sex, 02 de julho de 2021
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O Procurador do Município de Recife, Bruno Santos Cunha, estreou a coluna quinzenal ”STF vs. Supreme Court", no Portal Migalhas. No espaço, serão publicados artigos analisando, a partir de casos concretos, o uso de precedentes da Suprema Corte dos EUA pelo Supremo Tribunal Federal do Brasil.

A ANPM conversou com o Procurador sobre o projeto, confira a entrevista abaixo:

De onde surgiu a ideia de fazer a coluna?

Surgiu a partir da união de dois objetos de estudo que muito me interessam: o sistema jurídico dos Estados Unidos como um todo (o que inclui a sua Suprema Corte) e o nosso Supremo Tribunal Federal. Mais do que isso, a ideia já vinha sendo gestada pelo menos desde 2017, ano em que eu finalizei meu LL.M. na Universidade de Michigan, nos Estados Unidos. Lá eu tive a oportunidade de me aprofundar no estudo de temas de direito constitucional e direito administrativo a partir da visão da Suprema Corte dos EUA. Agora, já no doutorado aqui no Brasil, eu tenho estudado um pouco mais o diálogo que existe entre a atuação da Suprema Corte dos EUA e a do nosso STF: aí foi o ponto de partida para a coluna.

O Brasil tem tradição de estudar e acompanhar a evolução do Direito europeu continental, pode-se dizer que hoje em dia há uma maior tendência de estudar o Direito Americano?

É difícil cravar uma influência única ou mesmo preponderante em nosso sistema jurídico. É que o Brasil foi moldando seu sistema jurídico a partir de uma pluralidade de diálogos com outros sistemas e ordenamentos. Longe de dúvidas, no entanto, que das duas famílias jurídicas mais expressivas no ocidente (o direito europeu continental ou civil law e a common law do mundo anglo-saxão), o Brasil, historicamente, sofreu muito mais influência da chamada civil law. A própria herança portuguesa nos trouxe essa conexão com a Europa continental.

No entanto, vários fatores têm contribuído para o aumento do diálogo de nosso direito com o direito americano nos últimos tempos. Entre eles, é possível destacar: 1) a posição destacada dos EUA no mundo, sobretudo em termos políticos e econômicos; 2) a grande influência cultural que o Brasil sofreu e sofre dos EUA, e; 3) a própria globalização e facilitação do acesso aos conteúdos e às decisões jurídicas dos EUA, o que viabiliza um diálogo cada vez mais intenso entre os sistemas. Dito isso, é inegável que há uma tendência cada dia maior de que os estudioso do Direito aqui procurem respostas e soluções para seus problemas no direito alheio (no caso, nos EUA).

Qual a relevância dos precedentes do tribunal americano para a Corte brasileira?

Primeiro é preciso dizer que o nosso Supremo Tribunal Federal utiliza os precedentes estrangeiros de forma rotineira em seus debates e decisões. Nesse quadro, a Suprema Corte dos EUA e o Tribunal Constitucional Federal da Alemanha são os dois tribunais mais buscados por nossos Ministros. Sobretudo em temas complexos e polêmicos que envolvam direitos fundamentais, é difícil ver uma decisão do nosso STF que não traga alguma menção ao direito estrangeiro (e, acima de tudo, à Alemanha e aos Estados Unidos).

O grande debate que hoje está pendente é justamente o que me foi perguntado: qual é o valor normativo desses precedentes no STF e no ordenamento jurídico brasileiro em geral? Qual peso há de se dar a tais precedentes? Devem ser invocados apenas como um viés confirmatório das ilações do Tribunal a partir do direito nacional? Hão de ser vistos como um fator meramente informacional em termos de cultura constitucional? Há, enfim, algum nível mínimo de persuasão possível a ser aplicado a tais precedentes? De um lado, a minha tese de doutorado tenta responder esses questionamos; a coluna quinzenal no Migalhas, por outro lado, é um dos instrumentos que eu uso para construir meus argumentos e tentar desvendar a relevância dos precedentes estrangeiros aqui no Brasil.

Por que você escolheu o tribunal dos Estados Unidos?

Meu interesse pelos Estados Unidos já existe há bastante tempo. Eu morei lá em 1999-2000 e depois em períodos intercalados entre 2004, 2005 e 2006. Ao todo foram cerca de 2 anos. Depois disso, eu sempre mantive contato com o país por interesse cultural e de estudos. Fiz meu mestrado lá em 2016-2017 justamente para aprofundar meu conhecimento nas soluções jurídicas que eles propõem para problemas que nós aqui no Brasil também enfrentamos. Dito isso, acho que foi uma escolha natural.

Como essa coluna pode auxiliar o trabalho de advogados públicos?

Vários dos temas em que o STF busca respaldo em precedentes da Suprema Corte dos EUA dizem respeito a temáticas que nós advogados públicos temos que lidar de forma cotidiana. Assim, a análise das soluções jurídicas adotadas nos EUA para esses casos pode nos trazer experiências valiosas.

Fale um pouco sobre suas experiências profissionais no exterior e como elas te auxiliaram no trabalho da PGM de Recife.

Nos 12 anos em que estou aqui na PGM Recife eu nunca parei de estudar e de me atualizar. Acho que isso é uma obrigação que o cargo e a defesa do interesse público nos impõe. Como eu atuo na seara consultiva (especificamente com licitações, contratos e infraestrutura), sempre busquei experiências no exterior que pudessem auxiliar meu trabalho. Um exemplo prático recente foram os cursos que tive a oportunidade de fazer na Áustria, em 2019, na sede da IACA (International Anti-Corruption Academy). Lá tive contato com advogados (públicos e privados), juízes, promotores e outros profissionais da área jurídica que enfrentam os mesmos desafios que nós aqui enfrentamos. Isso é um aprendizado que abre nossos olhos e que viabiliza uma melhor resolução de nossos problemas.

Pode citar algum caso emblemático que pretende abordar em sua coluna?

Não quero antecipar muito pra não estragar a surpresa, mas daqui a duas ou três semanas deve ser publicada uma coluna sobre o caso New State Ice Co. v. Liebmann, julgado pela Suprema Corte dos EUA em 1932 e que tem total relação com nossa Nova Lei de Licitações aprovada agora em 2021 (Lei Federal n. 14.133/2021). Acredito que os advogados públicos vão achar essa coluna especialmente interessante e útil.

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