Voz do Associado qui, 21 de outubro de 2021
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Por: Alessandro Farias Leite,

Diretor de Assuntos Legislativos da ANPM e Procurador do Município de Campina Grande/PB

No último 23 de setembro, depois de uma longa e conturbada tramitação na Comissão Especial da Câmara dos Deputados, foi votado e aprovado o relatório da Reforma Administrativa em tramitação, que segue para votação em Plenário daquela casa Legislativa.

Os deputados favoráveis à Reforma, apressaram-se em alardear através da imprensa que não haveria motivos para preocupações pois a estabilidade estaria mantida para todos os servidores, configurando assim uma grande vitória para o funcionalismo público de forma geral.

Certamente se referiam à famosa vitória de Pirro.

Na ocasião da votação da última versão do relatório, na undécima hora, mais precisamente as 21 horas e 08 minutos, um novo relatório foi apresentado, sendo este votado e aprovado de forma avassaladora. Ocorre que a versão aprovada, regurgitou o repulsivo art.37[1]-A que havia sido excluído anteriormente.

O malfadado artigo traz em seu bojo uma série de retrocessos que insistem em acompanhar a PEC 32 em vários dos seus dispositivos. Fica muito claro que o Princípio da Subsidiariedade, excluído na Comissão e Constituição e Justiça, “ainda vive” no texto da PEC.

Institutos como estabilidade e concurso público são profundamente modificados na prática com o ressurgimento do art.37-A.  A terceirização ampla e sem limites volta a assolar o Ordenamento Jurídico Administrativo vigente.

Ao trazer a possiblidade de celebração de instrumentos de cooperação para prestação de serviços públicos, abre-se uma perigosa janela de oportunidade para expurgar por completo o instituto do Concurso Público do cotidiano da Administração Pública e por conseguinte a estabilidade.

Ora, como falar em estabilidade sem concurso público?

Se o poder público poderá contratar quantitativo de pessoal sem limites, exceção feita para as Carreiras Típicas de Estado, por qual razão optaria pelo Concursos? Inaugura-se uma nova era na prestação dos serviços públicos, onde a terceirização seria a regra e os concursos, que já são raros, exceção.

Os atuais servidores, que teriam as suas estabilidades mantidas conforme propalado amplamente, seriam silenciados por órgãos lotados de servidores terceirizados. O servidor estável seria literalmente uma ilha lotada de contratados por todos os lados. Não é difícil deduzir que na prática teríamos isolamento e esvaziamento das atribuições deste em benefício dos outros.

Não se está sugerindo que os servidores contratados viriam para cometer ilegalidades, ao revés, o que é preciso evidenciar é a precariedade de seu vínculo e o tolhimento de sua autonomia para se posicionar frente a situações não republicanas.

O 37 -A prevê ainda que todos os entes federativos poderão legislar livremente sobre as terceirizações supramencionadas, até que sobrevenha uma Lei Federal com normas gerais acerca do tema. Imaginar os 5.570 Municípios brasileiros e os 26 Estados (além do Distrito Federal), tratando de forma diferenciada sobre um tema tão importante para o Estado Brasileiro, nos faz pensar que o pior certamente ainda está por vir.

Paradigmático lembrar que no último mês de julho, quando da abertura dos Jogos Olímpicos em Tóquio, tivemos uma justa e emocionada homenagem aos servidores públicos japoneses. Na celebração de acendimento do fogo olímpico, comumente oportunizada às grandes estrelas do esporte do país sede, dois servidores: um médico e uma enfermeira[2], categorias da linha de frente no combate à covid foram lembrados e homenageados. No Brasil, os servidores públicos, que deram todo o suporte ao país na pior crise sanitária de todos os tempos, são contemplados com uma pec que traz precariedade e desvalorização extremas.

[1] Art. 37-A. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão, na forma da lei, firmar instrumentos de cooperação com órgãos e entidades, públicos e privados, para a execução de serviços públicos, inclusive com o compartilhamento de estrutura física e a utilização de recursos humanos de particulares, com ou sem contrapartida financeira.

  • 1º Lei federal disporá sobre as normas gerais para a regulamentação dos instrumentos de cooperação a que se refere o caput.
  • 2º Até que seja editada a lei federal a que se refere o § 1º, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios exercerão a competência legislativa plena sobre a matéria.
  • 3º A superveniência de lei federal sobre as normas gerais suspende, naquilo que lhe for contrário, a eficácia da lei estadual, distrital ou municipal.
  • 4º A utilização de recursos humanos de que trata o caput não abrange as atividades privativas de cargos típicos de Estado. (NR)

[2] https://ge.globo.com/olimpiadas/noticia/trabalhadores-da-linha-de-frente-no-combate-a-covid-19-carregam-bandeira-olimpica.ghtml

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