Como Curitiba conseguiu equilibrar as contas e traçar um caminho de sustentabilidade nos gastos públicos
No início de 2017 a Prefeitura de Curitiba apresentava um quadro financeiro e orçamentário extremamente delicado e havia a possibilidade de um colapso dos serviços públicos. A cidade tinha R$ 10,3 bilhões de despesas e uma receita de R$ 8,1 bilhões. As despesas cresciam mais que as receitas, num ritmo de 70% (despesas) e 28% (receitas). O déficit orçamentário era de R$ 2,19 bilhões.
Foi nesse cenário que o prefeito eleito de Curitiba,Rafael Greca (PMN), convidou o advogado público Vitor Puppi para a Secretaria Municipal de Planejamento, Finanças e Orçamento. Puppi é graduado em Direito pela Universidade Federal do Paraná (UFPR), mestre em Direito Empresarial pela Universidade da Califórnia, Berkeley, nos Estados Unidos (EUA) e especialista em Direito Tributário pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUCSP). Foi diretor Geral da Secretaria de Estado da Fazenda do Paraná entre 2013 e 2014. Atua como Procurador do Estado do Paraná desde 2008 e está licenciado para o exercício de Secretário de Finanças da capital.
Nesta entrevista à ANPM, o Secretário falou sobre os desafios.
ANPM – Qual era a situação financeira e orçamentária de Curitiba quando o Sr. assumiu a pasta?
Puppi – Caótica. Financeiramente, éramos a pior capital do país na nova classificação de liquidez da Secretaria do Tesouro Nacional. Recife também tinha uma situação complicada, mas a de Curitiba era três vezes pior. Não tínhamos recursos para fazer frente às obrigações de curto e de curtíssimo prazo; diversas obrigações mensais da prefeitura estavam atrasadas há cinco, seis meses, como o contrato do lixo, por exemplo. A causa era o desarranjo orçamentário. O Município vinha rolando as suas obrigações ao longo dos anos e essas obrigações não tinham cobertura orçamentária. E não estou falando de investimentos ou despesas discricionárias, mas sim de contratos fundamentais ao funcionamento da cidade.
ANPM – Nesse cenário, quais foram as principais medidas tomadas pela Administração?
Puppi - Precisávamos recuperar a nossa capacidade de pagamento, ter algum colchão de liquidez e, com o tempo, trazer a cidade para dentro do orçamento. Decidimos manter rigorosamente em dia as obrigações correntes do Município que venceriam em 2017 e demos outro tratamento às obrigações anteriores, mediante negociações para pagamento à vista, parcelamentos e leilões reversos de dívidas, onde o credor que oferta o maior desconto recebe primeiro. Do ponto de vista estrutural, reformamos integralmente a previdência municipal com a criação de um instituto de previdência complementar, elaboramos uma Lei de Responsabilidade Fiscal Municipal e alteramos a meta fiscal do Município, declarando e trazendo às claras um déficit orçamentário de R$ 2,194 bilhões. É muito dinheiro. Para se ter uma ideia a arrecadação de um ano inteiro de IPTU é de aproximadamente R$ 600 milhões. Também propusemos diversas modificações na esfera tributária e administrativa do Município. Ao todo foram doze projetos de lei que se convencionou chamar de Plano de Recuperação de Curitiba.
ANPM – No último Congresso Nacional de Procuradores Municipais realizado em Curitiba-PR, o Sr. palestrou no Fórum Nacional dos Procuradores Gerais das Capitais com o tema “Plano de Recuperação Fiscal de Curitiba”. É um Plano que pode ser aplicado em outras cidades do Brasil?
Puppi – Sim, foi uma experiência muito gratificante conversar com os Procuradores de outros Municípios. Participo da Associação Brasileira das Secretarias de Finanças das Capitais (ABRASF) da qual sou diretor jurídico. Da minha experiência percebi que muitos dos problemas enfrentados por Curitiba são também vivenciados, em escalas diferentes, em outros Municípios. O Plano de Recuperação possui modelos que podem sim ser replicados em outras municipalidades e inclusive acredito que já foram. Conversei com alguns prefeitos que se queixam de problemas semelhantes e, muitas vezes, não dispõem da estrutura necessária para diagnosticar com precisão a situação fiscal, elaborar os projetos legislativos ou mesmo avaliar os riscos. Um modelo certamente seria útil.
ANPM – Como o Sr. avalia o papel dos procuradores municipais na implementação e consagração desses planos de recuperação fiscal?
Puppi – Fundamental. Seja na avaliação dos riscos inerentes à tomada de decisão, no aprimoramento dos projetos e, certamente, na defesa administrativa e judicial das medidas adotadas. O procurador presta um papel relevantíssimo também na avaliação dos riscos. Avaliar riscos, porém, não significa somente dizer quais as consequências ou apontar defeitos nas decisões do gestor público. Significa colaborar – obviamente sob a ótica da responsabilidade – com o melhoramento do ato administrativo. Risco sempre há: hoje absolutamente tudo é questionado perante o Poder Judiciário e os órgãos de controle. Até mesmo porque não há qualquer risco de se ingressar com uma demanda perante os juizados especiais; a pessoa aciona, perde e não paga sequer as custas e a sucumbência.
ANPM – Em 2016, a Associação Brasileira das Secretarias de Finanças das Capitais (ABRASF) indicava Curitiba com Nota C para o índice de liquidez das contas públicas. Em 2017, este índice ficou em “A”. A que o Sr. atribui essa evolução e qual o papel da Procuradoria neste cenário?
Puppi - Ao controle absoluto e incansável da execução orçamentária. A bem da verdade, do ponto de vista legal e orçamentário, a Lei 4.320/64 diz absolutamente tudo: a forma de execução das despesas, a necessidade de empenho prévio, o processo de liquidação, a necessidade de observância do orçamento. Nem precisaríamos da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) caso a 4.320/64 fosse cumprida. A LRF foi um grande avanço, mas, em alguns aspectos, tornou-se um simples protocolo a ser seguido para a realização da despesa. O processo de despesa passou a contar com mais carimbos e obrigações que nem sempre, diante da complexidade orçamentária, possuem lastro. A liquidez do ente público volta naturalmente aos patamares da normalidade se a execução orçamentária é respeitada. A Procuradoria deve estar atenta a esta realidade: exigir o cumprimento de formalidades e a anexação de declarações muitas vezes não basta. Deve haver integração e sintonia com a realidade financeira do ente público.
ANPM – Com as diversas crises dos entes federados pelo Brasil, o que Curitiba pode ensinar ao país?
Puppi – Acredito que a lição maior fica para a própria cidade. Tenho dito que a Curitiba tem, após a aprovação do plano e o encerramento do primeiro exercício fiscal, uma chance de ouro de se manter nos trilhos do equilíbrio e da responsabilidade fiscal. Não se elabora – e muito menos se aprova perante o Poder Legislativo – um Plano de Recuperação a cada ano. Fica também o exemplo de que é possível, mesmo em curto prazo, recuperar a credibilidade das finanças públicas quando os problemas são corajosamente enfrentados.
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