Voz do Associado qua, 09 de fevereiro de 2022
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Por: Giuliano Campos Pereira,

Procurador de Luís Correia/PI

A Constituição Federal redefiniu a importância dos municípios brasileiros, dedicando aos mesmos posição de ente político com ampla autonomia organizacional, atribuindo competências, expressas ou sistemáticas, primando pelo respeito aos seus objetivos fundamentais de construir uma sociedade livre, justa e solidária, sem preconceitos e quaisquer formas diversas de discriminação.

Assim, em seu artigo 23 enumera as competências comuns entre todos os entes políticos – União, Estados, Municípios e Distrito Federal –, com ênfase no presente caso, à proteção dos documentos, obras e outros bens de valor histórico, artístico e cultural, os monumentos, as paisagens naturais notáveis e os sítios arqueológicos; bem como, busca impedir a evasão, a destruição e a descaracterização de obras de arte e de outros bens de valor histórico, artístico ou cultural.

Concomitantemente, há a possibilidade dos municípios de legislarem sobre seu respectivo interesse local, observando suas particularidades, assim, torna clara a inexistência de hierarquia genérica entre os membros que compõem nossa República, uma vez que tais obrigações do Poder Público são executadas atendendo a predominância das suas preocupações institucionais.

Deste modo, acentuou-se a função do munícipio de gestor local das políticas públicas, com intuito de conferir aos anseios da sociedade lugar de destaque na atividade do Estado, que se relaciona com as prestações referentes aos direitos sociais, atrelada à execução orçamentária, como a aplicação mínima anual em ações e serviços públicos de saúde e educação e, especificamente, na organização atinente a sua sistemática própria de fomento à cultura.

Por este motivo, nossa atual Constituição instituiu em seu título referente à ordem social, seção específica que cuida dos direitos e deveres relativos à cultura, posteriormente ampliada por reformas constitucionais. O seu art. 215 prevê que: “o Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos culturais e acesso às fontes da cultura nacional, e apoiará e incentivará a valorização e a difusão das manifestações culturais”; na sequência, descreve todos os institutos, princípios e instrumentos essenciais à atual concepção programática dos elementos culturais.

Sem perder de vista o seu caráter plural, o professor Humberto Cunha Filho conceitua que: “direitos culturais são aqueles relacionados às artes, à memória coletiva e ao fluxo dos saberes que asseguram a seus titulares o conhecimento e uso do passado, interferência ativa no presente e possibilidade de previsão e decisão referentes ao futuro, visando sempre à dignidade da pessoa humana”.

Portanto, o respeito e a valorização ao patrimônio histórico-cultural, principal elo de reconhecimento de seu povo na formação do Estado contemporâneo, ressaltando a pertinência das dimensões regionais, é o meio essencial de interpretação sobre o que se deseja para o futuro de cada cidade brasileira, aliado à forma de como, no atual momento, devemos cooperar para a concretização do verdadeiro propósito das cidades, oferecer qualidade de vida a todos os seus habitantes.

O escritor russo Liev Tolstói (1828-1910) cunhou a frase: “se queres ser universal começa por pintar a tua aldeia”, um claro conselho inicialmente dirigido à produção literária, mas atualmente de amplo contexto na produção humana, que no presente comentário, busca aproximar o Poder Público daquele que o legitima, o povo, por intermédio da sua respectiva identidade histórico-cultural.

Por conseguinte, consolida-se a função social da cidade que perpassa, fundamentalmente, pela preservação dos bens materiais e imateriais de valor histórico e cultural, que muito além de documentar o cenário e o cotidiano de cada localidade, igualmente orienta a participação política dos cidadãos, desde o debate acerca do processo eleitoral até a discussão objeto da pauta legislativa de cada ente municipal, em clara referência à gestão democrática da cidade.

Percepção esta, consolidada nos últimos anos pelo ordenamento jurídico nacional, tendo como exemplo a instituição do tradicional instituto do tombamento de imóveis ou de mobiliário urbano como instrumento jurídico da política urbana (art. 4o, inciso V, “d” do Estatuto das Cidades, Lei no 10.257/2001); a previsão da função extrafiscal do IPTU, em razão da localização e uso do imóvel (art. 156, § 4o da CF, conforme a EC no 29/2000); e a organização de sistemas de cultura específicos dos Municípios, em leis próprias destes (art. 216-A, § 4o da CF, na forma da EC no 71/2012).

Logo, por seu conceito amplo o direito ao acesso à cultura contribui decisivamente para a permanente consolidação da democracia, posto que este se apresenta a partir da união de grupos, objetos e instrumentos de proteção bastante diversos, expondo o art. 216 da CF, que “constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira”.

A atual conjuntura democrática do Estado brasileiro deve fundamentar- se sobremaneira na pluralidade de manifestações culturais e interpretações históricas, sem imposição de graus de importância entre as mesmas, ao resguardo da função normativa do direito, que contribuem para a necessária análise e formação da consciência coletiva do nosso país, respeitando suas idiossincrasias.

REFERÊNCIAS

CARCARÁ, Thiago Anastácio. Constituição Cultural Piauiense: A Construção dos

Direitos Culturais no Piauí. In: COELHO NETO, Celso Barros; MENDES, Frederico de

Freitas; COSTA, Nelson Nery (Org.). Constituição do Estado do Piauí: 30 anos. Rio de

Janeiro: GZ, 2020.

CUNHA FILHO, Humberto. Teoria dos Direitos Culturais: fundamentos e finalidades.

São Paulo: Edições Sesc, 2018.

PONTES, Daniele Regina; FARIA; José Ricardo Vargas de. Direito Municipal e

Urbanístico. Curitiba: IESDE, 2012.

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