University Law Review, 2019, pp. 1304-1337.
WACHOWICZ, Marcos. Plágio, Direitos Autorais e Regulação da IA Generativa. Disponível em: https://gedai.ufpr.br/plagio-direitos-autorais-e-regulacao-da-ia-generativa/. Acesso em 27 set. 2024.
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